Por Maurício Zágari
Está na moda dizer que
“amar é uma decisão”. Todo crente politicamente correto diz isso.
“Afinal”, escuto sempre, “Jesus mandou amar os inimigos e eu não sinto
vontade de amá-los, mas decido amá-los”. Reconheço que essa afirmação
tem mérito, há sim um componente racional no amor. Afinal, muitas vezes é
a razão que nos impulsiona a realizar atos traduzidos por amor (de
ajuda ao próximo, ações de caridade por completos estranhos e atos
similares). Mas olho para a Bíblia e não consigo me convencer de que
seja uma verdade absoluta e fechada, excludente. E olha que já me
esforcei muito para crer nisso. Mas, longe da simpática teoria e dentro
da realidade da vida, não consegui até hoje ser convencido de que o amor
que a Bíblia exalta e que constitui a natureza de Deus se resume a algo
tão frio e estoico como uma pura decisão racional – tal qual a decisão
de que roupa vou vestir hoje à noite ou de que prato vou comer no
almoço.
Pelo que pesquisei, o
conceito de que “o amor é uma decisão e não um sentimento” não tem
origem cristã, mas pagã: parece ter sido originado em um conto chinês
que se tornou amplamente divulgado no mundo ocidental graças à
viralidade da Internet, em especial a partir de fontes espíritas
kardecistas. Você pode ler o conto AQUI,
pois foi reproduzido, inclusive, num livro do padre Marcelo Rossi. Se
você souber de outra fonte, por favor compartilhe nos comentários e
terei prazer de publicar.
Muitos justificam essa
teoria a partir do modelo de casamento – cultural e contextualizado –
adotado nos tempos bíblicos. Naqueles milênios, a escolha do cônjuge era
feita pelos pais. E os adeptos da crença de que “amar é uma decisão”
recorrem a esse fato como um argumento para justificar a ideia de que é
possível se casar sem nenhum sentimento e você “aprenderá a amar” a
pessoa da mesma forma. Mais do que isso: defendem que esse é o padrão
bíblico.
Já com Raquel era
diferente: “Jacó amava a Raquel e disse: Sete anos te servirei por tua
filha mais moça, Raquel. Respondeu Labão: Melhor é que eu ta dê, em vez
de dá-la a outro homem; fica, pois, comigo. Assim, por amor a Raquel,
serviu Jacó sete anos; e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo
muito que a amava” (Gn 29.16-20). Ao ouvir que “amar é uma decisão” fico
pensando então por que Jacó não simplesmente decidiu amar Lia e, assim,
resolver o problema. Ou por que, quando acordou de manhã e viu que
tinha se casado com Lia, não “decidiu amá-la” e, em seguida, “decidiu
não amar” Raquel, o que facilitaria muito sua vida. Porque, convenhamos,
se o negócio era arranjar uma esposa, ele já tinha arranjado. Para que
precisava de Raquel se já tinha Lia? Trabalhar mais sete anos para ter a
segunda esposa seria irracional, bastava Jacó decidir não mais amar
Raquel, tocar a vida com Lia e ser feliz para sempre. Mas não foi o que
aconteceu.
O mesmo ocorre, também,
com Ester. Lemos em Ester 2.17 que “O rei amou a Ester mais do que a
todas as mulheres, e ela alcançou perante ele favor e benevolência mais
do que todas as virgens”. Por que o rei não decidiu amar outra? Se era
uma questão de opção racional somente, o que fez aquela mulher se
destacar das demais aos olhos do soberano? Razão, puramente? E mais:
razão… principalmente? O que aquela jovem hebreia tinha de tão especial
que racionalmente teria feito Assuero “decidir” amá-la mais do que a
todas outras mulheres? Era estrangeira, pobre, exilada, órfã, de outra
religião… racionalmente não fazia sentido o rei decidir amá-la em
detrimento das demais? Mas a Bíblia relata que esse amor simplesmente
aconteceu e não porque Assuero optou por isso.
Vejo em Romanos 9 o
Senhor dizer “amei Jacó e aborreci Esaú”. Ora, se amor é uma decisão,
por que Deus não decidiu amar Esaú, visto que ele não faz acepção de
pessoas? O Senhor poderia perfeitamente decidir amar ambos. Outra: o
texto bíblico diz, em numerosas ocasiões, que, durante os séculos em que
o reino do Sul, Judá, foi idólatra, Deus reteve o juízo pelo amor dele a
seu servo Davi. Outro exemplo está em 1Samuel 18.1, onde vemos:
“Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se
ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma”. Uma
decisão pura e simples?
Amar pressupõe algo
diferente. Amar faz alguém se destacar da multidão. E, se você
destrincha cuidadosamente os textos bíblicos, vê que, na Escritura, quem
ama não o faz porque olha a multidão, analisa um por um, pondera e
decide: “Vou amar aquele”. Não é assim. O amor bíblico verdadeiro,
universal e despido de um contexto histórico específico aponta para
pessoas que, aos olhos de alguém, brilharam dentre as demais e tocaram
na razão mas, indispensavelmente, também no coração de alguém.
É fundamental lembrar
que ninguém, nem um único cristão, ama Jesus porque tomou a decisão de
amar. Nós amávamos o mundo, até que, pela graça, contrariando tudo em
que críamos racionalmente até então, o amor de Deus nos alcançou e
passamos a amar Jesus. Eu nunca decidi amá-lo. Estava muito bem,
obrigado, amando minha vida de incrédulo, quando esse amor chegou pelos
sentidos, invadiu meu cérebro, ligou-se a minha alma, incendiou meu
espírito e pronto: quando me dei conta estava amando.
Eu amaria concordar que
“amar é uma decisão”, pois isso me faria mais politicamente correto
dentro do meio evangélico, onde esse conceito da filosofia oriental
virou moda. Eu amaria, mas o meu amor por essa teoria não depende
somente de uma decisão minha. Eu não decido crer no que creio. O amor é
uma decisão, sim. O amor é razão, sim. Mas vai muito além disso. O amor é
também ação. E, sim, o amor é emoção. Se você se casa com alguém por
quem seu coração não pulsa, casou-se por amizade ou carinho, não por
amor. Seu amado tem de ser seu amigo, mas não pode ser só seu amigo. O
amor é muito mais complexo do que a simples definição “uma decisão”
tenta fazer parecer. Deus é amor. E Deus é razão, ação e emoção.
É por isso que o amor é infinito e o infinito faz meu coração pulsar infinitamente.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
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