Por Jorge Fernandes Isah
Há aqueles que não
acreditam no atributo da imutabilidade, confundindo Deus com um ser
estático, imóvel. A imutabilidade não implica, jamais, em inatividade,
em um Deus imóvel e passivo. Sabemos que Deus é o Senhor da História, de
que ele age ativa e incessantemente, de forma que, se não fosse por
ele, nada do que existe se manteria e sustentaria. Ele é aquele que
sustenta todo o universo, mesmo as partículas invisíveis e muitas coisas
que o homem ainda desconhece da criação. Deus é imutável em seu ser e
propósitos, o que não quer dizer que ele esteja paralisado, mas que tudo
acontecerá conforme a sua vontade imutável, segundo o seu decreto
imutável, de forma que tudo é por ele e para ele. Ainda que os planos
divinos se desdobrem e se realizem progressivamente no tempo, eles
acontecerão conforme a sua imutável vontade, sem que possam ser
revertidos, anulados ou modificados.
Quando alguém diz que a
imutabilidade é um “engessar” de Deus, ele não entende do que está
falando. Deus decretou, ordenou, planejou e executou todas as coisas,
sem que elas possam não-acontecer. Jó, mesmo diante do sofrimento pelo
qual passava, reconheceu que Deus tudo pode, e nenhum dos seus planos
pode ser frustrado [Jó 42.2]. Salomão também compreendeu esse atributo
maravilhoso: “Muitos propósitos há no coração do homem, porém o conselho
do Senhor permanecerá” [Pv 19.21]. Ainda mais contundente é a afirmação
do profeta: “O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim
sucederá, e como determinei, assim se efetuará... Porque o Senhor dos
Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida;
quem pois a fará voltar atrás?” [Is 14.24, 27 – ver Is 43.13].
Ele não criou o mundo e
abandonou-o. Mas todas as coisas surgem e acontecem pelo seu santo,
perfeito e imutável projeto; cada coisa no universo existe, se move e
vive pelo agir divino, pelo seu poder infinito de ordená-las. Porém,
sempre aparecerá alguém a dizer que Deus mudou ou se arrependeu. Mas o
Deus perfeito, infinito, santo e imutável pode mudar? Haveria
contradição entre o que ele mesmo afirma em sua palavra e entre o que
alguns afirmam? Deus abriria mão da sua imutabilidade, o que vale dizer,
da sua divindade, para ser o não-Deus? Por que ele faria isso? E, pode
Deus deixar de ser Deus? A verdade é que, como sempre, a compreensão
humana está sujeita às falhas e imperfeições naturalmente disponíveis em
seu ser. Quando o homem deixa de reconhecer em Deus aquilo que ele
mesmo diz de si mesmo para dar vazão às suas elucubrações, como se fosse
possível a Deus ser comparado aos homens, as chances de acertos, mesmo
mínimos, tornam-se irrisórias. O que muitos fazem é transferir para ele
parte da natureza humana, confundindo a linguagem humana, pela qual Deus
se deu a conhecer ao homem, com o caráter e a natureza divina.
Os nomes de Deus, que
foram estudados algumas aulas atrás, atestam a manifestação divina de
várias formas, mas em todas elas, ele permanece imutável. Sendo Criador,
Senhor, Salvador, Juiz, Libertador, Providente, etc, Deus se revela aos
homens de maneiras diversas, em cada curso da história ele poderá se
manifestar através de características diferentes, contudo, permanecendo o
mesmo.
Na Escritura encontramos
Deus se dando a conhecer a partir de sentimentos e reações humanas, o
que se chama de antropopatismo, que nada mais é do que a atribuição a
ele de qualidades humanas, ou análogas a outros seres; ele é chamado do
“Leão da Tribo de Judá”, Rocha, Pastor, Refúgio. Com isso não se quer
dizer que ele seja um mamífero ou um mineral ou uma casa. São recursos
de linguagem que o próprio Deus, em sua misericórdia e bondade, se deu a
comparar para que pudéssemos conhecê-lo. O ser divino, como já
estudamos, é infinito, infinitamente perfeito, e podemos conhecê-lo
limitadamente [ainda que ele se revele fundamentalmente como Deus]. De
maneira simples, Deus atribui a si mesmo alguns dos sentimentos humanos,
mas que em nada têm a ver com mudança de personalidade, propósito ou
natureza. Trechos como os de Gn 6.6-7, Ex 32.14, Jr 18.8-10 e Jn 3.9-10,
por exemplo, revelam a imutabilidade divina, ao contrário do que se
imaginaria isolando-os e não os relacionando com outras partes da
Escritura. O plano ou decreto eterno permanece inalterado, não estando
sujeito a variações por conta das circunstâncias; mas dentro do seu
plano, Deus mudou de um curso de ação para outro curso de ação, ações
essas que são imutáveis, e que foram estabelecidas pelo próprio Deus. Na
verdade, a mudança não é em Deus, mas no homem e nas relações que o
homem tem com Deus.
No Livro de Jonas, Deus
ordenou que os ninivitas se arrependessem do seu pecado, caso contrário,
em quarenta dias, seriam destruídos. Ao ouvirem a mensagem do profeta, o
rei e o povo se arrependeram, convertendo-se do seu mau caminho, e Deus
anunciou que não os destruiria mais. Houve alguma mudança no propósito
divino? Não. O trato dos ninivitas com Deus é que mudou, de forma que a
ira do Senhor não foi lançada sobre o povo. Mas sabemos que tanto o
arrependimento como o desviar-se dos maus caminhos da cidade de Nínive
estavam dentro do plano divino. A pregação de Jonas, os ninivitas crendo
na palavra profética, e, através da qual se arrependeram, são
particularidades que acompanham a ação, o acontecimento, dentro do plano
divino, o qual é imutável. Vejam que aqui estão presentes também outros
atributos divinos, como a misericórdia, a graça, o perdão de Deus, mas
tudo segundo a sua vontade eterna e soberana, de maneira que não haveria
como os ninivitas não se arrependerem. Contudo a Bíblia também nos
relata sobre povos que foram chamados ao arrependimento e mantiveram-se
endurecidos, e sobre eles sobreveio a ira de Deus, consumindo-os. Em
nenhum dos casos há mudança de propósito, de desígnio, de projeto, mas
de atitudes.
Outro trecho muito usado
para defender a ideia de que Deus é imutável, acontece no livro de 2
Reis. Temos o caso do rei Ezequias, a quem o Senhor disse, através do
profeta Isaías, que morreria por causa de uma doença. Ezequias então
orou a Deus; mas o segredo de Deus era que ele o curaria e lhe daria
mais 15 anos de vida, como de fato sucedeu. Tal acontecimento não indica
contradição ou mudança. A declaração foi feita para humilhar a Ezequias
e revelar-lhe a completa dependência que tinha de Deus, levá-lo a orar,
e, assim, a imutável vontade divina fosse concretizada [2Rs 20.1-7].
De qualquer forma, a
ideia que a Bíblia nos dá do arrependimento divino é precária, mas
suficiente para nos revelar a singularidade e infinitude divinas,
porque há coisas em Deus que são próprias somente dele, e que podem até
ter alguma semelhança com as das criaturas, de forma que são expressos
como se fossem delas, mas não são suficientes para explicar ou definir o
que é exclusivo de Deus. Por exemplo, o termo hebraico traduzido para
"arrependimento de Deus" é Nãham, que traduzido quer dizer tristeza ou
consolo. Já o termo hebraico para o arrependimento humano, o voltar-se
do pecado para Deus, dando-nos a ideia clara de remorso, é Shûb. Ainda
que Deus se arrependa, é-nos claramente revelado que o seu
arrependimento é díspare do nosso, havendo a possibilidade de existir
elementos parecidos, mas, com certeza, não há igualdade entre eles, por
tudo o que Deus é e por tudo o que somos. Mesmo que Deus tenha
sentimentos parecidos com os nossos, em seu ser perfeito, eles também
são perfeitos, e jamais serão iguais aos dos homens.
CONCLUSÃO
A imutabilidade de Deus
nos dá, seres mutáveis e falíveis, a certeza de que somente nele
encontraremos o repouso necessário, a confiança necessária, a esperança
necessária, o ânimo necessário, a vida necessária, e tudo o mais capaz
de nos trazer a segurança de que, apenas nele, estaremos completamente
seguros. Mas isso não se baseia em nossa percepção ou em nossa
capacidade de autoindução [como uma técnica de autoajuda], mas na
certeza de que ele não muda nos compromissos e promessas que jurou, em
seu nome, realizar por nós, e para nós.
Confiar que temos alguma
coisa que possa agradá-lo, quando não há nada em nós que possa
agradá-lo, é transferir para nós o mérito que é somente dele. Por mais
que façamos, por mais que julguemos ter feito em prol do reino de Deus,
isso não será nada diante dele, pois é ele quem, em seu plano imutável,
nos capacitou e nos deu a realizá-lo. Afinal, como seres caídos,
miseráveis, tolos, pecadores e mutáveis podem se aproximar do Deus
absoluto, infinito e perfeito, sem serem consumidos? Apenas através do
Filho Amado, Jesus Cristo, pelo qual somos feitos capazes de não somente
nos aproximar dele, mas de tê-lo como Pai, e de ser tratado por ele
como filhos. A obra maravilhosa de Cristo nos ergueu, limpou e curou, de
maneira que fôssemos aceitos, reconciliados eternamente com ele. E isso
transcende todo o tempo, ainda que realizada no tempo, pois é fruto da
sua vontade e projeto eternos e imutáveis.
Glória e honra e louvor
ao Deus bendito que, dia após dia, nos revela a sua misericórdia e graça
e bondade infinitas para com o seu povo; sem que esse povo tenha feito
algo para merecê-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário