Por Solano Portela
Vivemos em uma era de ressurgimento da espiritualidade. Durante décadas a
ênfase foi na racionalidade e no raciocínio horizontal das pessoas,
onde a religiosidade era considerada algo supérfluo e incômodo. Quem
sabe, nos diziam, com mais alguns milhares de anos de evolução
chegaremos à pura racionalidade e deixaremos todos essas manifestações
religiosas como um resquício do passado animal da humanidade. No
entanto, autores e psicólogos famosos, como Maslow (Abraham Harold
Maslow: 1908-1970, que chegou a presidir a Associação Americana de
Psicologia), passaram a tratar as experiências místicas, religiosas,
transcendentais e espirituais, não somente como normais, mas como
desejáveis na integração da personalidade. Espaço estava aberto, no
campo secular e no ápice da pirâmide, para o abraçar, sem
constrangimentos, da espiritualidade latente às pessoas.
Se há essa avidez por experiências
espirituais em nossa sociedade como um todo, não é de espantar que as
obras e autores no campo evangélico também viessem a se multiplicar, e
não somente com autores do meio. Vários escritores católico-romanos
foram agregados às publicações e catálogos de editoras evangélicas. Essa
tendência segui-se a um interesse crescente pelos escritos de místicos
medievais, tais como Tereza D’Ávila (1515-1582) e Thomas a Kempis
(1379-1471). Surpreendentemente, vários autores liberais também
embarcaram nessa apreciação, como Karen Armstrong (1944 -), que
escreveu, “Visões de Deus: Quatro místicos medievais e seus escritos”
(Visions of God: Four Medieval Mystics and their Writings, 1994). Em
adição a isso, o cenário evangélico contemporâneo, dominado pelo
subjetivismo e misticismo do neo-pentecostalismo, abunda em expressões
que aparentam promover a espiritualidade, mas por vezes pouco têm a ver
com os ensinamentos bíblicos.
A teologia reformada, que aceita a
Escritura Sagrada como fonte de autoridade de conhecimento,
especialmente na instrução religiosa que necessitamos, não tem qualquer
problema com o reconhecimento de que o homem é um ser religioso (Romanos
2.15). Formado à imagem e semelhança de Deus, ele não se auto-completa
em si mesmo, mas anseia pelo conhecimento e relacionamento com o
transcendente. No entanto, a própria Escritura alerta que essa
religiosidade se apresenta distorcida pelo pecado (Romanos 1.19-23).
Espiritualidade, sem a diretriz da Palavra de Deus; sem o solo fértil de
um coração transformado pelo Espírito Santo, baseado na obra redentora
de Cristo Jesus; sem o poder do Evangelho para dar o entendimento e
canalizar a devoção ao Deus verdadeiro; é algo mortal, enganador, que
leva à destruição.
Por isso devemos procurar a verdadeira
espiritualidade. Aquela que leva os nosso pensamentos ao Deus
verdadeiro, em ação de graças por tudo quanto nos fez; aquela que
procura estudar e aplicar os princípios normativos de Deus à nossas
vidas; aquela que reconhece a centralidade de Jesus Cristo em todas as
coisas (Romanos 11.36). Precisamos, portanto, fugir do subjetivismo que
tem mirrado as mentes cristãs. Precisamos voltar à revelação
proposicional e objetiva da Palavra de Deus. Não podemos nos deslumbrar
ou nos enganar com a pretensa super-espiritualidade contemporânea, que
pretendendo estar mais próxima de Deus em um enlevo místico-misterioso,
no qual dialoga-se com Deus, recebe-se revelações; fala-se muito em
amor, em vida, em ministério, em pregação, em poder, em maravilhas, em
atividades, em louvor; enquanto que progressiva e paralelamente há
demonstração de afastamento e desprezo para com a única fonte de
revelação objetiva que Deus nos legou: As Sagradas Escrituras. Nessa
jornada, não me empolgo com personalidades do passado, recicladas nesta
onda mística, mas que compartilhavam a sua confiança de redenção em
outros intermediários diversos, que não o Senhor Jesus Cristo.
Meditemos na pessoa e nos atos de Deus e
em nossas responsabilidades para com Ele. Enraizemos o meditar nas
Escrituras Sagradas. Ela serve de fio de prumo e de bússola ao nosso
caminhar. Essa é a verdadeira espiritualidade, fundamentada na Palavra
de Deus. Aquela que conduz à modificação de comportamentos estranhos às
prescrições divinas, e que procura honrar a Deus na proclamação de Sua
Palavra. Essa espiritualidade é reflexo da verdadeira teologia da
reforma, que não é fria ou distanciada; que não é simplesmente acadêmica
ou estéril; mas que é viva e produz frutos abundantes na disseminação
do Reino de Deus, para a Sua glória.
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