Por Marcelo Berti
A Teologia da Reforma
Protestante foi a base do ataque dos reformadores, em especial Calvino e
Lutero, aos erros promovidos pela Igreja Católica durante o período
conhecido como Idade das Trevas. A Reforma foi, de um ponto
primeiramente eclesiástico, um chamada ao retorno das escrituras: Era o
momento de romper com o paganismo religioso da Igreja Católica e
estabelecer os valores e princípios das escrituras, centrados em Cristo,
sua Graça, na Fé verdadeira e na Glória somente a Deus.
Estes cinco valores fundamentais conhecidos em Latim como Sola
Scriptura, Solo Christus, Sola Gratia, Sola Fide e Soli Deo Gloria se
tornaram o fundamento da Teologia Reformada, mas com o tempo veio a ser
esquecida pela Igreja Evangélica no mundo. Por isso, em 20 de Abril de
1996 a Aliança de Evangélicos Confessionais reuniu-se em Cambrigde
Massachusetts e na tentativa de resgatar os valores fundamentais da
reforma redigiu uma explicação do que cada um desses princípios
teológicos realmente significa, e conclamou a igreja evangélica no mundo
a retornar a esses valores.
Essa redação, conhecida como a Declaração de Cambrigde, é apresentada na
íntegra abaixo com o objetivo de levar os cristãos a relembrarem dos
princípios estabelecidos pela Reforma Protestante e seu significado.
SOLA SCRIPTURA: A EROSÃO DA AUTORIDADE
Só a Escritura é a regra inerrante da vida da igreja, mas a igreja
evangélica atual fez separação entre a Escritura e sua função oficial.
Na prática, a igreja é guiada, por vezes demais, pela cultura. Técnicas
terapêuticas, estratégias de marketing, e o ritmo do mundo de
entretenimento muitas vezes tem mais voz naquilo que a igreja quer, em
como funciona, e no que oferece, do que a Palavra de Deus. Os pastores
negligenciam a supervisão do culto, que lhes compete, inclusive o
conteúdo doutrinário da música. À medida que a autoridade bíblica foi
abandonada na prática, que suas verdades se enfraqueceram na consciência
cristã, e que suas doutrinas perderam sua proeminência, a igreja foi
cada vez mais esvaziada de sua integridade, autoridade moral e
discernimento.
Em lugar de adaptar a fé cristã para satisfazer as necessidades sentidas
dos consumidores, devemos proclamar a Lei como medida única da justiça
verdadeira, e o evangelho como a única proclamação da verdade salvadora.
A verdade bíblica é indispensável para a compreensão, o desvelo e a
disciplina da igreja.
A Escritura deve nos levar além de nossas necessidades percebidas para
nossas necessidades reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por
meio das imagens sedutoras, clichês, promessas e prioridades da cultura
massificada. É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos
corretamente e abrimos os olhos para a provisão de Deus para a nossa
sociedade. A Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja.
Os sermões precisam ser exposições da Bíblia e de seus ensino, não a
expressão de opinião ou de idéias da época. Não devemos aceitar menos do
que aquilo que Deus nos tem dado.
A obra do Espírito Santo na experiência pessoal não pode ser
desvinculada da Escritura. O Espírito não fala em formas que independem
da Escritura. À parte da Escritura nunca teríamos conhecido a graça de
Deus em Cristo. A Palavra bíblica, e não a experiência espiritual, é o
teste da verdade.
Tese 1: Sola Scriptura
Reafirmamos a Escritura inerrante como fonte única de revelação divina
escrita, única para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina
tudo o que é necessário para nossa salvação do pecado, e é o padrão pelo
qual todo comportamento cristão deve ser avaliado.
Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a
consciência de um crente, que o Espírito Santo fale independentemente
de, ou contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência
pessoal possa ser veículo de revelação.
SOLO CHRISTUS: A EROSÃO DA FÉ CENTRADA EM CRISTO
À medida que a fé evangélica se secularizou, seus interesses se
confundiram com os da cultura. O resultado é uma perda de valores
absolutos, um individualismo permissivo, a substituição da santidade
pela integridade, do arrependimento pela recuperação, da verdade pela
intuição, da fé pelo sentimento, da providência pelo acaso e da
esperança duradoura pela gratificação imediata. Cristo e sua cruz se
deslocaram do centro de nossa visão.
Tese 2: Solus Christus
Reafirmamos que nossa salvação é realizada unicamente pela obra
mediatória do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação por
si só são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai.
Negamos que o evangelho esteja sendo pregado se a obra substitutiva de
Cristo não estiver sendo declarada e a fé em Cristo e sua obra não
estiver sendo invocada.
SOLA GRATIA: A EROSÃO DO EVANGELHO
A Confiança desmerecida na capacidade humana é um produto da natureza
humana decaída. Esta falsa confiança enche hoje o mundo evangélico –
desde o evangelho da auto-estima até o evangelho da saúde e da
prosperidade, desde aqueles que já transformaram o evangelho num produto
vendável e os pecadores em consumidores e aqueles que tratam a fé
cristã como verdadeira simplesmente porque funciona. Isso faz calar a
doutrina da justificação, a despeito dos compromissos oficiais de nossas
igrejas.
A graça de Deus em Cristo não só é necessária como é a única causa
eficaz da salvação. Confessamos que os seres humanos nascem
espiritualmente mortos e nem mesmo são capazes de cooperar com a graça
regeneradora.
Tese 3: Sola Gratia
Reafirmamos que na salvação somos resgatados da ira de Deus unicamente
pela sua graça. A obra sobrenatural do Espírito Santo é que nos leva a
Cristo, soltando-nos de nossa servidão ao pecado e erguendo-nos da morte
espiritual à vida espiritual.
Negamos que a salvação seja em qualquer sentido obra humana. Os métodos,
técnicas ou estratégias humanas por si só não podem realizar essa
transformação. A fé não é produzida pela nossa natureza não-regenerada.
SOLA FIDE: A EROSÃO DO ARTIGO PRIMORDIAL
A justificação é somente pela graça, somente por intermédio da fé,
somente por causa de Cristo. Este é o artigo pelo qual a igreja se
sustenta ou cai. É um artigo muitas vezes ignorado, distorcido, ou por
vezes até negado por líderes, estudiosos e pastores que professam ser
evangélicos. Embora a natureza humana decaída sempre tenha recuado de
professar sua necessidade da justiça imputada de Cristo, a modernidade
alimenta as chamas desse descontentamento com o Evangelho bíblico. Já
permitimos que esse descontentamento dite a natureza de nosso ministério
e o conteúdo de nossa pregação.
Muitas pessoas ligadas ao movimento do crescimento da igreja acreditam
que um entendimento sociológico daqueles que vêm assistir aos cultos é
tão importante para o êxito do evangelho como o é a verdade bíblica
proclamada. Como resultado, as convicções teológicas freqüentemente
desaparecem, divorciadas do trabalho do ministério. A orientação
publicitária de marketing em muitas igrejas leva isso mais adiante,
apegando a distinção entre a Palavra bíblica e o mundo, roubando da cruz
de Cristo a sua ofensa e reduzindo a fé cristã aos princípios e métodos
que oferecem sucesso às empresas seculares.
Embora possam crer na teologia da cruz, esses movimentos a verdade estão
esvaziando-a de seu conteúdo. Não existe evangelho a não ser o da
substituição de Cristo em nosso lugar, pela qual Deus lhe imputou o
nosso pecado e nos imputou a sua justiça. Por ele Ter levado sobre si a
punição de nossa culpa, nós agora andamos na sua graça como aqueles que
são para sempre perdoados, aceitos e adotados como filhos de Deus. Não
há base para nossa aceitação diante de Deus a não ser na obra salvífica
de Cristo; a base não é nosso patriotismo, devoção à igreja, ou
probidade moral. O evangelho declara o que Deus fez por nós em Cristo.
Não é sobre o que nós podemos fazer para alcançar Deus.
Tese 4: Sola Fide
Reafirmamos que a justificação é somente pela graça somente por
intermédio da fé somente por causa de Cristo. Na justificação a retidão
de Cristo nos é imputada como o único meio possível de satisfazer a
perfeita justiça de Deus.
Negamos que a justificação se baseie em qualquer mérito que em nós possa
ser achado, ou com base numa infusão da justiça de Cristo em nós; ou
que uma instituição que reivindique ser igreja mas negue ou condene sola
fide possa ser reconhecida como igreja legítima.
SOLI DEO GLORIA: A EROSÃO DO CULTO CENTRADO EM DEUS
Onde quer que, na igreja, se tenha perdido a autoridade da Bíblia, onde
Cristo tenha sido colocado de lado, o evangelho tenha sido distorcido ou
a fé pervertida, sempre foi por uma mesma razão. Nossos interesses
substituíram os de Deus e nós estamos fazendo o trabalho dele a nosso
modo. A perda da centralidade de Deus na vida da igreja de hoje é comum e
lamentável. É essa perda que nos permite transformar o culto em
entretenimento, a pregação do evangelho em marketing, o crer em técnica,
o ser bom em sentir-nos bem e a fidelidade em ser bem-sucedido. Como
resultado, Deus, Cristo e a Bíblia vêm significando muito pouco para nós
e têm um peso irrelevante sobre nós.
Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os
apetites de consumo, ou nossos interesses espirituais particulares.
Precisamos nos focalizar em Deus em nossa adoração, e não em satisfazer
nossas próprias necessidades. Deus é soberano no culto, não nós. Nossa
preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos próprios
impérios, popularidade ou êxito.
Tese 5: Soli Deo Gloria
Reafirmamos que, como a salvação é de Deus e realizada por Deus, ela é
para a glória de Deus e devemos glorificá-lo sempre. Devemos viver nossa
vida inteira perante a face de Deus, sob a autoridade de Deus, e para
sua glória somente.
Negamos que possamos apropriadamente glorificar a Deus se nosso culto
for confundido com entretenimento, se negligenciarmos ou a Lei ou o
Evangelho em nossa pregação, ou se permitirmos que o afeiçoamento
próprio, a auto-estima e a auto-realização se tornem opções alternativas
ao evangelho.
UM CHAMADO AO ARREPENDIMENTO E A REFORMA
A fidelidade da Igreja evangélica no passado contrasta fortemente com
sua infidelidade no presente. No princípio deste mesmo século, as
igrejas evangélicas sustentavam um empreendimento missionário admirável e
edificaram muitas instituições religiosas para servir a causa da
verdade bíblica e do reino de Cristo. Foi uma época em que o
comportamento e as expectativas cristãs diferiam sensivelmente daquelas
encontradas na cultura. Hoje raramente diferem. O mundo evangélico de
hoje está perdendo a sua fidelidade bíblica, sua bússola moral e seu
zelo missionário.
Arrependamo-nos de nosso mundanismo. Fomos influenciados pelos
“evangelhos” de nossa cultura secular, que não são o evangelho
autêntico. Enfraquecemos a igreja pela nossa própria falta de
arrependimento sério, tornamo-nos cegos aos nossos pecados que vemos tão
claramente em outras pessoas, e é indesculpável nosso erro de não falar
às pessoas adequadamente sobre a obra salvadora de Deus em Cristo
Jesus.Também apelamos sinceramente a outros evangélicos professos que se
tenham desviado da Palavra de Deus nos assuntos discutidos nesta
declaração (…).
A Aliança de Evangélicos Confessionais pede que todos os crentes dêem
consideração à implementação desta declaração no culto, ministério,
política, vida e evangelismo da igreja.
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