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Por Valdemar Figueredo
É o abuso de poder eclesiástico que torna crível o absurdo megalomaníaco.
Não
era uma construção qualquer - afinal, era uma obra para ser vista e
admirada. Tocar no céu, dizia-se. Altura e imponência eram fundamentais,
ainda que a massa de trabalhadores vertesse sangue e suor sob os blocos
de pedra. Valia tudo para poder tocar no céu, e os olhos dos poderosos
voltavam-se para o alto. Quem muito observa as pessoas da base, pensam
alguns líderes pragmáticos, não conseguirá explorar as alturas. A torre
de Babel não precisava de reboco nem tinta: seria revestida de alto a
baixo pela pele de gente crédula, pintada por dentro e por fora com o
sangue crente.
Quando
alguém reivindica a legitimidade do seu poder citando suas construções
tangíveis, ficamos a pensar: a liderança espiritual justifica sua
legitimidade de que forma? A dúvida ocorre porque, nessa lógica, os
líderes religiosos precisarão tornar suas obras espirituais suas obras
espirituais em coisas concretas. Eis uma das nuances do pragmatismo: os
resultados obtidos justificam tudo o que foi feito e legitima o poder
daquele que coordenou as ações. Líderes personalistas pragmáticos mandam
os entulhos para as periferias, onde aterrarão os caminhos escabrosos.
Nada se perde. Cada coisa no seu lugar. A torre no centro; os entulhos,
na periferia. E o líder no meio de tudo. Entre outras coisas, a torre é
ótima para servir de referência de poder.
A
linha divisória entre o pragmatismo personalista e a megalomania
costuma ser tênue. Muita gente diz que Deus merece o melhor, enquanto
alimenta seu próprio delírio de grandeza. Construtores que pouco se
importam com as coisas criadas ou com as muitas pessoas que o ajudam a
construir torres altíssimas só têm olhos para si mesmos. A altura da
torre será proporcional ao tamanho do seu delírio. Ou seja, estamos
falando de pessoas que agem em nome de Deus com sérios transtornos, com a
percepção da realidade seriamente afetada.
Esse
delírio assume sua força quando é embalado no discurso da fé. O apelo
da fé é poderoso a ponto de transformar a razão em estupidez e tornar o
delírio de um insensato em torpor coletivo. É o abuso de poder
eclesiástico que torna crível o absurdo megalomaníaco. Babel era um
monumento à insanidade de um povo sob uma liderança megalomaníaca.
Nabucodonosor, então, vira um tipo comum – o sujeito cheio de poder que
perde a sanidade. O muito já não basta. “Não é esta a grande Babilônia
que eu edifiquei para morada real, pela força do meu poder, e para a
glória da minha majestade” (Daniel 4.30). Justiça seja feita: são poucos
os líderes religiosos megalomaníacos que, à semelhança do senhor de
Babilônia, declaram tão explicitamente que o muito que realizam
destina-se à glória da própria majestade. Na tradição cristã, fica feio o
discurso ufanista de exaltação própria; então, os “nabucodonosores”
contemporâneos são mais refinados, para não falar dissimulados. Aí, vem a
justificativa oficial: “Tudo isso é para a glória de Deus.”
Mas
houve confusão. Em Babel, todos são estranhos! Confusão das línguas ou
sobreposição de egos? Nas igrejas brasileiras, as divisões pouco ou nada
têm a ver com métodos ou posições teológicas. Trata-se de disputas de
líderes pragmáticos megalomaníacos. Mania de grandeza é confundida com
visões divinas, enquanto, ao pé da torre ou nos jardins suspensos, o que
se vê é uma feira de egos – e o que era para ser ponto de encontro vira
lugar de desavenças. A obra mais visível em Babel eram as relações
humanas destruídas. Em Babilônia, também se viam coisas feias – no meio
do esplendor, desconfiança e ressentimento. Daí, tudo fica dependendo
da figura do líder. Enquanto ele for capaz de renovar seu carisma, o
projeto permanece. Em Babel, na Babilônia ou no Brasil, como aferir se a
obra de um é maior do que a de outro? Ora, através da comparação.
Então, não basta construir algo admirável - é preciso construir o mais
admirável: “Tornemos célebre o nosso nome”... As comparações desleais
difamam as obras alheias.
Jesus,
com muita frequência, dirigia-se às intenções dos líderes pragmáticos
megalomaníacos do seu tempo. O Mestre jamais tentou erguer uma torre em
Nazaré, ou uma cidade na Galileia. Os megalomaníacos ficaram
desconcertados, uma vez que os termos das suas disputas foram ignorados e
ridicularizados. Jesus era um líder sem a chave da porta do templo, e
não vestia estola sacerdotal. Um de seus discípulos admirou-se: “Mestre!
Que pedras, que construções!” Vale conferir a resposta em Mateus 13.1.
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