Por Johnny Bernardo
O paralelo entre o
espiritual e o material (ou social) há séculos é interpretado de
diversas maneiras. A grande dificuldade é em saber quais os limites
entre a vida espiritual de um adepto, e sua realidade social. De forma
geral, todas as religiões interferem de alguma forma no cotidiano de
seus seguidores.
Questões associadas à
vestimenta, à alimentação, ao entretenimento são discutíveis em grupos
religiosos pertencentes, por exemplo, ao cristianismo e ao islamismo.
Outras restrições, como a do acesso aos meios de comunicação (televisão,
rádio, revistas) e a publicação de listas de “livros proibidos” aos
membros ou cidadãos de um país confessional, também são interferências
diretas na forma de vida dos indivíduos.
No Irã – e em outros
países islâmicos confessionais, dirigidos com base na Sharia – a
religião não é simplesmente um elemento social, parte de um contexto
geral da sociedade, mas permeia todos os aspectos sociais dos iranianos,
com restrições e punições igualmente severas. A execução de 16 rebeldes
opositores, neste sábado (26), no Irã, e a postagem de vídeos por uma
muçulmana dirigindo, na Arábia Saudita – é proibido às mulheres
dirigirem -, são dois exemplos recentes. De forma semelhante, a religião
também é usada em alguns países ocidentais como um mecanismo de
controle, de influência política.
Mesmo com o avanço da
democracia, da laicidade do Estado, a religião ainda é um elemento que
exerce forte influência em governos, em discussões de abrangência
universais. Há séculos o Catolicismo Romano se utiliza de mecanismos de
submissão, seja quando das cruzadas, das inquisições, dos cerceamentos
científicos, da indução ao belicismo e aos conflitos étnicos.
Aspectos
constitucionais, das leis, em muitas ocasiões são desrespeitados por
denominações religiosas, como os que praticam a poligamia nos EUA (ver
Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias), ou
que induzem seus membros a doarem mais do que o necessário para à
manutenção de sua estrutura organizacional. Neste segundo aspecto, o
neopentecostalismo brasileiro se destaca pelo o fato de que exerce forte
domínio psicológico sobre seus adeptos.
O fanatismo religioso –
particularmente no que se refere às igrejas pentecostais extremistas, a
exemplo da Igreja Deus é Amor, Sinos de Belém Missão das Primícias e
Congregação Cristã no Brasil, para citar algumas igrejas – se traduz
pelo o que o membro pode ou não fazer ou ser. Por exemplo, a
persistência da IPDA em proibir o acesso à televisão, à vestimenta já
adotada por outras igrejas, à prática esportiva e ao entretenimento,
interfere de forma radical na vida de seus membros.
Apesar das restrições
impostas pela IPDA, a tendência é de que, futuramente – como em uma
eventual ausência de seu líder máximo, David Miranda -, ocorram mudanças
semelhantes as que vêm ocorrendo nas Assembleias de Deus –
particularmente desde que a televisão e os usos e costumes foram
liberados aos membros. A dificuldade de assimilação dos limites entre o
espiritual e o social é um sério problema porque gera transtornos
dificilmente irreparáveis na medida em que a capacidade crítica, de
vivência social, de um fiel é seriamente prejudicada e limitada.
Há questões econômicas,
de controle, por trás do fanatismo religioso que ultrapassa os limites
pentecostais, cristãos, e que são perceptíveis na forma como
organizações com forte atuação no Brasil (como as Testemunhas de Jeová)
se articulam no cenário religioso. Nas TJ, a maneira quase militarizada
como seus membros são organizados, e a influência exercida sobre as
famílias (inclusive com proibições de contato com membros disciplinados –
a preguiça também é tida como aspecto passível de disciplina) são
retratados em filmes como To Verdener (Mundos Separados).
Produzido pelo
dinamarquês Niels Arden Oplev, em 2008, To Verdener retrata a história
de Sara (Rosalinde Mynster), uma jovem de 17 anos que foi criada com
base nos ensinos das Testemunhas de Jeová, e que se vê em situação de
conflito após iniciar um relacionamento com o ateu Teis (Johan Philip
Asbaek). Disciplinada pelos anciões de sua congregação, Sara passa a ser
rejeitada por sua própria família. O enredo, baseado em uma história
verídica, é algo comum nas TJ.
Manipulação, restrições,
cerceamentos, mortificações, são mecanismos de controle psicológico,
característico de grupos destrutivos, e que visam explorar
financeiramente adeptos. Novamente, todas as religiões possuem algum
nível de influência no cotidiano de seus membros, mesmo que em alguns
casos de forma não perceptível ou racional. Neopentecostais,
pseudocristãos, são citados como exemplos, mas há inúmeros outros que se
enquadram na proposta de análise da matéria.
Resumindo, o ponto
principal a ser tomado como foco de análise é até que ponto uma religião
pode interferir na vida de um adepto? Restrições como a de acesso a
livros, a da ingestão de certos alimentos (como café e chá preto, no
caso do Mormonismo), à participação em eventos festivos, recreativos ou
de entretenimento (como no caso de algumas igrejas pentecostais, a
exemplo da IPDA), de inserção em cursos universitários (como no caso das
Testemunhas de Jeová), e aos direitos da mulher (como no caso do
islamismo), são questões a serem investigadas mais de perto.
Fonte: NAPEC
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