Por Maurício Zágari
Sim, eu creio em
maldição hereditária. Não, não estou falando do tipo de maldição
hereditária que você está pensando. O conceito amplamente difundido a
define, em resumo, como a transmissão de um pecado (e suas
consequências) de pai para o filho, depois para o neto, depois para o
bisneto e assim por diante, o que abriria as portas para o Diabo agir em
sucessivas gerações de uma mesma família. Absolutamente não é sobre
isso que desejo falar. Quero tratar aqui de um conceito que eu mesmo
inventei, a partir menos da teologia e mais da etimologia, ou seja, do
significado das palavras. Assim, creio em um conceito de “maldição
hereditária” que elaborei e que vejo como extremamente pernicioso.
Permita-me explicar.
“Maldição”, pelo
dicionário, pode significar “praga”, que é o sentido mais popular do
termo. Só que a palavra tem a mesma raiz de “maldizer” (“maldito” seria,
então, alguém sobre quem foi dito algo que não é bom, mas mal, logo, é
“mal-dito”). Ou seja, “amaldiçoar” pode ter o sentido tanto de “rogar
uma praga” quanto de “falar mal”, “promover maledicência”. E
maledicência é a fofoca, a conversa escarnecedora, o tititi maldoso, a
crítica destrutiva, o desdém pelas conquistas alheias, a conversação
invejosa, as palavras que desqualificam o que é diferente só por ser
diferente do que eu sou ou acredito, o desmerecimento de algo que é
importante para o outro. Abrange desde o “vou te contar o que fulano fez
mas é só pra você orar” até o sarcasmo e a ironia ao se referir ao
próximo ou a algo relacionado ao próximo. Falar mal é… falar mal.
Já “hereditária” se
refere a algo “que se recebe ou se transmite por herança” ou “que vem
dos pais, dos antepassados”. Aqui me permito extrapolar esse sentido
“familiar” para algo que se adquire não só de pai para filho, mas que
faz parte do DNA cultural de um determinado grupo, ou seja, uma família,
uma sociedade, uma turma de amigos ou mesmo uma igreja. Por esse
conceito, por exemplo, o hábito de membros de determinada denominação se
saudarem uns aos outros com “graça e paz”, “a paz do Senhor” ou “paz e
bem” faz parte da hereditariedade desse grupo específico, do seu código
genético cultural. É aquela coisa que um começa a fazer, o outro imita e
logo todos adotam como algo natural e espontâneo.
Assim, juntando essas
duas acepções do termo, o significado que inventei para “maldição
hereditária” não tem nada a ver com um pecado ou uma praga passada
sobrenaturalmente entre sucessivas gerações de uma família, mas sim à
cultura de um grupo humano específico de praticar habitualmente a
maledicência. Em outras palavras, o hábito disseminado em um determinado
núcleo de pessoas de falar mal de outras. Portanto, sim, nesse sentido
eu creio em “maldição hereditária”, pois vejo com muita frequência
grupos em que falar mal de terceiros é tão natural como beber água. E
estou me referindo a grupos de cristãos.
Sejamos sinceros: falar
mal do próximo é algo que absolutamente todo mundo faz, em escalas
diferentes e de formas distintas. É natural a seres humanos dizer coisas
sobre outros seres humanos que configurem um certo grau de
maledicência. Todos nós fazemos isso e negar seria hipocrisia. Mas estou
me referindo a um patamar mais grave do problema. O que vejo é que
existem certos grupos em que a maledicência, o maldizer, é visto de
certo modo como uma virtude, algo natural, desejável e até engraçado. Em
que há um certo orgulho por falar mal. É um jeito de ser que cria laços
de intimidade entre os integrantes. Eles esperam que os outros membros
daquele núcleo falem mal e os que não o fizerem acabam deslocados dos
demais. Nesses grupos, o principal alvo de sua língua ferina em geral
são os diferentes. Aqueles que, de algum modo, não compartilham daquilo
que para os maledicentes culturais é habitual, valioso ou natural –
sejam gostos, preferências, estilos de vida, ideias, valores e
similares. Tristemente, isso acontece muito no nosso meio cristão.
É importante frisar que
não estou me referindo a uma crítica saudável, construtiva ou, até
mesmo, a conversas apologéticas válidas sobre aspectos errados ou
heréticos de certos setores da igreja. Essa é a boa crítica e não
configura falar mal, mas sim apontar erros com boa intenção, por amor à
sã doutrina. Eu me refiro a falar mal mesmo, no sentido mais pejorativo
do termo. Aquele maldizer que tem um certo veneno, uma “pimentinha”, que
é uma boa dose de pura maldade. Você sabe do que estou falando.
Diga-me se estou errado:
sente em volta de uma mesa com certos grupos pentecostais e você verá
que não demorará muito para que comecem a falar mal dos irmãos de
igrejas tradicionais, chamando-os de “frios” e coisas similares.
Desdenhando e, de certo modo, inferiorizando. O mesmo sentimento você
encontrará em grupos de tradicionais que maldirão e depreciarão muitos
aspectos do meio pentecostal. Outro exemplo é a eterna querela
reformados (calvinistas) versus arminianos, em que a maledicência ocorre
com uma frequência impressionante em certos círculos. Voam farpas dos
dois lados, com comportamentos que vão das piadinhas a comentários
agressivos e ofensivos. Uma tristeza.
Que dizer então de
teorias teológicas? Perco a conta do número de vezes em que ouvi
maledicências de certos grupos de cristãos acerca daqueles que não
acreditam no que eles acreditam no que se refere aos mais variados
aspectos da teologia cristã. E volto a dizer: não estou me referindo a
divergências respeitosas e saudáveis, mas a conversas ferinas,
depreciativas, cheias de desdém. Os pontos de controvérsia são muitos, e
vão de línguas estranhas a teorias escatológicas; de crenças à
discordância sobre a forma de batismo em águas; de opiniões sobre como
escolher o cônjuge a visões sobre como deve ser a liturgia do culto. Uma
tristeza.
E há a maledicência
motivada por questões insignificantes. Já ouvi tititis porque o marido
passou o braço pelos ombros da esposa durante o culto, ou veneno
destilado sobre a roupa do irmão beltrano, sobre o cabelo de sicrana… o
céu é o limite quando se trata de temas para maledicentes. Porque todo
amante da maledicência tem algo em comum: não importa muito o tema,
desde que possa falar mal. Uma tristeza.
Enfim, tenho visto
grupos e mais grupos que têm em sua natureza o pecado da maledicência
visto como algo normal e aceitável – até mesmo um elemento de união
entre seus membros. Só que não é. Falar mal é, biblicamente, um horror.
Veja:
“Fazei, pois, morrer a
vossa natureza terrena: prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo
maligno e a avareza, que é idolatria; por estas coisas é que vem a ira
de Deus [sobre os filhos da desobediência]. Ora, nessas mesmas coisas
andastes vós também, noutro tempo, quando vivíeis nelas. Agora, porém,
despojai-vos, igualmente, de tudo isto: ira, indignação, maldade,
maledicência, linguagem obscena do vosso falar” (Cl 3.8). Viu ali a
maledicência? Pois o falar mal é diretamente associado à natureza
terrena e a práticas terríveis, como a ira e a avareza.
Salmos 62.3-4 vai além e
indica que o maldizer é uma atitude clara de hipocrisia e falta de amor
ao próximo – ou seja, é um pecado contra o Grande Mandamento: “Até
quando acometereis vós a um homem, todos vós, para o derribardes, como
se fosse uma parede pendida ou um muro prestes a cair? Só pensam em
derribá-lo da sua dignidade; na mentira se comprazem; de boca bendizem,
porém no interior maldizem”.
Mas tem mais. Em
1Timóteo 5.14, falar mal dos outros é diretamente denunciado como uma
prática satânica: “Quero, portanto, que as viúvas mais novas se casem,
criem filhos, sejam boas donas de casa e não dêem ao adversário ocasião
favorável de maledicência”.
Diante disso tudo, fica
claro que o falar mal do próximo, em todas as suas acepções (com piadas,
sarcasmo, ironia, maldade, falsa intenção de exortação ou o que for) é
abominação para Deus.
Agora, por favor, preste
atenção a algo: o objetivo deste texto não é estimular você a olhar
para o lado e ficar apontando e acusando tal e tal pessoa ou grupo que
seja praticante dessa “maldição hereditária”. Isso não teria nenhuma
utilidade para o evangelho ou para a sua vida espiritual. Caso você
detecte que há grupos de maledicentes por perto, o mandamento do Senhor
quanto a eles é claro e objetivo: “Digo-vos, porém, a vós outros que me
ouvis: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam; bendizei
aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam” (Lc 6.26-28). Não há
margem para interpretação. O mandamento cristão é: se falarem mal de
você, fale bem deles.
O que desejo com este
post é levar você a refletir e responder à seguinte pergunta: “Será que
eu faço parte de algum grupo que pratica habitualmente e/ou
prazerosamente a maledicência?” Se você percebe que a pecaminosa prática
da maledicência faz parte de um determinado grupo a que você pertença
(seja família, turma de amigos, colegas ou mesmo os membros da sua
igreja), o que deve fazer? Há dois caminhos a seguir.
Primeiro: converse com
os que tais coisas praticam e os alerte sobre quão maligno é o que
fazem. Traga à lembrança deles que é preferível calar do que maldizer:
“Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que
for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita
graça aos que ouvem” (Ef 4.29).
Segundo: se ainda assim
os tais não ouvirem sua exortação e continuarem adeptos dessa cultura de
“maldição hereditária”, afaste-se do grupo. Mateus 18 diz: “Se teu
irmão pecar [contra ti], vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te
ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo
uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três
testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender,
dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como
gentio e publicano”. Pois é melhor se afastar dos que amam falar mal dos
outros do que permanecer contaminando-se com essa prática horrível. Em
Mateus 5.29, Jesus recomenda: “Se o teu olho direito te faz tropeçar,
arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus
membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno”. Arranque-se do
grupo dos maledicentes antes que você sofra as consequências.
Que consequências? Vamos
ouvir Tiago: “Se alguém se considera religioso, mas não refreia a sua
língua, engana-se a si mesmo. Sua religião não tem valor algum!” (Tg
1.26). Em outras palavras, o irmão de Jesus está dizendo que a religião
dos que não conseguem ficar calados se não têm algo edificante a dizer…
não vale nada. Logo depois, ele dá o ultimato: “Com a língua bendizemos o
Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de
Deus. Da mesma boca procedem bênção e maldição. Meus irmãos, não pode
ser assim!” (Tg 3.9-10). No grego original, a palavra traduzida aqui por
“bênção” éeulogia, que significa “fala elegante”, ou “discurso justo”.
Já “maldição” foi traduzida de katara, que quer dizer “execração”, ou
seja, “ódio profundo” ou “aversão exacerbada” (segundo o dicionário
Houaiss). Dá para conciliar uma fala elegante com outra que carregue em
si ódio e aversão? Biblicamente, não.
Chama minha atenção a
frase final de Tiago: “Meus irmãos, não pode ser assim!”. Repare,
primeiro, que ele está se dirigindo a cristãos, o que prova que esse mal
ocorre em nosso meio. E, segundo, ele afirma que não se pode
amaldiçoar. Falar mal. Maldizer. Isso está errado. Precisamos mudar, se o
fazemos. Precisamos exortar em amor os que o fazem. E, se continuarem
se orgulhando e praticando a maledicência, devemos nos afastar da roda
dos escarnecedores que existem em nosso meio.
Pare por um momento de
pensar nos maledicentes que você conhece. Faça, isso sim, uma análise de
si mesmo e de seu procedimento. Se você perceber que tem seguido o
caminho da maledicência e decidir parar com isso, a teu respeito dirá a
Palavra de Deus: “Se alguém não tropeça no falar, tal homem é perfeito”
(Tg 3.2). E, se você decidir não se assentar mais na roda dos
escarnecedores, a teu respeito diz a Palavra de Deus: “É como árvore
plantada à beira de águas correntes: Dá fruto no tempo certo e suas
folhas não murcham. Tudo o que ele faz prospera” (Sl 1.3). Reflita e
responda: como você prefere ser conhecido nos céus: como alguém
perfeito, que dá fruto e cujas folhas não murcham… ou como alguém que
pratica o mesmo que o Diabo?
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
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