Por Maurício Zágari
Fico imaginando como
seria se Deus decidisse se relacionar com a humanidade pelo Facebook. Os
tempos mudaram, afinal, e hoje em dia há quem diga ser impossível não
fazer parte da comunidade dos que têm Face (pronuncia-se “fêisse”). Todo
mundo tem Face e, se “todo mundo tem”, diz a lógica dos nossos tempos
que “todo mundo tem que ter”. Essa torna-se, então, uma razão
irrefutável para que o Altíssimo também tenha. Assim, Deus, certo dia,
decide que precisa ingressar na pós-modernidade e criar um perfil no
Face, para não ficar deslocado. Claro que isso traria uma mudança na
forma de ele se relacionar com a humanidade, pois, se essa página de web
conseguiu mudar a forma de milhões de pessoas se relacionarem umas com
as outras, por que não mudaria também a do Todo-poderoso? Com base no
que tenho visto acontecer ao meu redor, proponho fazermos um exercício
de imaginação para tentar visualizar como seria a entrada do Senhor nas
redes sociais. Você já vai entender por quê.
Para começar, acabariam
as orações e a leitura da Bíblia. Porque esses são os meios que Deus
criou para ter relacionamento e criar intimidade com a humanidade: nós
falamos com ele pela oração; ele fala conosco pela Palavra. Mas, com o
Face, isso não ocorrerá mais. Oração e Bíblia tornam-se meios antiquados
de dialogar. O Senhor decretaria, então, que quem quisesse falar com
ele teria de mandar um scrap e esperar que o Altíssimo postasse uma
resposta na linha do tempo. Jeová agora seria um de nós, trocando ideias
on-line: um Deus da moda, antenado. Claro que isso nos afastaria dele,
tornaria nossos contatos muito menos pessoais, mas… quem se importaria?
Com o advento das redes sociais, em grande parte as pessoas já não se
telefonam mais mesmo, não se visitam mais, não mandam cartões no Natal,
fazem tudo pelo Face: convites de aniversários, marcação de encontros,
votos de parabéns em datas festivas… não se gasta mais tanto tempo
conversando, afinal. É só postar umas palavrinhas ali e está resolvido.
Então, como já estamos acostumados a essa nova maneira de
relacionamento, quando Deus passar a interagir assim conosco não
estranharemos muito. Seria até uma economia de tempo: em vez de uma hora
de joelhos, um scrap resolveria tudo. Vigílias, cultos de intercessão,
madrugadas orando… tudo cairia no esquecimento. Um scrap só e pronto. Um
novo tempo. Tem funcionado conosco, por que não funcionaria com Deus?
Peraí… tem funcionado, não tem?
Outra vantagem da adesão do Divino ao Face seria que, finalmente, Deus não precisaria se dedicar muito tempo a longos processos de transformação na vida de uma pessoa: bastaria postar uma frase de efeito. Jesus fez grandes discursos para dizer o que queria quando caminhou sobre a terra, mas, agora, basta pegar uma daquelas frases feitas de famosos, emolduradas num visual legal, e postar. Assim, o Todo-poderoso não levantaria profetas, mas postaria uma frase de Cazuza ou Clarice Lispector, dizendo algo como “Você foi feito para voar, abra as asas e se lance no vazio”. Ao ler isso, sua vida nunca mais seria a mesma. Ou “O amor é uma estrada de mão única” e pronto, todo os problemas da sua vida afetiva estariam resolvidos. Autoajuda e frases feitas seriam a nova tônica do Deus 2.0. Profundidade e reflexão para que, se uma frase resolveria tudo e você poderia “curtir” ao final?
E o Diabo? Como ficaria
diante da modernização do Todo-poderoso? Como é um imitador,
naturalmente ele criaria um perfil fake do Senhor, para tentar enganar,
se possível, até os escolhidos. Contra ele, então, nada mais de
exorcismos, oração, jejum, Palavra, nada disso. Bastaria formalizar uma
reclamação junto à ouvidoria do Face e o Maligno não acabaria mais seus
dias no lago de fogo e enxofre, mas teria seu perfil bloqueado pelo
Facebook. Você consegue imaginar algum castigo mais terrível e
assustador?
Infelizmente o Senhor
não poderia dar acesso a ninguém ao seu álbum de fotos do Face. Afinal,
fotografias em redes sociais têm como um de seus principais objetivos
mostrar para os outros como nós somos (ou desejamos aparentar ser)
incessantemente felizes e irremediavelmente sorridentes, mas, para Deus,
isso não seria muito útil. Que vantagem haveria para o Senhor postar,
por exemplo, uma foto dele nadando numa lagoa em Ibitipoca? Ou abraçado
aos amigos na festa de casamento? Não faz muito o estilo de Jeová. O
mais provável é que ele publicaria fotos relevantes, como de Jesus sendo
torturado e pregado numa cruz, dos mártires sendo estraçalhados por
leões no Coliseu, dos missionários cristãos sendo mortos hoje em dia na
Indonésia, dos irmãos da China sendo presos e torturados por pregar o
evangelho, e outras realidades do gênero. Só que esse tipo de fotos não
combina muito com a felicidade que todos buscamos encontrar e exibir no
Face, por isso teriam tão poucas curtidas que nem valeria a pena
publicar. Já Jesus sorrindo, empolgado, abraçado aos apóstolos na festa
das bodas de Caná… ah, isso sim! E todos nós escreveríamos nos
comentários da foto: “Lindos!”.
Pensemos:
A Bíblia diz em Êxodo
33.11: “Falava o SENHOR a Moisés face a face, como qualquer fala a seu
amigo”. Hoje em dia esse versículo soa defasado. Não se fala mais com os
amigos face a face, mas “fêisse” a “fêisse”. O modo que o Senhor
escolheu para se relacionar com seu amigo Moisés está caindo em desuso –
e não creio que seja por razões divinas, mas sim humanas. Bem humanas,
aliás. Em Peniel, Jacó viu o Todo-poderoso face a face e sua vida foi
salva (Gn 32.30); atualmente Jacó teria recebido um inbox. Se isso
salvaria sua vida ou não só Deus sabe. Confesso que o prejuízo ao
contato humano causado pelo advento do Facebook e das demais redes
sociais me deixa entre o triste e o melancólico. Em especial porque vejo
na Bíblia que uma das maiores alegrias do cristão está na oportunidade
de estar face a face – com Deus, com o próximo, com verdades eternas.
“Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face
a face” (1Co 13.12).
Nesta vida, o que mais
podemos desejar é dizer como Jó: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora
os meus olhos te veem” (Jó 42.5). Isso nada mais é que ter intimidade
com Deus, o alvo principal de nossa existência. E, na eternidade, o que
poderíamos desejar mais do que o cumprimento de Salmos 11.7: “Os retos
lhe contemplarão a face”? Pois, no final, “Os seus servos o servirão,
contemplarão a sua face” (Ap 22.4). É impressionante como a Bíblia
valoriza o estar face a face, você já percebeu isso? A presença, o
contato, o olho no olho sempre são apresentados nas Escrituras como o
padrão mais elevado e desejável.
Estar face a face é uma
necessidade do cristão. Já estar no Face… sei lá, em dois mil anos de
cristianismo não me parece ter sido tão essencial assim. Apesar de o
marketing da empresa Facebook ter conseguido convencer as multidões de
que não estar no Face é algo como não fazer parte da raça humana, isso
não passa de propaganda enganosa. Como neste mundo o capitalismo, em
geral, vence os bons argumentos, o Facebook e as redes sociais são um
fenômeno de nossos tempos e devem durar ainda um bom período – quem se
importa se o Face desumaniza as relações se, em um trimestre, seu
faturamento com publicidade chega a US$ 1,24 bilhão? Enquanto o dinheiro
entra, não se costuma fazer muitos questionamentos. E não será um
blogueiro como eu que mudará isso. Aliás, quem critica práticas que as
pessoas adoram passa a ser visto como um chato antiquado – afinal, o
Face te ajuda a reencontrar amigos de infância, quem ousaria dizer algo
contra um argumento imbatível desses?!
O Orkut, o Second Life e
o MSN morreram, daqui a um tempo o Face também vai passar, mas não
tenho nenhuma dúvida de que novas formas de comunicação superficial
surgirão. E que fique claro: esses softwares em si não representam
nenhum problema, são só brinquedinhos de gente grande. Mas a forma como
os temos usado revela muito sobre quem nós somos, como vemos a vida, o
que valorizamos e como nos relacionamos com o próximo. Queremos ser
vistos, ganhar popularidade, expor nossas alegrias para o mundo,
compartilhar nossa vida, fuxicar a vida alheia e fazer parte de alguma
comunidade (por mais impessoal e superficial que ela seja). Tudo isso
são anseios do ser humano, que fazem parte da nossa natureza. O problema
é: como os expressamos?
Sim, me chame de careta,
antiquado ou o que for. Mas o fato é que sinto saudades de as pessoas
se telefonarem para perguntar como estão e gastarem um tempo na velha e
embolorada arte do diálogo. De quererem desejar feliz aniversário com um
abraço apertado em vez de um scrap. De gastarem horas e horas batendo
papo. Sinto falta do cheiro de gente, sabe? Meu notebook tem um calor
muito pouco humano e ele é desajeitado na hora de enxugar minhas
lágrimas. Tampouco consigo enxugar as de ninguém pelo inbox. E, por mais
que eu passe tempo com meu iPad, o mal-educado não me responde…
Poucos anos atrás, antes
da febre das redes sociais, era comum se receber dezenas de telefonemas
no Natal, quando não visitas pessoais. Eu, particularmente, este ano
recebi um telefonema só. Um. Tento lembrar qual foi a última vez que
alguém bateu na porta da minha casa, dizendo “Oi, vim te visitar”. Isso
acontecia com muita frequência no passado, mas, na era da desumanização,
foge-me da lembrança quando isso ocorreu pela última vez. Como não
estou no Facebook, já algumas vezes conhecidos vieram me cobrar porque
não compareci a um determinado evento. Quando digo que não fui
convidado, invariavelmente escuto um “mas eu postei o convite no Face”.
Hm. Isso sem falar das vezes em que você sai com amigos e eles não
desgrudam os olhos de seus iPads e iPhones, antenados ao onipresente
Face. Dá vontade de gritar: “Alo-ou, estou aqui!”. Comunhão é um
conceito essencial ao cristianismo, mas que está sendo grandemente
transformado graças ao advento das redes sociais. Em minha opinião, para
pior. Aonde isso vai nos levar enquanto seres humanos… só Deus sabe.
Você não precisa chegar
ao extremo de abandonar as redes sociais, como eu fiz. Mas seria
extremamente útil refletir sobre de que modo elas têm afetado sua
humanidade e sua espiritualidade. A pergunta que deve nortear sua
reflexão é: você gostaria que Deus priorizasse o relacionamento com você
pelo Face? A resposta a isso leva automaticamente a outra pergunta: se
sua resposta foi “não”, por que mesmo deveria ser diferente com o seu
próximo?
Como eu disse no início
deste texto, hoje em dia há quem diga ser impossível não fazer parte da
comunidade dos que têm Face. Em outras palavras, parece ter se tornado
impossível viver restrito ao contato humano que seja de fato humano,
próximo e… face a face. Felizmente, “para Deus não haverá impossíveis”
(Lc 1.37).
Voz. Cheiro. Olho no
olho. Lágrima. Sorriso. Abraço. Beijo. Carinho. Desculpem, não quero
perder nada disso, porque ser gente que se relaciona com gente, que toca
gente, que sente calor humano… é bom demais. E tudo o que nos rouba
qualquer uma dessas coisas arranca um pedaço daquilo que faz de nós
seres criados à imagem e semelhança de Deus.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
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