Por Jorge Fernandes Isah
Sabemos que a vida
cristã é, sobretudo, uma vida na qual devotamo-nos a servir, servir a
Deus, à igreja, ao irmão, e ao próximo. O servir está ligado diretamente
à humilhação e sujeição do crente, tanto a Deus, como à igreja, como ao
irmão e ao próximo. Muitos pensam que o servir está limitado a algumas
questões, mas quase sempre não incluímos em seu rol o auxílio ou ajuda
financeira. O ponto em que estudaremos agora parece-me estar diretamente
ligado ao conceito cristão de servir, humilhar-se e sujeitar-se: o
dizimar e o ofertar, o tem toda a relação com submissão e, não somente a
Deus, mas ao próximo também. Porém, antes de entrarmos nessa questão,
vamos caminhar um pouco, do ponto de vista bíblico e histórico, sobre a
questão do dízimo.
1) Primeiramente, o que é o Dízimo? E, o porquê do Dízimo?
Bem, a palavra dízimo,
originária do hebraico "asar", deriva da palavra "dez" e também
significa "ser rico". O princípio básico do dízimo está em se reconhecer
que Deus é o Senhor de todas as coisas, inclusive dos nossos bens,
sejam quais forem as posses, das quais somos mordomos, guardiões e
beneficiários diretos. De forma que, ao dizimar, testemunhamos em
reconhecimento, honra e louvor a Deus, a quem tudo pertence.
Era destinado ao
sustento dos sacerdotes e levitas que tinham uma função religiosa, mas
também social [cuidavam da educação e eram responsáveis pela
distribuição do bens aos necessitados].
2) Onde aparece, pela primeira vez, a prática do Dízimo?
Em Gn 14.20 cf Hb
7.4-10: Abrãao dá a Melquisedeque, sacerdote do Senhor, o dízimo de
todos os bens conquistados em Quedolaomer.
[Penso que uma das
coisas que desagradou a Deus foi o fato da oferta de Caim não ter sido
proporcional aos 10%, no que Abel fez corretamente. Mas isso é uma
inferência, apenas uma especulação, mas que bem pode ser verdadeira].
“Ouvindo, pois, Abrão
que o seu irmão estava preso, armou os seus criados, nascidos em sua
casa, trezentos e dezoito, e os perseguiu até Dã. E dividiu-se contra
eles de noite, ele e os seus criados, e os feriu, e os perseguiu até
Hobá, que fica à esquerda de Damasco. E tornou a trazer todos os seus
bens, e tornou a trazer também a Ló, seu irmão, e os seus bens, e também
as mulheres, e o povo. E o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro (depois
que voltou de ferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele) até
ao Vale de Savé, que é o vale do rei. E Melquisedeque, rei de Salém,
trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E
abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor
dos céus e da terra; E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os
teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo” [Gn 14:14-20].
Abraão deu o dízimo ao
sacerdote em agradecimento a este ou a Deus? Em honra deste ou de Deus?
Claro que Melquisedeque era merecedor de honra, mas, primeiramente,
Abraão o fez como agradecimento e reconhecimento por Deus ter-lhe dado
vitória sobre os seus inimigos e resgatado a Ló e seus bens.
3) O dízimo não era somente dos frutos da terra? Se era, por que temos de dar dinheiro em espécie?
Em Deuteronômio 14:22-29, Deus estabelece a forma de como será recolhido o dízimo:
“Certamente darás os
dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se recolher do
campo. E, perante o SENHOR teu Deus, no lugar que escolher para ali
fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e
do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas;
para que aprendas a temer ao SENHOR teu Deus todos os dias. E quando o
caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estar longe de
ti o lugar que escolher o SENHOR teu Deus para ali pôr o seu nome,
quando o SENHOR teu Deus te tiver abençoado; Então vende-os, e ata o
dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher o SENHOR teu Deus; E
aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por
ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a
tua alma; come-o ali perante o SENHOR teu Deus, e alegra-te, tu e a tua
casa; Porém não desampararás o levita que está dentro das tuas portas;
pois não tem parte nem herança contigo. Ao fim de três anos tirarás
todos os dízimos da tua colheita no mesmo ano, e os recolherás dentro
das tuas portas; Então virá o levita (pois nem parte nem herança tem
contigo), e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, que estão dentro das
tuas portas, e comerão, e fartar-se-ão; para que o SENHOR teu Deus te
abençoe em toda a obra que as tuas mãos fizerem”.
Um dos argumentos mais
usuais, atualmente, de que o dízimo foi prescrito para a igreja, é
afirmar que ele era recolhido apenas na forma de grãos, carne, leite e
outros frutos da terra. Acima, temos que a prática de vender o que se
havia produzido e entregá-lo ao lugar escolhido por Deus [um local
distante que impossibilitasse o transporte de gado e dos frutos da
terra, p. ex.] na forma de dinheiro, foi estabelecido na própria
palavra. Então, a bobagem de que você deve dar o dízimo na forma de
frutos ou gado não é verdade. Pois, qual de nós vive da terra? Qual de
nós planta e vive apenas daquilo que se planta? Ou cria-se gado e
subsiste-se apenas dessa fonte? Ninguém! Por que? Não vivemos em uma
sociedade rural, como os judeus viviam no período veterotestamentário. A
sociedade israelense era basicamente rural. Mesmo nas cidades, havia a
prática de se trocar um produto pelo outro: trigo por carne, azeite por
roupas, etc. Quase tudo era produzido artesanalmente e, por isso os
produtos eram a moeda corrente da época. No contexto geral, se tirava a
décima parte de tudo e entregava-a, anualmente, no Templo.
Hoje, como a maior parte
dos produtos são industrializados e produzidos em larga escala, o
dinheiro é a melhor forma utilizada para se vender ou adquirir algo; o
sistema de trocas não é funcional, por vários motivos [a distância, por
exemplo]. Vivemos em uma sociedade cosmopolita, e todos nós trabalhamos e
recebemos em dinheiro, por isso, aventar a hipótese de que teremos de
pegar esse dinheiro, ir a um supermercado ou armazém, comprar abóboras,
trigo e toucinho para levar à igreja, é simplesmente estúpida. Agora, se
alguém vive exclusivamente da terra, sem negociar, comprar ou vender,
se ela produz tudo o que precisa para viver, roupas, alimento, etc,
produzindo para si própria, sem utilizar-se do comércio para manter suas
necessidades, ela pode pegar parte do que ela produz e entregar como
forma de dízimo. Acontece que ninguém vive assim; nós não produzimos o
calçado que usamos, nem as roupas que vestimos, nem mesmo o arroz e a
carne que comemos, tudo o que dispomos para a nossa subsistência, para
suprir as necessidades, e, até mesmo para o nosso conforto, origina-se
do dinheiro que ganhamos e desembolsamos para custear esse dispêndio. A
própria obrigatoriedade de se pagar os impostos [sem os quais o
ruralista perderá a sua terra e os seus bens] implica na necessidade de
comercialização, venda de produtos e o recebimento respectivo do seu
valor em espécie.
A Escritura, então,
encarrega-se, em sua sabedoria, de destruir esse falso argumento,
malignamente colocado como prática bíblica.
4) O verso mais famoso sobre o dízimo é Ml 3.8-11. Mas ele fala apenas do dízimo?
“Roubará o homem a
Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e
nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais,
sim, toda esta nação. Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para
que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto,
diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não
derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente
para a recolherdes. E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele
não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no campo não será
estéril, diz o SENHOR dos Exércitos”.
Não! Fala também de
ofertas. Ou seja, fala que o servo de Deus deve dizimar e ofertar. Não é
uma questão de escolha entre um e outro; ou uma questão terminológica,
de que um substitui o outro como sinônimos ou aplicados em épocas
diferentes, sendo pactos diferentes, dispensações diferentes ou alianças
diferentes, mas uma questão de reconhecer a ambas. A Bíblia trata das
duas formas, onde elas não se excluem. As ofertas não são um conceito
neotestamentário, mas verotestamentário. Elas não surgiram como
substitutas do dízimo na nova aliança, implicando na extinção daquele,
mas ambos caminham lado a lado, dentro daquele padrão de sujeição,
louvor e glória a Deus por tudo o que ele é, mas também nos dá.
5) A ideia da extinção do dízimo não remete a uma descontinuidade entre o AT e o NT?
Não há descontinuidade
do AT e NT [a Bíblia é um livro só, não dá para dizer que a Igreja deve
seguir apenas o NT, pois o que está revelado no AT apenas se faz mais
claro no NT. Se dizemos que apenas o NT é a revelação, desprezamos o
próprio Deus que se revelou primeiramente no AT. Para mim, a melhor
forma de interpretação, se um princípio válido no AT prevalece no NT, é a
sua expressa anulação ou renúncia; caso contrário, o princípio subsiste
e não foi revogado.
Então, penso que o
dízimo, ao não ser abolido expressamente no NT, é atual. Por exemplo, a
circuncisão estabelecida por Deus em Gn 17.23-27 [logo, antes da Lei
Mosaica] é combatida veementemente por Paulo em várias passagens, em
suas epístolas. Temos então uma grande diferença, pois, enquanto a
circuncisão é combatida e mesmo proibida, como algo ineficiente, já que
Deus fez de judeus e gentios um só povo [e o próprio Paulo diz que judeu
não é todo o que é de Israel, os circuncidado na carne, mas os da
descendência de Isaque, os circuncidados no coração - Rm 9.6-7].
Como não há nenhum
versículo no NT que expressamente abrogue o dízimo, e este me parece o
melhor método para interpretar as Escrituras, de que aquilo que não foi
explicitamente anulado no texto continua prevalecendo, ele conserva-se
intacto como revelação e prática para toda a igreja.
6) Por que Jesus, Paulo e os demais apóstolos não falaram ou confirmaram o princípio do dízimo e sim das ofertas?
Penso que o princípio do
dízimo não oferecia problemas de entendimento para a igreja. Ele era
claramente delineado em sua forma e essência, além de ser de
conhecimento geral. Já as ofertas não são claramente especificadas no
AT. Talvez, por isso, especialmente Paulo se preocupou em dar contornos
objetivos ao ato de ofertar, e não se deteve nos dízimos que eram
praticados de maneira corrente e sem dubiedade.
Veja bem, não temos aqui
uma nova regra, que impõe à igreja a oferta e exclui o dízimo. A
questão é muito mais de foco, de ajustar e colocar em seu devido lugar
aquilo que não está claro e pode ser incluído entre as “sombras” que se
dissipam diante da luz. O ensino à igreja é de que as ofertas são tão
importantes quanto ao dízimo. Mas alguém, dirá: “isso é colocar um fardo
ainda maior sobre os nossos ombros!”. Bem, o Senhor nos diz que não nos
será dado carregar o que não podemos suportar. E se entendemos que o
dízimo e ofertas é um fardo, não o fazemos segundo o princípio
estabelecido por Paulo, de tê-lo como medida do amor e de nossa
prosperidade.
No Sermão do Monte, o
Senhor Jesus eleva a um nível ainda mais superior os princípios
estabelecidos na Lei, de forma que a nossa incapacidade de cumpri-la se
torna mais patente e evidente. Então, não basta matar, mas até mesmo o
odiar é pecado. Não basta adulterar, mas cobiçar na mente a mulher
alheia é pecado. Parece que a Escritura também estabelece um nível
superior ao cristão? No sentido de dizimar e ofertar? Não. Creio que a
prática de ofertas era negligenciado entre os judeus, e o que temos é a
sua afirmação, assim como descrito no AT, como prática para todos os
santos em todos os tempos.
Se atentarmos para toda a
Escritura e não apenas em algumas de suas partes, veremos que a
exigência da igreja se torna ainda maior do que aquela aplicada à nação
de Israel. Somos chamados, após a doutrina da oferta ser explicada em
seus pormenores, a não somente dizimar, mas a também ofertar, como prova
do amor e da gratidão que devemos a Deus. Muitos se especializaram em
distorcer o ensino bíblico e afirmar que a nova aliança ou o pacto da
graça [e não vou entrar no mérito da questão, mas deixar claro que não
há um pacto de obras, pois a salvação é somente pela graça de Deus,
através da obra salvadora e redentora do Senhor Jesus, tanto no AT,
desde Adão, como no NT, e até hoje] aboliu qualquer exigência em relação
ao dízimo, e muitos chegam ao extremo de dizer que nem mesmo as ofertas
fazem parte do novo acordo pactual. Chega-se mesmo a dizer que a obra
de Deus deve ser custeada com o suor de uns poucos, no sentido de que
devem se conformar em trabalhar sem qualquer expectativa de retorno
financeiro, fazendo-o por abnegação e sacrifício, inclusive, se
necessário, com a privação de refeições e um teto para morar. Afinal,
Cristo disse que não tinha onde inclinar a cabeça, e qualquer um que se
"aventure" ao trabalho pastoral ou missionário deve se convencer de que
também está no mesmo nível. Acontece que essa é uma inverdade, pois como
vimos no estudo sobre o sustento pastoral, há uma advertência direta
para que a igreja sustente aqueles que laboram na palavra e no
evangelismo. O mais interessante é perceber que os defensores desse
argumento demoníaco não se dispõem a doar, nem a abrir mão do seu
conforto e se integrar ao rol daqueles que devem viver apenas da fé, na
esperança de que o Senhor mande cair do céu o maná e as codornizes que
os alimentarão. Na verdade, eles defendem um discurso que nada tem de
bíblico, e de prático, pois não se dispuseram a experimentá-lo a fim de
que ficasse comprovada a sua eficácia.
Não podemos nos esquecer
também de que, na igreja primitiva, vendia-se tudo e depositava o total
do valor aos pés dos apóstolos; e de que todos tinham tudo em comum [At
2.42-47; 3.32-37].
E é aqui, neste exato
ponto, que voltarei à introdução sobre este assunto. Não seria essa
atitude, a dos primeiros cristãos, um caso de sujeição, de se humilhar,
preferindo-se ao outro ao invés de si mesmo? Para que serviram aquelas
ofertas, que representavam o todo do que os nossos irmãos tinham? Para o
sustento dos necessitados. Para o sustento da igreja. Para que os
apóstolos e discípulos pudessem espalhar a mensagem do Evangelho, o
"ide!" ordenado pelo Senhor. Isso não é sujeição, em amor? Isso não é
preferir o outro ao invés de si mesmo? E, também, confiar na providência
divina? O que você pensa a respeito? O que tem a dizer sobre o assunto?
Lembremo-nos daquela
senhora que, no templo, deu tudo o que tinha, duas moedas. Ela
simplesmente não tirou duas moedas de muitas, mas colocou ali todo o seu
sustento. Enquanto os outros deram do que lhes sobravam [mesmo sendo
muito dinheiro], ela abriu mão de tudo o que tinha [Mc 12:41-44].
E de Zaqueu, que deu metade dos seus bens aos pobres [Lc 19:1-10].
Pense nisto...