Para sermos curados, temos de querer ser curados. Todo aquele que
pede socorro será atendido; porém, para o homem moderno, até mesmo esse
desejo sincero é difícil de ter. E fácil pensar que queremos algo quando
na verdade não o queremos. Um cristão famoso, de tempos antigos, disse
que, quando era jovem, implorava constantemente pela castidade; anos
depois, se deu conta de que, quando seus lábios pronunciavam “ó Senhor,
fazei-me casto”, seu cotação acrescentava secretamente as palavras:
“Mas, por favor, que não seja agora.” Isso também pode acontecer nas
preces em que pedimos outras virtudes; mas há três motivos que tornam
especialmente difícil desejar — quanto mais alcançar – a perfeita
castidade.
Em primeiro lugar, nossa natureza pervertida, os demônios que nos
tentam e a propaganda a favor da luxúria associam-se para nos fazer
sentir que os desejos aos quais resistimos são tão “naturais”,
“saudáveis” e razoáveis que essa resistência é quase uma perversidade e
uma anomalia. Cartaz após cartaz, filme após filme, romance após romance
associam a idéia da libertinagem sexual com as idéias de saúde,
normalidade, juventude, franqueza e bom humor. Essa associação é uma
mentira. Como toda mentira poderosa, é baseada numa verdade – a verdade
reconhecida acima de que o sexo (à parte os excessos e as obsessões que
cresceram ao seu redor) é em si “normal”, “saudável” etc. A mentira
consiste em sugerir que qualquer ato sexual que você se sinta tentado a
desempenhar a qualquer momento seja também saudável e normal. Isso é
estapafúrdio sob qualquer ponto de vista concebível, mesmo sem levar em
conta o cristianismo. A submissão a todos os nossos desejos obviamente
leva à impotência, à doença, à inveja, à mentira, à dissimulação, a
tudo, enfim, que é contrário à saúde, ao bom humor e à franqueza. Para
qualquer tipo de felicidade, mesmo neste mundo, é necessário
comedimento. Logo, a afirmação de que qualquer desejo é saudável e
razoável só porque é forte não significa coisa alguma. Todo homem são e
civilizado deve ter um conjunto de princípios pelos quais rejeita alguns
desejos e admite outros. Um homem se baseia em princípios cristãos,
outro se baseia em princípios de higiene, e outro, ainda, em princípios
sociológicos. O verdadeiro conflito não é o do cristianismo contra a
“natureza”, mas dos princípios cristãos contra outros princípios de
controle da “natureza”. A “natureza” (no sentido de um desejo natural)
terá de ser controlada de um jeito ou de outro, a não ser que queiramos
arruinar nossa vida. E bem verdade que os princípios cristãos são mais
rígidos que os outros; no entanto, acreditamos que, para obedecer-lhes,
você poderá contar com uma ajuda que não terá para obedecer aos outros.
Em segundo lugar, muitas pessoas se sentem desencorajadas de tentar
seriamente seguir a castidade cristã porque a consideram impossível
(mesmo antes de tentar). (…) Podemos ter certeza de que a castidade
perfeita — como a caridade perfeita — não será alcançada pelo mero
esforço humano. Você tem de pedir a ajuda de Deus. Mesmo depois de
pedir, poderá ter a impressão de que a ajuda não vem, ou vem em dose
menor que a necessária. Não se preocupe. Depois de cada fracasso,
levante-se e tente de novo. Muitas vezes, a primeira ajuda de Deus não é
a própria virtude, mas a força para tentar de novo. Por mais importante
que seja a castidade (ou a coragem, a veracidade ou qualquer outra
virtude), esse processo de treinamento dos hábitos da alma é ainda mais
valioso. Ele cura nossas ilusões a respeito de nós mesmos e nos ensina a
confiar em Deus. Aprendemos, por um lado, que não podemos confiar em
nós mesmos nem em nossos melhores momentos; e, por outro, que não
devemos nos desesperar nem mesmo nos piores, pois nossos fracassos são
perdoados. A única atitude fatal é se dar por satisfeito com qualquer
coisa que não a perfeição.
Em terceiro lugar, as pessoas muitas vezes não entendem o que a
psicologia quer dizer com “repressão”. Ela nos ensinou que o sexo
“reprimido” é perigoso. Nesse caso, porém, “reprimido” é um termo
técnico: não significa “suprimido” no sentido de “negado” ou “proibido”.
Um desejo ou pensamento reprimido é o que foi jogado para o fundo do
subconsciente (em geral na infância) e só pode surgir na mente de forma
disfarçada ou irreconhecível. Ao paciente, a sexualidade reprimida não
parece nem mesmo ter relação com a sexualidade. Quando um adolescente ou
um adulto se empenha em resistir a um desejo consciente, não está
lidando com a repressão nem corre o risco de a estar criando. Pelo
contrário, os que tentam seriamente ser castos têm mais consciência de
sua sexualidade e logo passam a conhecê-la melhor que qualquer outra
pessoa. Acabam conhecendo seus desejos como Wellington conhecia Napoleão
ou Sherlock Holmes conhecia Moriarty; como um apanhador de ratos
conhece ratos ou como um encanador conhece um cano com vazamento. A
virtude – mesmo o esforço para alcançá-la — traz a luz; a libertinagem
traz apenas brumas.
Para encerrar, apesar de eu ter falado bastante a respeito de sexo,
quero deixar tão claro quanto possível que o centro da moralidade cristã
não está aí. Se alguém pensa que os cristãos consideram a falta de
castidade o vício supremo, essa pessoa está redondamente enganada. Os
pecados da carne são maus, mas, dos pecados, são os menos graves. Todos
os prazeres mais terríveis são de natureza puramente espiritual: o
prazer de provar que o próximo está errado, de tiranizar, de tratar os
outros com desdém e superioridade, de estragar o prazer, de difamar. São
os prazeres do poder e do ódio. Isso porque existem duas coisas dentro
de mim que competem com o ser humano em que devo tentar me tornar. São
elas o ser animal e o ser diabólico. O diabólico é o pior dos dois. E
por isso que um moralista frio e pretensamente virtuoso que vai
regularmente à igreja pode estar bem mais perto do inferno que uma
prostituta. É claro, porém, que é melhor não ser nenhum dos dois.
Extraído do livro Cristianismo Puro e Simples (Editora Martins Fontes)
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