Por Maurício Zágari
A cruz é o centro da
nossa fé. Tudo o que tem a ver com a crença cristã se baseia na subida
do Cordeiro à cruz, para se oferecer como sacrifício pelo perdão dos
pecados. Sem o madeiro, não há cristianismo. Assim, podemos dizer que
esse objeto é o mais importante da nossa religião. Mas… onde está a
cruz? Por que ela não foi preservada? Que fim levou? Bem, eu acredito
que sei onde está a cruz de Cristo.
O tempo de decomposição
da madeira varia muito. Em uma floresta úmida, um galho de árvore caído
ao chão leva cerca se seis meses para desaparecer. Madeira pintada, por
sua vez, demora 13 anos. Se houver cupins por perto e nenhum produto
químico que a preserve, a decomposição é acelerada. Imersa em água, por
vezes ela dura mais (como antigos navios naufragados). Mas raríssimas
vezes vai durar séculos – e, ainda assim, se constantemente tratada.
A cruz de Cristo, da
mesma maneira que as cruzes em geral daquela época, ficava exposta à
influência do clima. Chuva, vento, cupins, fluidos corporais e o
constante contato com carne morta cheia de bactérias que causam
decomposição. Ela certamente não foi usada somente por Jesus, mas,
provavelmente, foi reaproveitada em dezenas, talvez centenas, de
crucificações. Isso significa muito uso, muita exposição, degradação,
decomposição facilitada por uma enorme gama de fatores ambientais.
Então, em minha opinião,
ela apodreceu. Se fragmentou. Foi decomposta. Virou comida de cupins e
outros seres que agem no apodrecimento de matéria orgânica. E suas
moléculas estão espalhadas por aí. Talvez o café que você tomou está
manhã tenha átomos de carbono que estiveram na cruz de Cristo dois mil
anos atrás. Talvez aquele filé do almoço. Ou mesmo a camisa de algodão
que está vestindo.
Que tragédia! A cruz que
nos deu acesso ao céu possivelmente apodreceu! Bem, na verdade… não é
uma tragédia tão grande assim. Atrevo-me a dizer que nem tragédia é.
Porque aquela cruz, embora tenha desempenhado um papel superior ao de
qualquer outro objeto na face da terra para a salvação da humanidade de
seus pecados, não carrega em si nenhum valor espiritual. Ela foi
importante para o ato da morte do Cordeiro, mas, depois disso, não
servia para mais nada. Assim que Jesus expirou, a utilidade espiritual
dela acabou. Estava consumado. Que apodreça em paz.
O ser humano não mudou.
Continuamos, em nossos dias, dando valor ao que já teve sua função no
passado mas hoje não tem mais. Nos agarramos a relíquias que cumpriram
seu papel em algum momento de nossa fé e não percebemos que podemos
deixá-las apodrecer sem que isso influencie em nada nossa relação com
Cristo. Mantemos usos e costumes de uma era passada que absolutamente
não têm mais nenhuma razão de ser e os consideramos o centro de nossa
devoção.
Todos conhecemos a
história do uso de instrumentos musicais nas igrejas. Quando chegaram as
guitarras, os contrabaixos elétricos e as baterias, logo foram
associados a musicas pagãs e, consequentemente, demonizados. Só o órgão
era visto como um santo instrumento. Os cristãos de então estavam tão
agarrados a suas tradições que não conseguiam enxergar que a cruz tinha
apodrecido e perdera a importância. Outro exemplo é a chegada do
retroprojetor. Quando o hinário começou a ser substituído por esse
equipamento – um recurso para que as pessoas pudessem ter as mãos livres
e levantá-las durante o louvor – houve gritaria. Como pode não usarmos
mais os sacrossantos hinários?! Houve indignação. Hoje ninguém mais
pensa nisso.
Quando vou ao culto,
leio a Bíblia em formato eletrônico, no meu iPhone. A mensagem é
exatamente a mesma de qualquer outra Bíblia. As verdades sagradas estão
todas ali. Mas já ouvi muitas vezes críticas a isso, como se só bíblias
de papel fossem dignas de ser usadas na igreja. Nos agarramos a pedaços
em decomposição de nossa vida e não percebemos que daqui a 50 anos
possivelmente a maioria dos irmãos usará as Escrituras em formato de
e-book, sem que isso traga qualquer prejuízo à nossa espiritualidade.
Recentemente, uma irmã
deixou um comentário no APENAS, profundamente agoniada. Ela escreveu:
“Sr.Maurício Sou casada há 20 anos. meu esposo é maravilhoso, porém me
obriga a pertencer a uma Igreja em que não acredito muito em suas
doutrinas, diz que só aquela Igreja é a certa e que salva, que devo usar
apenas saia e ter o cabelo nos pés. Faz acepção de pessoas, já não
estou indo mais na Igreja, porém meu esposo tem me tratado muito mal e
diz que tem vergonha de mim por eu usar calça. Ele não conversa mais
comigo é como se eu não existisse dentro de casa, virei um “objeto” lá
dentro. Por favor me ajude.“. Fiquei triste. Vi nesse e em tantos casos
semelhantes a graça de Cristo ser substituída por algo que não terá
nenhuma influência sobre a vida eterna.
Que fique claro que
respeito profundamente os hábitos e a cultura de cada denominação,
jamais vou me levantar para criticar, a troco de nada, algo que é
importante para um determinado grupo e que não configura heresia, mas
fico profundamente tocado quando lascas da cruz se tornam instrumento
para oprimir, deprimir e impor um jugo desnecessário a irmãos e irmãs em
Cristo. Todo e qualquer uso e costume que substitui a graça salvadora
de Jesus pela prática de um hábito cultural olha para a cruz e não para o
crucificado. E machuca pessoas, o que fere o primeiro e maior
mandamento.
Tenho um carinho enorme
por irmãos de todas as denominações. Todas. Respeito profundamente os
membros de qualquer igreja que professe o verdadeiro Cristo. Batistas,
presbiterianos, metodistas, assembleianos, Deus é amor… se quem está ali
é sincero diante do Altíssimo e tem Jesus como Senhor e Salvador, é meu
irmão. Não discrimino ninguém. Não ouso dizer que sou “mais cristão do
que fulano e beltrano” só porque são adeptos de usos e costumes
diferentes dos meus, só porque cantam hinos ou corinhos, só porque são
verdes ou azuis. O que é heresia é heresia e devemos combater, mas o que
não é não remove ninguém da família de fé. “Sacrifícios agradáveis a
Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o
desprezarás, ó Deus” (Sl 51.17). Se Deus não despreza, como poderia eu?
Não me atrevo a ter tamanha arrogância.
Eu não sou melhor do que
o irmão do reteté. Eu não sou melhor do que quem proíbe bater palmas ou
só canta hinos medievais no culto. Tenho um desejo profundo de que
todos alcancem a maturidade espiritual, que abandonem práticas sem
sentido e fixem o olhar tão somente no Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo. Mas, enquanto isso não ocorre, abraçarei todos os que
são filhos do meu Pai. Não farei (como já fiz no passado) piadinhas
maldosas com quem é diferente de mim em detalhes de sua vida devocional.
Não oprimirei quem presta adoração sincera a Deus enquanto adota usos e
costumes sem sentido. Não tenho esse direito. Você tem?
Infelizmente, por falta
de instrução bíblica correta, muitos se agarram a práticas e usos que
não fazem sentido e a tradições decompostas. Naquilo que está ao meu
alcance, farei o que puder para levar a eles conhecimento da sã
doutrina, que os afaste dessas puerilidades espirituais. Mas, enquanto
isso, vou abraçar e estender meu amor fraternal a todos os que fazem
tais coisas de coração puro e em adoração sincera ao verdadeiro e único
Salvador do mundo. Pois, se eu discriminasse um cristão bom e fiel por
qualquer questão relacionada a usos e costumes, não estaria olhando para
a cruz e muito menos para o crucificado, estaria cuspindo e esmurrando
aquele que mandou amar, até mesmo, meus inimigos – quanto mais meus
irmãos.
A cruz apodreceu. Mas o
amor que devemos ter por todos precisa permanecer incorruptível – pois
Jesus ressuscitou, seu corpo está vivo e seu coração pulsa eternamente
por cada filho de Deus, sem exceção.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
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