Michel Alecrim, na IstoÉ
Preso desde maio em uma cela isolada do
presídio de Bangu 9, no subúrbio do Rio de Janeiro, o pastor Marcos
Pereira, 56 anos, continua falando para multidões. Com sua pregação
exaltada, segue angariando convertidos na cadeia. Ergue as mãos para
fora das grades e, em voz alta, comanda a reza, que é acompanhada por
detentos em celas próximas. Pereira não usufrui do banho de sol junto
dos outros presos porque se recusa a tirar a camisa, alegando motivos
religiosos. Está mais magro e perdeu um dos dentes da frente. “Ele vai
ser absolvido. Ofereceram dinheiro para as supostas vítimas”, diz Luiz
Carlos da Silva Neto, advogado do pastor.
O pastor Marcos Pereira, fundador e
líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias (Adud), é acusado de uma
série de crimes, como associação ao tráfico e lavagem de dinheiro.
Suspeito de ter praticado mais de 20 estupros contra mulheres, foi
denunciado à polícia por oito delas, mas apenas dois dos casos viraram
processos. Quatro prescreveram e outros dois ainda estão sendo
investigados. Agora, surge uma nova acusação: uma testemunha disse à
polícia que viu o assassinato da fiel Adelaide Nogueira dos Santos, 25
anos, em 2006, na Baixada Fluminense, e aponta Pereira como mandante.
Adelaide foi estrangulada porque estaria preparando um dossiê contra o
pastor. A testemunha acaba de pedir proteção policial. Ela reconheceu às
autoridades que na época evitou apontá-lo como responsável por medo.
Mas agora decidiu contar tudo o que sabe e responsabiliza Pereira pelo
crime. Segundo a testemunha, que pede anonimato, “Adelaide citou orgias”
e disse que Pereira “recebia de traficantes para fazer cultos”. A mãe
da vítima, Amélia Pinheiro Batista, 65 anos, confirma as acusações e
contou que foi vigiada por seguidores da igreja. Ela desconfia de um
homem que bateu em sua porta pedindo comida, “mas esticou o pescoço”
para olhar dentro de casa. “Era uma ameaça, tenho certeza.”
Amélia não é a única a se sentir
ameaçada pelos fiéis seguidores do pastor Pereira. ISTOÉ entrevistou
duas mulheres que dizem ter sido estupradas pelo pastor. Elas pediram
para não ser identificadas. Uma sofreu represália após um depoimento:
disse que um grupo tentou arrombar a porta de sua casa e foi impedido
por vizinhos. Todos da família se mudaram para casa de parentes. “Pensei
em entrar para o Programa de Proteção à Testemunha, mas desisti por
causa das crianças, que seriam obrigadas a mudar de escola. Todo dia eu
penso: ‘Hoje eu não morri, graças a Deus’”, conta. A outra testemunha,
também sob anonimato, diz, igualmente, viver com medo. “Estava numa loja
e um homem da igreja chegou perto do caixa e começou a armar uma
confusão. Era para me intimidar”, afirma. Pereira foi acusado, junto com
dois integrantes da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, Lúcio Oliveira
Câmara Filho e Daniel Candeias da Silva, de coação a testemunhas. Mas,
devido a erros de procedimento do Ministério Público, esse processo foi
suspenso e aguarda, agora, o procurador-geral de Justiça do Estado,
Marfan Vieira, encaminhar de novo a denúncia à Justiça. “Com todas as
vítimas, o pastor usava de seu poder como líder religioso e fazia
ameaças, caso elas viessem a acusá-lo”, diz a promotora Luciana Barbosa
Delgado, que atua num dos processos. “Por esse motivo, não me surpreende
que muitas desistam de testemunhar.”
TRAJETÓRIA
O pastor, que ficou famoso por converter bandidos, foi preso em maio.
Abaixo, a sede da igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias, no Rio
Nas
contas do Ministério Público e do delegado titular da Delegacia de
Combate às Drogas (Dcod), Márcio Dubugras, que comanda a maioria das
investigações a respeito de Pereira, há dezenas de mulheres que teriam
sido vítimas de abusos sexuais pelo pastor, algumas identificadas pelo
primeiro nome ou por um apelido, mas que até hoje não depuseram. Uma
peça-chave desapareceu: é a ex-mulher de Pereira Ana Madureira da Silva,
cuja família ignora seu paradeiro. Depois de declarar em depoimento a
autoridades policiais e à Justiça que fora estuprada pelo pastor, Ana
postou um vídeo no YouTube dizendo: “Meu marido não me estuprou” e
atribuiu as acusações à “galhofada” da mídia.
Pereira se tornou famoso no Brasil por
converter bandidos de alta periculosidade e ajudar a controlar rebeliões
em presídios. Calcula-se que tenha dez mil seguidores. No ano passado,
foi acusado por um ex-parceiro, o coordenador da ONG AfroReggae, José
Júnior, de ser “a maior mente criminosa do Rio e de estar por trás de um
plano para matá-lo”. Segundo Júnior, o pastor teria dito a traficantes
presos que ele seria o responsável por transferências de chefes de
facções de penitenciárias, o que equivale a uma sentença de morte.
Júnior vive sob escolta policial e luta para prosseguir com a ONG que
teve a unidade do complexo do Alemão incendiada e a da Vila Cruzeiro
metralhada. Após um ano e meio do início das investigações, Pereira
ainda não foi julgado.
REVIDE
Amélia Batista, com a foto da filha Adelaide, morta em 2006. Testemunha diz que
ela preparava um dossiê contra Pereira e por isso foi assassinada
A explicação para a demora é que há
fatos que ocorreram há muitos anos e são de difícil encaminhamento, até
pela desistência de parte das testemunhas. À ISTOÉ, o coordenador do
AfroReggae aponta outra causa: um lobby da bancada evangélica da Câmara
dos Deputados estaduais para libertar o líder religioso. “O que mais me
surpreendeu não foi a reação do narcotráfico (com quem o pastor é
acusado de estar associado), mas a do efetivo de parlamentares que o
apoiam”, diz. “Quando fiz a denúncia contra o pastor, sabia que estaria
atingindo um alvo muito poderoso. Já fui aconselhado até a sair do País,
mas não saio nem volto atrás”, garante.
AGRESSÃO
José Júnior, do AfroReggae: ele denunciou o pastor
e duas unidades da ONG foram atacadas
O delegado Dubugras apura o envolvimento
do religioso também com o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e
homicídios. “Ele demonstra ter relação íntima com os chefes do Comando
Vermelho”, afirma. Numa conversa gravada com autorização da Justiça, em
10 de maio, na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas (PR), os
traficantes Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Márcio
Nepomuceno dos Santos, o Marcinho VP, lamentaram a prisão de Pereira e
mandaram punir José Júnior, do AfroReggae. “Foi o Juninho que estava por
trás disso. Tinha que mandar um salve lá para ele”, ordenou Beira-Mar.
“Salve” significa ataque ou represália. Logo depois, as unidades da ONG
foram incendiadas e metralhadas.
***