Por Isque Sicsú
Quinzenalmente,
participo de um encontro chamado Confiteri*. Este é um grupo formado por
oito estudantes de teologia que oriento, e que se reúnem para trocar
ideias, compartilhar a fé, estudar as Escrituras, tomar café, degustar
bons vinhos e, principalmente, discutir temas da teologia.
Com o passar do tempo,
percebi que nenhum deles tinha uma definição sólida do conceito de
heresia. Resultado: Todo pensamento que não estivesse de acordo com a
visão teológica majoritária do grupo era imediatamente rotulado como
“heresia”. Não foram poucas as vezes que ouvi expressões como “fulano é
um arminiano herege”, “siclano é pós-milenista, não defende uma
escatologia ortodoxa”, “aquele beltrano, pastor daquela igreja
pentecostal famosa em São Paulo, só prega heresia”.
Aquilo que observei
neste grupo de orientandos, não é nada diferente do cenário geral. É
fácil encontrar aqueles que chamo de “Tertulianos de Facebook”, “Covers
de John Piper”, “Reforma-bitolados”, “Dispen-sensacionalistas”, chamando
as pessoas por aí de hereges, perturbadores de Israel, inimigos da fé, e
etc, sem ter a menor ideia do que o conceito de “heresia” significa de
fato.
Segundo o célebre The
Oxford Dictionary of the Christian Church (editado por F. L. Cross e E.
A. Livingstone), heresia é a negação de qualquer dogma essencial da fé
cristã universal. Tendo isso em vista, a pergunta que se levanta é: Se
heresia é negar os dogmas essenciais do cristianismo, então, quais são
estes dogmas? A resposta é simples: São os dogmas afirmados nos credos
históricos (Credo Apostólico, Credo Niceno-constantinopolitano e Credo
de Atanásio). McGrath nos diz que os credos históricos são as
declarações de fé que sintetizam os principais pontos da fé cristã – os
elementos doutrinários que são compartilhados por todos os cristãos
(Alister McGrath, Teologia Sistemática, História e Filosófica, p.
54-63).
É exatamente por isso
que afirmamos que na teologia cristã há doutrinas essenciais e doutrinas
periféricas. As doutrinas essenciais são aquelas que caracterizam o
cristianismo. Ou seja, só é cristão quem afirma esses dogmas. Já as
doutrinas periféricas, como o próprio nome sugere, não são essenciais,
negá-las não nos faz anti-cristãos, hereges.
Assim, a doutrina da
salvação monergística, a inerrância, a teologia do pacto, o batismo por
imersão, a incondicionalidade da aliança abraâmica e demais doutrinas
não pertencem ao corpo de doutrinas essenciais do cristianismo. Desta
forma, questioná-las e até negá-las não é uma heresia.
Teologicamente, o
cessacionista não tem o direito de dizer que aquele teólogo pentecostal é
herege, simplesmente porque afirma a doutrina da segunda bênção ou a
realidade dos dons espirituais na presente era. O calvinista não tem o
direito de dizer que o arminiano é um herege. O amilenista não tem razão
ou base teológica alguma para dizer que o pré-milenismo é heresia.
Todas essas doutrinas são periféricas.
Portanto, o herege é o
que nega a doutrina da trindade, o nascimento virginal, a deidade e
retorno de Cristo, e os demais dogmas afirmados e sintetizados nos
credos. Usar o termo “herege” ou “heresia” para qualquer outro caso,
especialmente no caso de divergência quanto às doutrinas periféricas da
teologia cristã, demonstra uma completa falta de maturidade teológica. É
a heresia da heresia.
* Confiteri é o verbo latino que quer dizer “confessar”.
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