Por Marcelo Berti
Será que Colossenses 1:16, 17 (ALA) exclui Jesus de ter sido criado, ao
dizer “nele foram criadas todas as cousas . . . tudo foi criado por meio
dele e para ele”? A palavra grega traduzida aqui por “todas” é pán‧ta,
forma flexionada de pas. Em Lucas 13:2, ALA traduz isso por “todos os
outros”; BV “os demais”; HR diz “todos os mais”. (Veja também Lucas
21:29 na BLH e Filipenses 2:21 na PIB.) Em harmonia com todas as outras
coisas que a Bíblia diz a respeito do Filho, a NM atribui o mesmo
sentido a pán‧ta em Colossenses 1:16, 17, de modo que reza, em parte,
“mediante ele foram criadas todas as outras coisas . . . Todas as outras
coisas foram criadas por intermédio dele e para ele”. Assim, indica-se
que ele é um ser criado, faz parte da criação produzida por Deus.[1]
Muitas pessoas querem saber a verdade sobre quem Jesus é, e a frase
acima demonstra exatamente isso. Algumas pessoas acham que Ele é o
Criador de todas as [outras] coisas encontradas no universo. Ou seja,
embora seja Ele um ser criado por Jeová, ele é criador com Ele de todas
as [outras] coisas. Isso é exatamente o que lemos na citação acima,
retirada do livro Raciocínios. Mas, será isso mesmo verdade?
Nossa primeira observação a esse argumento é que o adjetivo grego “pas” é
usado 1243x em todo o Novo Testamento, e o autor está fundamentando sua
tradução em três ocorrências. Em outras palavras, 1240 ocasiões são
menos importantes que essas três. Ou seja, a tradução proposta pela TNM,
seguindo o argumento desse autor, é fundamentada na exceção do uso do
adjetivo “pas”. Nossa pergunta nesse ponto é: Isso é válido?
Para responder a essa pergunta, vamos analisar os exemplos que o autor
oferece. Em Lc.13.2 lemos na TNM: “Ele lhes disse, assim, em resposta:
“Imaginais que esses galileus se mostraram piores pecadores do que todos
os outros galileus, porque sofreram tais coisas?”. Note que o termo
galileus é usado duas vezes e que o texto faz clara distinção entre dois
grupos distintos de galileus. Ou seja, o próprio texto estabelece um
contexto em que o adjetivo “pas” não possa significar todos em absoluto,
mas todos em distinção do grupo previamente identificado. Portanto,
parece óbvio que o segundo grupo de galileus não é o mesmo do anterior,
tendo a inclusão do termo “outros” ou não. Segue-se que, nesse caso o
contexto exige tal inserção. Mas que dizer de Cl.1.16: nesse texto vemos
esse indicativo?
Em Lucas 21.29 lemos na TNM: “Com isso contou-lhes uma ilustração:
“Reparai na figueira e em todas as outras árvores”. Note que o caso é
similar: Dois grupos distintos de árvores são contrastadas, as figueiras
e as demais. Nesse caso, como no anterior, o contexto exige tal
distinção. Será que tal exigência é vista em Cl.1.16?
Em Filepenses.2.21 lemos na TNM: “Pois todos os outros estão buscando os
seus próprios interesses, não os de Cristo Jesus”. Novamente dois
grupos contrastados: os cristãos e os demais. Novamente vemos que quando
o contexto exige a distinção, o uso do termo “outros” na tradução não é
um equívoco, mas uma necessidade. Mas, em Cl.1.16 vemos essa exigência e
necessidade? Com que criação as “outras” coisas foram contrastadas?
Note que o autor responde a essa pergunta: “Em harmonia com todas as
outras coisas que a Bíblia diz a respeito do Filho, a NM atribui o mesmo
sentido a pán‧ta em Colossenses 1:16, 17, (…) Assim, indica-se que ele é
um ser criado, faz parte da criação produzida por Deus”. Ou seja, o
autor não encontrou no contexto do texto qualquer indicação de contraste
sendo realizada, e de pronto, julgou necessário recorrer à sua teologia
para justificar a versão da TNM. Note que tal autor nada apresenta
sobre “todas as outras coisas que a Bíblia ensina”, apenas diz que o
todo das escrituras afirmam que Jesus é Criado.
Vamos considerar, portanto, que tal autor entende o termo “primogênito”
como um indicativo de sua criação. Aliás, pouco antes no mesmo texto ele
atesta: “a Bíblia aplica esta expressão unicamente ao Filho. Segundo o
significado costumeiro de “primogênito”, indica que Jesus é o mais velho
da família dos filhos de Jeová[2]”.
Segundo esse autor, o texto de Paulo utiliza o sentido costumeiro de
“primogênito” e conclui que Jesus é a primeira criação de Deus.
Entretanto, esse não é o único argumento em defesa da TNM, pois o autor
completa:
“Antes de Colossenses 1:15, a expressão “primogênito” ocorre mais de 30
vezes na Bíblia, e em todos os casos em que é aplicado a criaturas
viventes, tem o mesmo significado — o primogênito faz parte do grupo. “O
primogênito de Israel” é um dos filhos de Israel; “o primogênito de
Faraó” é um da família de Faraó; “os primogênitos dos animais” são eles
próprios animais. O que faz com que alguns atribuam, então, um
significado diferente a “primogênito” em Colossenses 1:15? O emprego
bíblico, ou a crença à qual já se apegaram e para a qual procuram
prova?”
Note que o autor descarta a possibilidade de outro sentido para o termo
primogênito afirmando que os que o fazem prestigiam sua teologia e não
as escrituras, pois, segundo ele, o termo primogênito nunca é usado nas
escrituras nesse sentido. Todavia, essa afirmação não é verdadeira.
Devemos ainda lembrar o leitor que o termo grego para primogênito é
usado diversas vezes na Septuaginta e nem sempre é usada no sentido
usual que o autor propõe. Por exemplo, em Gn.4.4 o termo é usado
descrever a parte mais importante de um rebanho. Em Ex.4.22 o mesmo
termo grego é usado, muito embora o sentido auferido descreva o
relacionamento de Israel para com Deus. Em Ez.44.30 vemos a mesma idéia
de Gn.4.4, que trata da parte mais importante de uma plantação que
deveria ser ofertada aos sacerdotes. Mesmo no Novo Testamento vemos o
texto de Hb.12.23 cujo o uso do mesmo termo é feito com diferente do
proposto pelo autor da STV. Mas, devemos lembrar que, realizar essa
análise e ignorar o modo como Paulo usa esse termo, de nada adianta,
afinal, não procurarmos saber a definição de “primogênito”, mas o modo
como Paulo usa o termo.
Por isso, observe que Paulo além de chamar a Cristo de “primogênito de
toda criação” (v.15), também o chama de ”primogênito dentre os mortos”
(v.18). Nesse momento percebemos que Paulo não está fazendo uso do termo
do modo costumeiro, visto que ninguém poderia ser o primeiro nascido
dentre os que morreram. Isso não faz qualquer sentido. Ao que o contexto
(textual) de Cl.1.16 indica, o termo primogênito não está sendo
utilizado no sentido q de filho que tem a primazia sobre a herança do
Pai, conceito recorrente na teologia de Paulo (Rm.8.17; Gl.3.29; 4.7;
cf. Hb.1.2).
Além disso, devemos lembrar que não encontramos no texto de Cl.1.16 nada
que demonstre que o termo “toda criação” esteja em contraste com o
termo primogênito. Ou seja, ainda que o significado do termo seguisse o
modo usual defendido pela STV, não encontramos a mesma necessidade da
inserção do termo “outras” como vemos nos textos usados como exemplo
pelo autor. Portanto, concluímos que tal inserção é desnecessária e
motivada por teologia.
O problema da interpretação proposta nesse parágrafo é sua contradição
explícita com outro verso das escrituras, que na TNM é lido assim:
“Todas as coisas vieram à existência por intermédio dele, e à parte dele
nem mesmo uma só coisa veio à existência” (Jo.1.3). Observe que no
desejo de defender Jesus como criatura, o autor acabou entrando em
franca contradição com Jo.1.3 que diz que Jesus é o responsável pela
existência de todas as coisas, e que SEM ELE nada do que existe veio à
existência. Ou seja, se Jesus foi criado, segundo Jo.1.3, isso significa
que Ele se criou, o que é impossível.
O grande mal de assumir que as inserções são de fato texto inspirados é
construir teologia e ensinar baseado nessa inserção. Observe o que lemos
na obra Estudo Perspicaz:
Jeová também mostrou amor ao conceder ao seu primeiro criado Filho
espiritual o privilégio de participar com Ele em todas as demais obras
criativas, tanto espirituais como materiais, fazendo generosamente com
que este fato se tornasse conhecido, com a honra resultante para seu
Filho. (Gên 1:26; Col 1:15-17) Assim, não receou tibiamente a
possibilidade duma competição, mas, antes, demonstrou inteira confiança
em sua própria Soberania legítima[3]
Observe que o texto já inicia com a declaração de que Cristo é criado e
que foi convidado a criar as outras coisas, debaixo da autorização do
Pai. Contudo, o fundamento para essa afirmação teológica, segundo esse
autor, é o próprio texto de Cl.1.16. Ou seja, Jesus é criado e
co-criador por que Cl.1.16 diz. Note que a distorção já não precisa ser
analisada, apenas apresentada. Porém, vemos nessa afirmação a teológica
ser construída sobre um termo que não faz parte do texto do apóstolo
Paulo, mas trata-se de uma inserção da STV. Ou seja, mais uma vez o
texto do apóstolo Paulo tem pouco valor, o que importa é a inserção e a
promoção da teologia da STV. Os Testemunhas de Jeová que leram essa
citação e abriram suas TNM para verificar as citações, entenderam que
tal afirmação era verdadeira pois estava nas escrituras. Mal sabem eles
que foi tal teologia que colocou tal idéia na TNM.
Portanto, devemos admitir que colocar o termo [outras] no texto de
Cl.1.16 não é justificado pela gramática do texto, pela semântica do
termo grego “pâs” no uso que é feito nesse texto, e que tal inclusão faz
com que o significado do texto entre em conflito com outras passagens
da escritura (Jo.1.3). Segue-se que não parece justificada a tentativa
de chamar Jesus Cristo de um ser criado, por que a Bíblia ensina que Ele
é Criador.
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