Por Maurício Zágari
Tempos atrás eu ficava
muito chateado quando alguém criticava o termo “religião”. Pois eu
sempre entendi “religião” como algo bom, uma comunicação com Deus, um
relacionamento pessoal com o Senhor – a partir da raiz latina
“religare”. Por isso eu lia ou ouvia pessoas amaldiçoando a “religião” e
aquilo me incomodava profundamente. Tenho lido alguns bons livros.
Tenho tido algumas experiências. E hoje posso dizer que entendo os que
criticam a “religião” e não me chateio mais. Na verdade, até concordo
com eles e por uma simples razão: finalmente compreendi que, em nossos
dias, o termo “religião” (e seus cognatos) ganhou dois significados
diferentes. O fenômeno é igual ao que ocorre com palavras como “manga”,
que pode se referir a uma fruta ou a um pedaço da minha camisa; como
“casa”, que pode ser a construção onde moro ou o local onde prendemos o
botão da calça; como “pena”, que pode ser “dó” ou uma parte da asa de um
pássaro. Sim, atualmente, a mesma palavra, “religião”, também ganhou
significados bem diferentes – um positivo e outro negativo. Vamos falar
sobre eles.
Primeiro o positivo.
Algum tempo atrás estava conversando com um amigo e ele usou uma
metáfora muito interessante. Ao falar sobre pecado e restauração, usou a
imagem do fio de algum aparelho eletrodoméstico que é arrancado da
tomada. Isso é pecado. Deus é a fonte de energia, a fonte de vida, a
tomada. Nós somos o eletrodoméstico. Enquanto estivermos ligados a Deus,
“conectados à tomada”, fluirá dele para nós a “eletricidade”, a vida,
aquilo que nos permite funcionar. Assim, do mesmo modo que uma televisão
precisa estar ligada à tomada para ter razão de ser, para cumprir o
propósito para o qual foi criada, para termos vida nós precisamos estar
ligados ao Senhor. Só assim teremos razão de ser, cumpriremos o
propósito para o qual fomos criados.
Portanto, quando
pecamos, é como se nosso fio fosse arrancado da tomada. Perdemos a
conexão. Não estamos mais ligados ao Pai. Por isso, precisamos nos
re…ligar a Deus. Isto é, nos ligar novamente à fonte de vida. Religar.
Essa é a origem do termo “religião”: vem do latim religare, que se
refere a essa religação. Portanto, sempre que você ouvir falar de
“religião” no sentido da “religação entre o pecador e Deus”, sorria!
Esse é um bom significado. Essa é a boa religião. E não deve ser
criticada ou amaldiçoada. Nesse sentido, “religiosa” é somente uma
pessoa que foi reconectada a Cristo. E glória ao Senhor por isso:
bendita a religião, que permitiu que a graça transformasse o pecador em
um religioso.
Mas existe também o
sentido negativo. Aos olhos de muitos, o termo perdeu o sentido original
de “religação”. E hoje entendo isso. O exemplo maior do conceito
negativo de “religião” está na parábola do bom samaritano. Sei que você
já leu essa passagem milhares de vezes, mas o convido uma vez mais para
dar atenção a esse relato, registrado em Lucas 10:
“[Certo
intérprete da Lei] perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? Jesus
prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a
cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e
lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto.
Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o,
passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e,
vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu
caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E,
chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e,
colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e
tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao
hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a
mais, eu to indenizarei quando voltar. Qual destes três te parece ter
sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe
o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então,
lhe disse: Vai e procede tu de igual modo.”
Repare: aquele sacerdote
e aquele levita (que passaram ao largo, não deram a mínima para quem
estava ali, caído, e foram cuidar da própria vida) são “religiosos” – no
pior sentido. Eles cumprem tudo o que a religiosidade estipula,
obedecem as normas do eclesiasticismo (não procure essa palavra no
dicionário, é um neologismo meu)… enfim, aos olhos dos homens aquele
sacerdote e aquele levita são servos corretíssimos de Deus. Seguem a
cartilha da fé ao pé da letra. Só que tem um porém: em seu coração eles
não amam o próximo. Isso é o sentido negativo que o conceito de
“religião” ganhou em nossos dias: é o estilo de vida de quem
exteriormente é o supra sumo da espiritualidade, mas por dentro é cheio
de desamor. É exatamente o que Jesus chamou de um “sepulcro caiado”.
Pois Jesus define o “sepulcro caiado” como alguém que parece justo por
fora mas por dentro está cheio de hipocrisia e maldade – o que, pelo
meu entendimento, é resultado direto da falta de amor.
Tiago 1.27 diz:
“A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta:
visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo
guardar-se incontaminado do mundo”. A palavra, no original
grego, traduzida aqui por “religião”, é thrēskeia, que tem exatamente o
sentido do cumprimento de práticas litúrgicas, de normas e regras
ditadas pela fé, de observâncias cerimoniais. O irmão de Jesus estava
fazendo uma alusão direta aos fariseus e outros mestres da Lei,
explicando que tudo aquilo que eles cumpriam como parte de sua
religiosidade (rituais, obediência à Lei, liturgias, cumprimento de
festas e sábados e tudo o mais) era inútil se eles não tivessem amor
pelo próximo. E não só amor como sentimento, mas amor demonstrado de
forma prática. Pois era tão importante buscar a santidade e fugir da
contaminação do pecado como esforçar-se e sacrificar-se pelo bem-estar
do próximo – como fruto do amor.
Religião no sentido da
“religação” com Deus é algo bom, imprescindível e, mais do que tudo, é
um privilegio concedido por Cristo a nós. Quando ele morreu na cruz e o
véu do templo se rasgou, o que aquilo quis dizer foi: “Não há mais
impedimentos, você pode se ligar diretamente ao Pai”. Por outro lado,
religião no sentido de viver uma vida de práticas, cumprimento a regras e
obediência aos mandamentos bíblicos mas sem demonstração de amor ao
próximo é o que há de mais nefasto. Os samaritanos não faziam nada do
que os sacerdotes judeus faziam em termos litúrgicos, mas foi
precisamente o gesto de amor do samaritano pelo próximo que lhe rendeu
elogios de Cristo. Não foi ter ido ao culto, evangelizado, louvado da
forma “certa”, pregado um bom sermão, seguido as liturgias e datas
santas…nada disso. Fazer essas coisas é ótimo – e devemos fazer – mas
não foi isso o que fez Jesus destacar a atitude do samaritano. O
sacerdote cumpria a cartilha da fé ao pé da letra, mas deixou o próximo
pra lá e foi cuidar da própria vida e tratar dos próprios interesses. E
esse, aos olhos de Jesus, é “raça de víboras”.
Os elogios de Jesus foram pelo amor demonstrado ao próximo.
Que Deus nos livre de
nos tornarmos “religiosos” no mau sentido. Se cumprirmos tudo o que a
cartilha do crente determina mas nosso coração não tiver amor pelo
próximo… estamos mal na fita. Peço ao Senhor que nos amemos uns aos
outros de fato. Que haja mais pregações sobre isso. Que se cante mais
sobre isso. É simples, não exige grandes teologias: amar o próximo é
fazer por ele o que gostaríamos que fizessem a nós. Uma criança entende o
conceito.
Deus queira que nunca
aconteça com você. Mas, se um dia ocorrer de você estar caído, ferido, à
beira da estrada, peça ao Senhor que passe por ali o religioso que foi
religado a Deus e não o religioso que só cumpre os eclesiasticismos.
Senão, meu irmão, minha irmã, você ficará jogado às traças, à chuva e ao
desamor de gente que diz amar a Deus mas deixa você caído à beira do
caminho, implorando por socorro.
Mais do que isso: que o
religioso que deixa os outros largados para lá nunca sejamos você e eu.
Pois, se formos assim… que Deus tenha misericórdia de nós.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Mauricio
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