Por Cleusa de S. Klein
Eu já participei de igreja cujo rol de membros ultrapassava os dois mil. Em outras tão pequenas que não chegava a trinta, onde a maioria pertencia à mesma família. Grande diferença. Cada irmão é conhecido e chamado pelo nome. E o abraço então, aconchegante, amistoso e caloroso. Enquanto isso nas igrejas agigantadas, equipes trabalham por turno e a maioria dos membros mal se conhece. O contato é superficial, pessoas viram números e o velho e essencial acolhimento que começaria “dentro de casa” acaba se perdendo em meio a outras novidades. A preocupação é atender e impressionar bem aos que vem de fora. Enquanto isso, no interior dos grupos, quanta gente sofrendo de solidão... Minguando afetivamente!
Tenho grande preocupação em avaliar como tem sido a nossa relação com demais pessoas de dentro da família de Cristo, no cotidiano e no institucional. Conseguimos perceber o olhar mais triste nesse ou naquele dia? Quando estes (as) desaparecem por algum tempo, o nosso primeiro pensamento é de censura ou preocupação? Passa pela nossa cabeça que possam estar atravessando uma fase difícil e, em caso afirmativo, nos mobilizamos para ampará-los? Aos que retornam após um período de ausência, a manifestação tem sido de acolhimento e alegria ou de cobrança?
Ah, as tais cobranças... Das piadinhas sarcásticas e olhares enviesados ao dedo em riste, vale tudo para manter o “bom andamento das atividades, em nome de Jesus”... Porém, vale a pena pensar se tem sido oferecido afeto, compreensão e solidariedade de acordo o que se cobra.
Muitas denominações se deixam favorecer por regras e dogmas que inibem a espontaneidade e a afetividade entre os trabalhadores da Seara de Cristo. Diversos grupos acabam resvalando para o extremismo. Antes, durante e depois das reuniões ignora-se que onde não há espaço para diálogo e autenticidade não pode haver uma relação saudável e verdadeira. Assim, vestindo a armadura do formalismo que afasta - em lugar da naturalidade que aproxima - temos nos tornado indiferentes. Sem perceber que estamos uns com os outros e não apenas passando uns pelos outros.
A preocupação em ser impecável sobrepõe-se então ao importar-se com. É que andamos muito ocupados em ser perfeitos. Ser perfeito como nosso Pai que está nos céus está longe da pretensa santidade que ainda estamos longe de possuir... Quanta ilusão! Louvo a Deus pela sua indizível graça e misericórdia por nós pecadores, adotados por ele, salvos por Jesus, nosso grande mediador.
Acontece de um irmão procurar ajuda, lá vem o julgamento implacável implícito na “velha e decorada receitinha”: Oração e vigilância... Com direito, é claro, a sorrisinho paternalista e tapinha nas costas. Dali cada qual pro seu lado e a cômoda sensação de dever cumprido, sem que tenhamos, entretanto, caminhado um milímetro sequer em direção às reais necessidades do outro. Sem contar que, numa quase ditadura como critério de “promoção” a trabalhador cristão, raros são os que têm coragem de expor suas dificuldades, por mais que estejam passando o pão que o diabo amassou. Afinal, um cristão não pode estar sujeito aos problemas existenciais inerentes aos “mortais”, como stress, depressão, frustração amorosa ou qualquer outro tipo de sentimentos. Daí o receio de se abrir, pois mostrar alguma fragilidade pode significar perda de credibilidade nas bênçãos de Deus, estar em pecado e até mesmo falta de conversão. Outras vezes pode render o estigma indigesto de endemoninhado.
Some-se a tudo isso o fato que, embora se dizendo crentes em Jesus, a maioria das igrejas tem vivido na prática como bons materialistas.
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Interagindo numa sociedade altamente competitiva, tem sido sutilmente seduzidos pelo supérfluo, em detrimento do essencial. As palavras de Jesus nos induz a buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça, objetivo primordial da vida do cristão. O sucesso profissional, social e financeiro, que inclui produzir, consumir (desde títulos acadêmicos e profissionais a bens materiais) nos seriam acrescentados. Mas ser “bem sucedido” dá muito trabalho. Os inúmeros cursos, viagens e horas extras à noite, fins de semana e feriados, somados à necessidade exacerbada de ter, tomam-nos muito tempo. Então os compromissos com o reino deixam de ser prioridade. Vão sendo adiados ou passados para terceiros pela metade, encaixados nas sobras de tempo que restam de tudo o que é material e “urgente.” Passa-se a ser membro do corpo quando dá... Só pra bater o ponto... E de preferência sem hora marcada. Nem bem acabou o “amém” as pessoas já saem apressadas para “levar ou buscar Fulana e Beltrano não sei onde”... Ou para compromissos que poderiam tranquilamente ser agendados em outra data.
Sabemos que quanto mais superficial a convivência, mais frieza nas relações. Passamos então a nos esbarrar não como irmãos, mas como meros colegas, como num circulo de relações à parte, onde dificilmente há lugar para os companheiros de ideal.
Dentro do preciosismo doutrinário e do igrejismo teremos perdido a sensibilidade, o prazer de estarmos juntos, os laços de amizade que extrapolavam os muros da igreja? Em que lugar do tempo foi parar as gostosas confraternizações, os agradáveis bate-papos após as atividades... A amizade parceira e edificante, o olhar atento que detectava quando esse ou aquele amigo não estava bem. Onde foi que perdemos o interesse verdadeiro pelo bem-estar uns dos outros?... Talvez seja mais fácil culpar alguém. Isso faz parte de nossa síndrome Adâmica. Precisamos responder honestamente a essas perguntas, mas uma coisa é inegável: Coragem é questão de fé, e tempo é questão de organização e prioridade.
Trazemos as pessoas para nossa congregação e por fim as deixamos abandonadas nos bancos de nossas igrejas. E são tantos os irmãos que reclamam atenção especial... Amigos e companheiros solitários para os quais os fins de semana são intermináveis e que, se acolhidos, com certeza se sentiriam muito melhor!... Companheiros em processos de reabilitação, a recomeçar em difíceis períodos de crise existencial, para os quais faria toda a diferença uma conversa amorosa, a presença amiga naquele momento ou a visita surpresa de aniversário. Celebrar gente é trabalhar a autoestima individual e coletiva. Quando as pessoas se sentem valorizadas, quando são envolvidas em ambiente de carinho, alegria e leveza, todo o grupo se torna mais harmônico, feliz e produtivo.
Eu me pergunto: Os tempos mudaram tanto assim... Ou as pessoas fizeram questão de mudar? “Amai-vos uns aos outros como a ti mesmo” A construção da frase sinaliza, clara e pedagogicamente, para a ação prioritária. Já temos teoria de sobra. Precisamos urgentemente aplicá-la no cotidiano das relações. É avaliar com honestidade até que ponto ser impecável, indispensável e PHD, tem sido mais importante do que ser irmão.
Repensemos. Continuar a brincar de ser cristão alimentando a distância entre o discurso e a pratica, é um enorme desserviço ao nosso próprio crescimento e felicidade. A Bíblia tem nos alertado sobre atos farisaicos... Para nossa sorte, em casos de pobreza e vulnerabilidade espiritual a Misericórdia Divina nunca nega o perdão e o abrigo quando é suplicado.
Em João 15: 14 lemos que: “Sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando”. Neste momento é imperioso resgatar a nossa identidade de seguidores sinceros de Jesus, buscando interagir com sinceridade e companheirismo. Como distribuir aos que chegam o afeto, o aconchego e a tolerância quando não conseguimos construir entre nós, irmãos em Cristo Jesus?
No Amor de Cristo
Cleusa de S. Klein