![](http://3.bp.blogspot.com/_T9Ev6D2alXk/TGFZfFYTH0I/AAAAAAAABdY/TLHFf1KMTOs/s400/Evangelico.jpg)
Por Michael Horton
Os
rótulos geralmente são confusos, especialmente quando o conteúdo da
embalagem muda. Suco de uva pode virar vinagre com o passar dos anos na
adega, porém o rótulo não muda junto com as mudanças na substância. O
mesmo vale para o termo evangélico".
Desde
o "Ano do Evangélico", correspondente ao bicentenário de nossa nação
(no caso os EUA) em 1976, o termo - pelo menos na América do Norte -
veio a identificar aqueles que salientam um determinada marca da
política, uma abordagem moralista e freqüentemente legalista da vida, e
certo tipo de imitação, "cafona" de estilo de evangelismo. Para
alguns o termo compreende o emocionalismo que eles vêem na televisão
religiosa. Para outros, hipocrisia e justiça própria. E aí há as
memórias que muitos de nós, que fomos criados como evangélicos, temos:
ambientes familiares fortes e cuidadosos; um senso de pertencer a um
mesmo lugar, com os amigos que gostam de conversar das "coisas do
Senhor".
Independente do seu passado, é importante entender o significado do termo "evangélico".
As
pessoas só começaram a usar o rótulo no século XVI, designando
aqueles que abraçaram o Evangelho que havia - num sentido bem real -
sido recuperado pela Reforma Protestante naquele século. "Evangélico"
vem de "evangel", que é o termo grego para "evangelho". Deste modo, os
"evangélicos" eram luteranos e calvinistas que queriam recuperar o
evangel e proclamá-lo dos altos dos telhados. Era uma designação
empregada para colocar os Protestantes num agudo contraste com os
Católicos Romanos e "seitas". Mas para entender por que estes
Protestantes pensavam que eram realmente aqueles que recuperaram o
verdadeiro e bíblico Evangelho, temos que entender o que era aquele
evangelho.
O "Evangel"
O "Evangel"
A
Reforma era uma coleção de "solas" - esta é a palavra latina para
"somente". Eles vibravam ao dizer "Sola Scriptura!", significando,
"Somente as Escrituras". A Bíblia era a "única regra para fé e prática"
(Westminster) para os reformadores. Você vê que a igreja acreditava
que a Bíblia era totalmente inspirada e infalível, mas a igreja era o
único intérprete infalível da Bíblia. Os Reformadores acreditavam que a
Tradição era importante e que os Cristãos não a deveriam interpretar
por eles mesmos, mas que todos os cristãos sejam clérigos ou leigos,
deveriam chegar a um comum entendimento e interpretação das Escrituras
juntos. A Bíblia não deveria ser exclusivamente deixada aos
"espertos", mas isso nunca significou para os Reformadores que cada
cristão deveria presumir que ele ou ela pudessem chegar a
interpretações da Bíblia sem a orientação e assistência da Igreja.
O
principal ponto de "Sola Scriptura" então, era este: Não deveria ser
permitido à Igreja fazer regras ou doutrinas fora das Escrituras. Não
existem novas revelações, nem papas que ouvem diretamente a voz de
Deus, e nada que a Bíblia não apresente deveria ser ordenado aos
cristãos.
O
segundo "sola" era "Solo Christus", "Somente Cristo". Isto não queria
dizer que os Reformadores não criam na Trindade - pois o Pai e o
Espírito Santo eram igualmente divinos, mas que Cristo, sendo o
"Deus-Homem" e nosso único Mediador, é o "Homem de frente" para a
Trindade. "Aquele que me vê a Mim, vê ao Pai que me enviou", disse
Jesus. Num tempo em que meros seres humanos estão tomando o lugar de
Cristo como Mediador entre Deus e cristãos, os reformadores proclamaram
juntamente com Paulo: "Há somente um Deus e um Mediador entre Deus e
os homens, Jesus Cristo, homem" (1 Tim. 2: 5). Eu cresci em igrejas
onde tínhamos "apelos ao altar" e esta pode ser a coisa mais próxima
que nós cristãos modernos temos do "chamado ao altar" medieval, a
missa. Em nossas igrejas, o pastor atuaria como mediador, vendo nossa
mão levantada "enquanto cada cabeça está baixa e cada olho fechado", e
nós iríamos para a frente onde ele estava, o chamado "altar" e
repetiríamos uma oração após ele. Então ele afirmaria que, tendo
"feito a oração", nós agora estaríamos salvos. Eu me lembro de ter
sido "salvo" novamente, e novamente. Quando me senti culpado após uma
particular e desagradável noite de sábado, lá ia eu novamente ao
altar. Cristãos medievais estavam sempre apavorados até a morte, por
ver que poderiam morrer com pecados não confessados e assim iriam para
o inferno. Assim, a missa era uma oportunidade de "estar em dia com
Deus" e de "encher a banheira" que tinha tido um vazamento por causa
do pecado.
Os
reformadores, porém, diriam àqueles dentre nós que vivem ansiosos
quanto ao fato de estar ou não dentro do favor de Deus, ou se estamos
cedendo demais ou obtendo vitória: "Somente Cristo!" É a Sua vida e não
a nossa, que conta para a nossa salvação; foi a Sua morte sacrificial
e ressurreição vitoriosa que nos assegurou vida eterna. Porque Ele
"entregou tudo"; o Seu mérito cobre totalmente o nosso demérito.
E
isso nos traz ao próximo "sola" - "Sola Gracia" (Somente a Graça!)
Roma acreditava na graça; de fato, a Igreja insistia que, sem a graça,
ninguém poderia ser salvo. Só que a graça era o tipo de "um pó
mágico" que ajudava a pessoa a viver uma vida melhor - com a ajuda de
Deus. Os reformadores, em contrapartida, diziam que a graça não é uma
substância que Deus nos dá para vivermos uma vida melhor, mas sim uma
atitude em relação a nós, aceitando-nos como justos por causa da
santidade de Cristo, e não nossa.
Por
isso eles lançaram o quarto "somente" (sola), que sabemos ser "Sola
Fide" (somente a fé). Considerando que somos salvos somente pela graça,
como obtemos essa graça? Roma argumentava que essa graça era
distribuída pela igreja através dos vários métodos que os "altos
escalões" haviam inventado. Fé mais amor, ou fé mais boas obras, ou
alguma coisa assim, tornou-se a fórmula para a salvação. Os
reformadores ao contrário, insistiam que do início ao fim, "salvação é
obra do Senhor" (João 2: 9). "O Espírito dá vida; o homem em nada
colabora" (João 6: 55). "Não depende da decisão, nem do esforço do
homem, mas da misericórdia de Deus" (Rom 9: 16). Assim a fé em si mesma
é um dom da graça de Deus e não se pode dizer dela que seja "a coisa"
que nós fazemos na salvação: Pois nós não somos nascidos da vontade
da carne ou da vontade do homem, mas de Deus" ( João 1: 13).
No
minuto em que uma pessoa olha para "Cristo somente" para sua
salvação, dependendo da Sua vida santa e sacrifício substitutivo na
cruz, naquele exato momento ela ou ele é justificado (posto em posição
de justiça, declarado justo, santo, perfeito). A própria santidade de
Cristo é imputada (creditada) na conta do crente, como se ele ou ela
tivessem vivido uma vida perfeita de obediência - mesmo enquanto
aquela pessoa continua a cair repetidamente no pecado durante sua
vida. O Cristão não é alguém que está olhando no espelho espiritual,
medindo a proximidade de Deus pela experiência e progresso na
santidade, mas é antes alguém que está "olhando para Cristo, o Autor e
Consumador da nossa fé"( Heb. 12: 2). Resumindo, é o estilo de vida
de Cristo, não o nosso, que atinge os requisitos de Deus, e é por Ele
que a justiça pode ser transferida para nossa conta, pela fé (olhando
somente para Cristo).
Finalmente,
os reformadores disseram que tudo isso significa que Deus é quem tem
todo o crédito. "Soli Deo Gloria" (Somente a Deus seja a Glória) era a
forma que eles colocavam - nosso último "sola", que quer dizer, "A
Deus somente seja a Glória" Um evangélico, portanto, era centrado em
Deus; alguém que estava convencido de que Deus havia feito tudo e que
não restava nada que o homem considerasse seu a não ser seu próprio
pecado. Isto não apenas transformou radicalmente a vida devocional dos
crentes que o abraçaram, mas toda a estrutura social também.
Numa
velha taverna do século XVII em Heidelberg, na Alemanha, lê-se no
alto "Soli Deo Gloria!" Johann Sebastian Bach, o famoso compositor,
assinou todas as suas composições com aquele slogan da Reforma. Do
mesmo modo, um outro compositor, Handel, declarou, "Que privilégio é
ser membro da igreja evangélica, saber que meus pecados estão
perdoados. Se nós fossemos deixados à mercê de nós mesmos, meu Deus, o
que seria de nós?" Grandes e nobres vidas requerem grandes e nobres
pensamentos, e a soberania e a graça de Deus são, para o crente,
grandes e nobres pensamentos. Os reformadores disseram a Roma o que
J.B.Philipps, o tradutor inglês da Bíblia, disse à igreja
contemporânea: "O Deus de vocês é muito pequeno".
A
Reforma, a qual produziu o termo "evangélico", também recuperou a
doutrina bíblica do "sacerdócio universal de todos os santos" e a noção
bíblica do chamado e vocação. A igreja tinha dividido os cristãos em
primeira classe (aqueles que serviriam no "ministério cristão em tempo
integral") e segunda classe (aqueles que estavam empregados em
serviços "seculares"). Os reformadores concediam, por direito, que
todos os cristãos são sacerdotes e são, por isso, ministros de Deus,
independente de estarem varrendo uma sala para a glória de Deus,
moldando uma peça de cerâmica, defendendo um cliente na corte, curando
um paciente, ordenhando uma vaca, ou conduzindo uma congregação no
louvor. Não há o "secular" e o "sagrado" - Deus criou o mundo inteiro e
fez a vida neste mundo como algo inseparável de nossa própria
humanidade.
Como nós ajustamos as coisas hoje?
A questão, é claro, é se "evangélico" hoje significa o que significou há quinhentos anos.
Em primeiro lugar,
muitos dos evangélicos de hoje têm uma visão das Escrituras inferior à
que a igreja de Roma tinha no século XVI. Instituições evangélicas de
peso duvidam da confiabilidade da Bíblia e de sua infalibilidade - a
menos, claro, que se trate daquilo que eles já decidiram que é
verdade. Outros acreditam que a Bíblia é inerrante, porém acrescentam
novas regras e revelações ao cânon. "A Bíblia é suficiente", nos
aconselhariam os reformadores. Os sermões, com muita freqüência, são
"pop-inspiracionalistas" discursos superficiais de "Como criar filhos
positivos" ou "Como ter uma auto-estima" em detrimento de sérias
exposições das Escrituras. De acordo com o Gallup, "Os EUA são um país
de iletrados bíblicos", ainda que 60 milhões deles se consideram
"evangélicos".
Em segundo lugar,
muitos evangélicos modernos também não acreditam que Cristo é
suficiente. Às vezes pessoas muito boas e nobres substituem Cristo
como nosso único Mediador, assim como o Espírito Santo. Enquanto
louvamos o Espírito juntamente com o Pai e o Filho, o Filho tem este
papel único de nosso único advogado e Mediador. Não devemos olhar para a
obra do Espírito nos nossos corações, mas para a obra de cristo na
cruz. Às vezes, nós temos mediadores humanos que não são o Deus-Homem
Jesus Cristo. Precisamos de outras coisas pelo meio, como a figura do
pastor no "apelo" do altar ao qual me referi anteriormente. Não muito
tempo atrás eu vi um tele-evangelista de sucesso tirando o fone do
gancho e informando seus telespectadores que "esta é sua conexão com
Deus". Uma banda secular, "Depeche Mode", canta sobre "Seu próprio
Jesus Pessoal" que pode ser contactado ao se pegar no fone e fazendo
sua confissão. Enquanto estivermos neste assunto, também deveríamos
mencionar que foi a venda de indulgências de John Tetzel (redução do
período no purgatório em troca de valores em dinheiro) que inspirou as
"Noventa e Cinco Teses "de Lutero, desencadeando a Reforma. "Quando a
moeda bate no cofre", o coro cantava, "uma alma do purgatório é
vivificada". Será que isso realmente é diferente da venda da salvação
que temos visto na televisão cristã, rádio, e mesmo em muitas igrejas?
Dinheiro e salvação têm sido distorcidos para serem uma coisa só no
meio de muitos de nós. "Eles vendem salvação a você", canta Ray
Stevens, "enquanto eles cantam 'Amazing Grace' ('Graça Maravilhosa')".
Muitos
evangélicos hoje crêem que "Somente a Graça" (sola gracia) é algo
como livre-arbítrio, uma decisão, uma oração, uma ida até a frente,
uma segunda bênção, algo que nós façamos por Deus que nos dará
confiança de sermos alvo do Seu favor. Doutrinas como eleição,
justificação e regeneração são discutidas quase que nunca, porque elas
mostram o quadro de uma humanidade que é incapaz e nem ao menos pode
cooperar com Deus em matéria de salvação. Se nós formos salvos é Deus e
Deus somente que deverá faze-lo.
E
sobre "Somente a Fé" (sola fide)? Muitos evangélicos acham que a fé
não é suficiente. Se um indivíduo crê em Cristo e daí sai e o anuncia,
será que a fé é suficiente? Alguns insistem que a fé mais a entrega,
ou a fé mais a obediência, ou fé mais um sincero desejo de servir ao
Senhor servirão como uma fórmula. O fato de que os evangélicos hoje
lutam com estas questões indica que nós não ouvimos o "som seguro" de
"Somente a Fé" em nossas igrejas. Fé é suficiente porque Cristo é
suficiente.
Como
se comparariam os evangélicos de hoje com os seus predecessores em
matéria de "Somente a Deus seja a Glória"? Auto-estima, glória-própria,
centralidade do "eu" parecem dominar a pregação, ensino e a
literatura popular do mundo evangélico. Os evangélicos de hoje sabem
muito pouco do grande Deus dos reformadores - um Deus que faz tudo
conforme o Seu agrado, em relação aos céus e às pessoas sobre a terra e
"que faz tudo conforme o conselho da Sua vontade" (Dn. 4; Ef. 1: 11).
Os evangélicos hoje, refletindo sua cultura e sociedade mais ampla,
estão intimidados por um Deus que é Deus. Porém que outro Deus é digno
de confiança? Em poucas palavras, que outro Deus existe? Louvar ao
Deus de uma experiência pessoal ou o Deus de preferência pessoal é
louvar um ídolo. Os reformadores levaram isso a sério, e aqueles que
quiserem ser evangélicos genuínos também devem faze-lo.
Conclusão
Conclusão
Muitas
pessoas se perguntam por que o povo da "Reforma" parece bravo.
Ninguém quer estar ao redor de pessoas bravas - e eu não gostaria de
ser conhecido como uma pessoa "brava". Mas precisamos encarar o fato
de que estes são tempos de grande infidelidade para o povo de Deus. A
nós foi dada uma fé rica, com Cristo no centro. Porém trocamos nossa
rica dieta por um saco de pipocas e estamos mal nutridos. Se os
evangélicos terão a mesma saúde espiritual que tiveram em épocas
passadas, eles terão que voltar para as verdades que fazem de
"evangélicos" "evangélicos". A Bíblia - nosso único fundamento; Cristo
- nossa única esperança; Graça - nosso único evangelho; Fé - nosso
único instrumento; a Glória de Deus - nosso único alvo; o Sacerdócio
de todos os santos - nosso único ministério. Este evangelicalismo
original ainda é suficiente para fazer, mesmo de nossas menores
vitórias, algo muito grande.