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Por Louis Berkhof
A predestinação inclui duas partes, a saber, eleição e reprovação, a
predeterminação tanto dos bons como dos maus para o seu fim definitivo,
e para certos fins próximos, que servem de instrumentos para o
cumprimento do seu destino final.
1. ELEIÇÃO
a. A idéia bíblica da eleição. A
Bíblia fala de eleição em mais de um sentido. Há (1) a eleição de
Israel como povo, para privilégios especiais e serviço especial, Dt
4.37; 7.6-8; 10.15; Os 13.5. (2) A eleição de indivíduos para algum
ofício, ou para a realização de algum serviço especial, como Moisés Ex
3, os sacerdotes, Dt 18.5, os reis, 1 Sm 10.24; Sl 78.70, os profetas,
Jr 1.5, e os apóstolos, Jo 6.70; At 9.15. (3) A eleição de indivíduos
para serem filhos de Deus e herdeiros da glória eterna, Mt 22.14; Rm
11.5; 1 Co 1.27, 28; Ef 1.4; 1 Ts 1.4; 1 Pe 1.2; 2 Pe 1.10. Esta última
é a eleição aqui considerada como parte da predestinação. Pode-se
definir como o ato eterno de Deus pelo qual Ele, em Seu
soberano beneplácito, e sem levar em conta nenhum mérito previsto nos
homens, escolhe um certo número deles para receberem a graça especial e
a salvação eterna. Mais resumidamente, pode-se dizer que a eleição é o propósito de Deus, de salvar certos membros da raça humana, em Jesus Cristo e por meio dele.
b. Características da eleição. As características da eleição e as dos decretos em geral são idênticas. O decreto da eleição é:
(1) Uma expressão da vontade soberana de Deus, do beneplácito divino. Significa,
entre outras coisas, que Cristo como Mediador não é a causa impulsora,
motriz ou meritória da eleição, como alguns têm asseverado.
Pode-se-lhe chamar causa mediata da concretização da eleição, e causa
meritória da salvação para a qual os crentes foram eleitos, mas Ele não
é a causa motriz ou meritória da eleição propriamente dita. Isso é
impossível, visto que Ele mesmo é objeto da predestinação e eleição, e
porque, quando se incumbiu da Sua obra mediatória no Conselho de
redenção, já fora fixado o número dos que Lhe foram dados. A eleição
precede logicamente ao Conselho de paz. O amor eletivo de Deus precede
ao envio do Seu filho, Jo 3.16; Rm 5.8; 2 Tm 1.9; 1 Jo 4.9. Ao dizer-se
que o decreto da eleição se origina no beneplácito divino, exclui-se
também a idéia de que ela é determinada por alguma coisa existente no
homem, como a fé ou as boas obras previstas, Rm 9.11; 2 Tm 1.9.
(2) É imutável e, portanto, torna segura e certa a salvação dos eleitos. Deus
executa o decreto da eleição coma sua própria eficiência, pela obra
salvadora que realiza em Jesus Cristo. É Seu propósito que certos
indivíduos creiam e perseverem até o fim, e Ele assegura este resultado
pela obra objetiva de Cristo e pelas operações subjetivas do Espírito
Santo, Rm 8.29, 30; 11.29; 2 Tm 2.19. É o firme fundamento de Deus que
permanece, “tendo este selo: o Senhor conhece os que lhe pertencem”. E,
como tal, é fonte de abundante consolação para os crentes. Sua salvação
não depende da sua obediência incerta, mas tem a garantia do propósito
imutável de Deus.
(3) É eterna, isto é, desde toda a eternidade. Esta eleição divina jamais deve ser identificada com alguma seleção temporal,
seja para o gozo da graça especial de Deus nesta vida, seja para
privilégios especiais e serviços de responsabilidade, seja para a
herança da glória por vir, mas, antes, deve ser considerada eterna Rm
8.29, 30; Ef 1.4, 5.
(4) É incondicional. A
eleição não depende de modo algum da fé ou das boas obras humanas
previstas, como ensinam os arminianos, mas exclusivamente do soberano
beneplácito de Deus, que é também o originador da fé e das obras, Rm
9.11; At 13.48; 2 Tm 1.9; 1 Pe 1.2. Desde que todos os homens são
pecadores e perderam o direito às bênçãos de Deus, não há base para
essa distinção neles; e desde que até a fé e as obras dos crentes são
fruto da graça de Deus, Ef 2.8, 10; 2 Tm 2.21, mesmo estas, como
previstas por Deus, não podem fornecer a referida base.
(5) É irresistível. Não
significa que o homem não possa opor-se à sua execução até certo
ponto, mas significa, sim, que a sua oposição não prevalecerá. Tampouco
significa que Deus, na execução do Seu decreto, subjuga de tal modo a
vontade humana que seja incoerente com a liberdade da ação humana.
Significa, porém, que Deus pode exercer e exerce tal influência sobre o
espírito humano que o leva a querer o que Deus quer, Sl 110.3; Fp
2.13.
(6) Não merece a acusação de injustiça. O
fato de que Deus favorece alguns e passa por alto outros, não dá
direito à acusação de que sobre Ele pesa a culpa de agir com injustiça.
Só podemos falar de injustiça quando uma parte pode reivindicar algo
de outra. Se Deus devesse o perdão do pecado e a vida eterna a todos os
homens seria injustiça se Ele salvasse apenas um número limitado
deles. Mas o pecador não tem, absolutamente, nenhum direito ou alegação
que possa apresentar quanto às bênçãos decorrentes da eleição divina.
De fato, ele perdeu o direito a essas bênçãos. Não somente não tem
direito de pedir contas a Deus por eleger uns e omitir outros, como
também devemos admitir que Ele seria perfeitamente justo, se não
salvasse ninguém, Mt 20.14, 15; Rm 9.14, 15.
c. O propósito da eleição.
O propósito desta eleição eterna é duplo: (1) O propósito próximo é: a salvação dos eleitos. A palavra de Deus ensina claramente que o homem é escolhido ou eleito para a salvação, Rm 11.7-11; 2 Ts 2.13. (2) O objetivo final é a glória de Deus. Mesmo
a salvação dos homens está subordinada a esta finalidade. Em Ef 1.6,
12,14 dá-se muita ênfase ao fato de que a glória de Deus é o supremo
propósito da graça da eleição. O evangelho social dos dias atuais gosta
de salientar que o homem é eleito para servir. Na medida em que isto
vise negar que a eleição do homem é para a sua salvação e para a glória
de Deus, é claramente contrário à Escritura. Entretanto, entendida
pelo que ela é em si mesma, sem segundas intenções, a idéia de que os
eleitos foram predestinados para servir ou para as boas obras, é
inteiramente escriturística, Ef 2.10; 2 Tm 2.21; mas esta finalidade é
subserviente às finalidades já indicadas.
2. REPROVAÇÃO.
Os nossos padrões confessionais não falam somente de eleição, mas também de reprovação.1*
Agostinho ensinou a doutrina da reprovação, bem como a da eleição, mas
essa “dura doutrina” enfrentou muitíssima oposição. Em geral os
católicos romanos, e a grande maioria dos luteranos, arminianos e
metodistas, rejeitam esta doutrina em sua forma absoluta. Se ainda falam
de reprovação, é somente de uma reprovação baseada na presciência. É
mais que evidente que Calvino tinha consciência da seriedade desta
doutrina, pois fala dela como um “decretum horribile” (decreto
terrível).2 Não obstante, não se
sentiu com liberdade para negar o que ele considerava uma importante
verdade da Escritura. Em nossos dias, alguns eruditos que se arrogam
filiação à fé reformada, calvinista, levantam obstáculos a esta
doutrina. Barth ensina uma reprovação que depende da rejeição humana da
revelação de Deus em Cristo. Brunner parece ter um conceito mais
bíblico da eleição que Barth, mas rejeita inteiramente a doutrina da
reprovação. Admite que ela se reduz logicamente da doutrina da eleição,
mas adverte contra a direção da lógica humana neste caso, desde que a
doutrina da reprovação não é ensinada na Escritura.3
a. Exposição da doutrina. Pode-se definir a reprovação como
o decreto eterno de Deus pelo qual Ele determinou deixar de aplicar a
um certo número de homens as operações da Sua graça especial, e
puni-los por seus pecados, para a manifestação da Sua justiça. Os seguintes pontos merecem ênfase especial: (1) Há dois elementos na reprovação. Segundo a descrição mais comum na teologia reformada (calvinista), o decreto da reprovação compreende dois elementos, a saber, a predestinação, ou determinação de deixar de lado alguns homens; e a condenação (às vezes chamada pré-condenação) ou determinação de punir os que são deixados de lado – puni-los por seus pecados. Como tal, o decreto incorpora um dúplice propósito: (a) deixar de lado alguns na dádiva da graça regeneradora e salvadora; e (b) destina-los à desonra e à ira de Deus pelos seus pecados. A Confissão Belga só menciona o primeiro propósito, mas os Cânones de Dort mencionam dois. Alguns teólogos reformados gostariam de omiti o segundo elemento do decreto da reprovação. Dabney prefere considerar a condenação dos ímpios como prevista e como intencional resultado da sua preterição, privado, assim, a reprovação do seu caráter positivo; e Dick é de opinião que o decreto para condenar deve ser considerado como um decreto à parte, e não como parte e não como parte integrante do decreto da reprovação. Parece-nos, porém, que não temos base para excluir o segundo elemento do decreto da reprovação, nem para considera-lo
um decreto diferente. O lado positivo da reprovação é ensinado com
tanta clareza na Escritura como o oposto da eleição, que não podemos
considerá-las como algo puramente negativo, Rm 9.21, 22; Jd 4. Contudo,
devemos notar diversos pontos de distinção entre os dois elementos do
decreto da reprovação:
(a)
A predestinação é um ato soberano de Deus, um ato dos Seu puro e
simples beneplácito, em que os deméritos do homem não entram em
consideração, ao passo que a pré-condenação é um ato judicial, que
impõe castigo. Ate os supralapsários se dispõem a admitir que na
condenação o pecado é levado em conta.
(b)
O motivo da predestinação é desconhecido para o homem. O pecado não
pode ser, pois todos os homens são pecadores. Podemos dizer apenas que
Deus passou por alto alguns por sabias e boas razões, suficientes para
Ele. Por outro lado, o motivo da condenação é conhecido: é o pecado.
(c)
A preterição é puramente passiva, um simples deixar de lado, sem
nenhuma ação exercida sobre o homem, mas a condenação é eficiente e
positiva. Os são deixados de lado são condenados por causa do seu
pecado. (2) Devemos, porem, estar vigilantes contra a idéia de que,
como a eleição e a reprovação determinam com certeza absoluta o fim
para qual o homem é predestinado e os meios pelos quais esse fim é
atingido, também implica que, tanto no caso da reprovação como no da
eleição, Deus faz acontecer, por Sua eficiência pessoal e direta, tudo
quanto Ele decretou. Significa que, conquanto se possa dizer que Deus é
o Autor da regeneração, da vocação eficaz, da fé, da justificação e da
santificação dos eleitos e, portanto, mediante Sua ação direta sobre
eles, leva a eleição deles à realização concreta, não se pode dizer que
Ele é também o autor da Queda, da condição iníqua e dos atos
pecaminosos dos reprovados, agindo diretamente sobre eles e, portanto,
sendo o responsável direto por isso tudo, efetuando a concretização da
reprovação deles. Sem duvida nenhuma, o decreto de Deus deu certeza à
entrada do pecado no mundo, mas Ele não predestinou alguns para o
pecado, como predestinou outros para a santidade. E, como o santo Deus
que é, Ele não pode ser o autor do pecado. A posição que Calvino toma
sobre este ponto é claramente indicada nos seguintes pronunciamentos,
que se acham nos Calvin’s Articles on Predestination (Artigos de Calvino sobre a Predestinação):
“Embora
a vontade de Deus seja a suprema e a primeira causa de todas as
coisas, e Deus mantenha o diabo e todos os ímpios sujeitos à Sua
vontade, não obstante, Deus não pode ser denominado causa do pecado,
nem autor do mal, e nem esta exposto a nenhuma culpa”.
“Embora o diabo e os reprovados sejam servos e instrumentos de Deus
para a execução das Suas decisões secretas, não obstante, de maneira
incompreensível, Deus de tal modo age neles e por meio deles que não
contrai nenhuma mancha da perversão deles, porque utiliza a malicia
deles de maneira justa e reta, para um bom fim, apesar de muitas vezes
estar oculta aos nossos olhos essa maneira”.
“Agem com ignorância e calunia os que dizem que, se todas as
coisas sucedem pela vontade e ordenação de Deus, Ele é o autor do
pecado; porque não fazem distinção entre a depravação dos homens e os
desígnios ocultos de Deus”.1 (3)
Deve-se notar que aquilo com que Deus decidiu deixar de lado alguns
homens, não é a Sua graça comum, mas a Sua graça regeneradora, que
transforma pecadores em santos. É um erro pensar que, nesta vida, os
reprovados estão inteiramente destituídos do favor de Deus. Deus não
limita a distribuição dos dons naturais por causa da eleição. Nem sequer
permite que a eleição e a reprovação determinem a medida desses dons.
Muitas vezes os reprovados gozam maior medida das bênçãos naturais da
vida que os eleitos. O que efetivamente distingue estes daqueles é que estes são objeto da graça regeneradora e salvadora de Deus.
b. Prova da doutrina da reprovação. A
doutrina da reprovação decorre naturalmente da lógica da situação. O
decreto da eleição implica inevitavelmente o decreto da reprovação. Se o
Deus de toda a sabedoria, de posse de conhecimento infinito, se propôs
eternamente a salvar alguns, então, ipso facto, também se
propôs eternamente a deixar de salvar outros. Se Ele escolheu ou elegeu
alguns, então, por esse mesmo fato, rejeitou outros. Brunner se
precavém contra este argumento, desde que a Bíblia não diz uma só
palavra com vistas a ensinar uma predestinação divina para a rejeição.
Mas nos parece que a Bíblia não contradiz, antes justifica a lógica em
questão. Visto que a Bíblia é, primordialmente, uma revelação da
redenção, naturalmente não tem tanto que dizer da reprovação como o
tem da eleição. Mas o que ela diz é deveras suficiente, cf. Mt 11.25,
26; Rm 9.13, 17, 18, 21, 22; 11.7; Jd 4; 1 Pe 2.8. 1 Conf.
Belg., Art. XVI; Canons of Dort, I, 15. * Conf. Presb. (Westminster),
III. III, VII. Nota do Tradutor. 2 Inst., III. 23, 7. 3 Our Faith, p. 32, 33 1 Citados por Warfield em Studies in Theology, p. 194.
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