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Por Ronaldo Lidório
‘Amar é um processo, uma caminhada. Nós não nascemos amando.’
Vivemos
uma época em que as coisas periféricas da vida estão substituindo os
conteúdos essenciais da fé cristã, desviando os crentes da prática de um
cristianismo bíblico e simples. Hoje, um sem-número de demandas fazem
com que nossa atenção, energias, dons e relacionamentos se desgastem nas
notas de rodapé de uma religiosidade quase vazia.
Dentre
as coisas essenciais da vida cristã, não há como perder de vista o
amor. Preocupo-me quando apregoamos uma verdadeira espiritualidade, mas
não amamos. Algo está muito errado quando a igreja não consegue chorar
com os que choram ou quando nossos relacionamentos vão se tornando cada
vez menos sinceros e mais utilitários. Parece que o mundo age com mais
graça e misericórdia com o caído do que o povo de Deus, que deveria
ajudá-lo a se erguer. Quando a igreja passa a definir sua experiência de
fé a partir de seus ajuntamentos solenes, e não dos seus
relacionamentos diários, é hora de parar e pensar sobre o que temos
feito do Evangelho.
Ao escrever sua primeira carta à
igreja de Corinto, Paulo reserva os capítulos 12 e 14 para explanar
acerca dos dons espirituais, pois era um assunto de interesse e
necessidade. Ali, o apóstolo elaborou um dos textos mais definidores da
nossa fé, o de I Coríntios 13, que nos apresenta a centralidade do amor
na vivência cristã. O escritor adverte a comunidade cristã sobre o risco
de se construir uma igreja com aparência, forma e discurso espiritual,
mas de fato carnal; uma igreja com a manifestação de dons espirituais,
mas sem o essencial da fé. A mensagem é clara: o amor é superior aos
dons. Sempre temo reler os três primeiros versículos deste capítulo,
pois confrontam minha vida ao afirmar que posso ter dons espirituais,
uma fé enorme ou praticar toda sorte de ações sociais e, no entanto,
nada disso ser aproveitado caso seja feito sem amor. O amor, como aqui
exposto, não é apenas superior aos dons, mas um marcador de nossa
identidade cristã. Somos dele quando buscamos amar.
Isso
significa que nossa vida em Cristo não pode ser definida puramente pelos
dogmas que entendemos e aceitamos, por um lado, nem mesmo pelas
experiências de espiritualidade que vivenciamos, por outro. Sem amor,
uns e outras serão vazios de significado. Nossa vida em Cristo é
definida pela presença do amor que não apenas é essencial como também é
automanifesto. Para nosso temor e tremor, o Espírito descreve neste
capítulo que o amor é perceptível, deixa marcas. Ele é prático, notável e
visível. Ele é paciente, esperando pela hora oportuna para o outro; é
benigno, fazendo com que a dor do vizinho seja também a nossa. Este amor
não arde em ciúmes, portanto evita comparações e se nega a criticar o
próximo. Torna-se, assim, impossível amar sem estas evidências, ou seja,
sem que as marcas do amor sejam vistas pelos que passam pela mesma
estrada que nós. Precisamos amar o próximo, no mínimo, para não
criticá-lo. Este próximo, o outro, diferente de nós, é nossa base de
testes, o cenário onde devemos aprender a praticar o ato mais sublime
que vem do Pai.
O amor prova a espiritualidade. Somos
naturalmente seres construtores de máscaras e tais máscaras tendem a
esconder aquilo que é nitidamente carnal e vergonhoso. Assim, usando
máscaras bem elaboradas, podemos falar sobre fé sem de fato crer; pregar
contra o pecado sem intimamente repudiá-lo; expor sobre o amor e na
manhã seguinte prejudicar o irmão. Um mecanismo que claramente prova
nossa espiritualidade é este: atos de amor.
O oposto do
amor também é evidente. Gera incrível tolerância com nossas próprias
limitações e fraquezas e torna-se gravemente intolerante com o próximo.
Desta forma, se alguém conversa com formalidade, é antipático; mas se
nós o fazemos, somos respeitosos. Se alguém brada ao pregar, está sendo
artificial. Se nós bradamos, contudo, é sinal de espiritualidade. Se
alguém não faz algo, é preguiçoso; mas se somos nós que não fazemos, é
porque somos ocupados. Se alguém contrai uma dívida, a nosso juízo é um
irresponsável; contudo, se nós nos endividamos, é porque recebemos
pouco. Se alguém discorda, é soberbo; mas, se nós discordamos, somos
criteriosos.
Para nós, se alguém critica, ele o
faz por estar tomado de inveja ou ciúmes. Se nós criticamos, no entanto,
estamos sendo zelosos. Se alguém repete um sermão, está sendo
desleixado; mas, se somos nós que incorremos nesta prática, é porque
“Deus quer falar novamente ao seu povo”. Se alguém erra, pensamos assim:
“Era de se esperar” – mas, se o erro é nosso, ora, errar é humano... Se
alguém cai, temos pronta a opinião de que suas atitudes carnais já
indicavam esta possibilidade. Mas se nós caímos, é porque o inimigo
preparou-nos uma armadilha. Se alguém brinca, está sendo mundano. Se nós
brincamos, somos informais. Se alguém ofende no falar, é descontrolado;
se nós o fazemos, somos sinceros. E por aí vai. Sim, o amor testa a
espiritualidade.
Do versículo nove em diante, vemos que o
amor é um aprendizado. Eu era menino e agora sou homem; via de forma
obscura e agora vejo claramente. Ou seja, amar é um processo, uma
caminhada. Nós não nascemos amando.
Para amarmos devemos
pedir que o Senhor nos ajude. O salmista, no Salmo 119.2, afirma que
andará nos caminhos do Senhor quando Ele dilatar o seu coração.
Precisamos de corações dilatados, abertos, prontos para amar. Peçamos ao
Pai, pensando nos cenários diários de nossas vidas, dizendo: ensina-me a
amar. Para amar precisarmos também nos desapegar daquilo que é
incompatível com o amor. John Edwards, em seu livro Afeto religioso, nos
fala sobre a incompatibilidade do amor com as palavras de agressão.
Devemos nos desprender daquilo que pretere o amor em nossas vidas.
Jamais amaremos enquanto nossa agenda diária estiver repleta de
competitividade, ciúmes, falso zelo, comparações desnecessárias, soberba
e agressões.
Lutero, citado por Mahaney em seu livro
From Glory to Glory, nos disse que “esta vida, portanto, não é justiça,
mas crescimento em justiça. Não é saúde, mas cura. Não é ser, mas se
tornar. Não é descansar, mas exercitar. Ainda não somos o que seremos,
mas estamos crescendo nesta direção. O processo ainda não está
terminado, mas vai prosseguindo. Não é o final, mas é a estrada. Todas
as coisas ainda não brilham em glória, mas todas as coisas vão sendo
purificadas”.
Após pregar sobre os essenciais da nossa fé,
na Igreja Konkomba de Gana em 1999, lembro-me que um dos crentes me
procurou após o culto perguntando: “Por onde devo começar?” Fui para
casa pensando nesta pergunta. No outro dia, o procurei e rapidamente
encontrei-o embaixo de uma árvore rodeado por amigos em alegre conversa.
Sentei-me ao seu lado e sussurrei no seu ouvido: “Comece procurando
aquele com o qual você foi intolerante, e não amou como Cristo”. Após um
minuto pensando, ele se levantou e saiu caminhando com passos curtos e
lentos. Santa caminhada. Não é atitude fácil, mas certamente alegra o
coração daquele que é Amor.
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