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Por Milton Jr.
1. O problema aparente
Thiago
é um adolescente cristão, filho de um pastor evangélico. Foi criado
segundo os princípios bíblicos e teve uma excelente formação cristã.
Sempre foi atuante na igreja, e em seu lar estava acostumado com a
rotina dos cultos domésticos. Costumava ser frequentemente citado por
aqueles que o conheciam como um bom modelo a ser imitado, contudo, nos
últimos tempos, depois de mudar de escola e fazer uma nova turma de
amigos, Thiago não parecia mais o mesmo. Aquele que sempre foi um moço
bem-educado agora vivia xingando. Os palavrões saiam de seus lábios
com tanta naturalidade e frequência que era impossível não ficar
incomodado e, tudo isso, já estava começando a “pegar mal” para o seu
pai, afinal, filho de pastor não xinga.
Jair
é diácono da igreja. Sempre foi muito responsável com o seu trabalho
e, geralmente, era bastante polido no seu modo de falar. Porém,
algumas pessoas da igreja já tiveram o desprazer de vê-lo irritado e,
quando isso acontecia, aquela linguagem polida dava lugar aos mais
terríveis palavrões. Em casa, sua esposa e filhos eram também, muitas
vezes, insultados com xingamentos, o que levava a brigas ainda
maiores.
O
pastor Enoque, que já vinha se sentindo envergonhado por causa do
linguajar do seu filho Thiago, começou a receber reclamações por parte
dos membros ofendidos pelo diácono Jair. Além disso, a esposa do
diácono também procurou o pastor para queixar-se do modo como o marido
muitas vezes a tratava e de como estavam brigando em decorrência
disso, estavam a ponto de separar-se.
Aparentemente
o problema era o mesmo, um adolescente e um diácono que pecavam
falando palavrões, e foi com esse entendimento que o pastor Enoque
tentou tratar os dois casos.
2. Deus não é um mero extintor de incêndio
Primeiro
o pastor chamou o filho e falou que por causa do seu linguajar, ele,
como pastor da igreja, estava sendo envergonhado e sendo motivo de
chacotas: “o pastor não sabe cuidar nem do filho...”. Abriu a Bíblia
e, citando os textos de Efésios 4.29 e Tito 2.8, afirmou que dizer
palavras torpes é pecado e que Deus puniria o seu pecado. Não haveria
como fugir do juízo de Deus porque o homem colhe o que planta,
esbravejou citando Gálatas 6.7. Se não quisesse experimentar o peso da
mão do Senhor, Thiago deveria imediatamente parar de falar palavrões.
Com
o “sermão” pronto, ficou fácil. O pastor convocou o diácono Jair,
repetiu as mesmas palavras, incluiu alguns versículos que falam sobre o
cuidado do marido em relação à esposa e afirmou que, caso acontecesse
o divórcio, a culpa seria toda do diácono. Se não quisesse sentir o
peso da mão do Senhor e perder a esposa, Jair deveria parar de xingar
as pessoas.
Isso
me faz lembrar de um programa a que assisti com o “Dr. Pet”,
adestrador de animais. Nesse programa ele foi chamado para resolver um
problema com alguns cachorros que viviam brigando. Eram uns cinco ou
seis cachorros de porte grande que, ao serem soltos pelo dono,
começavam a se morder, mesmo com o dono gritando para que parassem. A
solução do Dr. Pet foi fantástica. Instruiu o dono dos animais de que,
munido de um extintor de incêndios, se aproximasse dos cachorros no
momento da briga. Ele teria de dar a ordem: pare!, e em seguida
acionar o extintor em direção aos cães que dispersariam com medo
daquele jato de pó. Isso deveria se repetir algumas vezes, até que os
cães cessassem a briga simplesmente ouvindo o comando para parar. E
foi o que, de fato, aconteceu. Ao ouvir a ordem “pare!”, os cães
associavam ao extintor e, por medo de levar mais um jato, obedeciam.
Apesar
de os personagens citados nos exemplos acima serem fictícios, as
situações descritas não são diferentes daquelas que podemos perceber
todos os dias no cotidiano de muitos cristãos. Pior ainda é saber que a
forma como têm sido tratadas essas questões assemelha-se mais ao
método do Dr. Pet para adestrar os cães que com a perspectiva bíblica
para a mudança de comportamento. Muitos crentes têm evitado o pecado
somente por medo da consequência e não por causa do entendimento de
que devem viver para a glória de Deus (1Co 10.31; Rm 11.36). Para eles,
a ideia de Deus é simplesmente a de um extintor de incêndio pronto
para ser acionado. O pecado é então evitado por causa da consequência
que se sofre e não por causa da ofensa ao Senhor.
O
problema na abordagem descrita é que ela se limita a “tratar” os
sintomas sem descobrir a causa. É como alguém que constantemente sente
dor de cabeça e simplesmente toma um analgésico. Várias são as causas
que podem levar alguém a sofrer com isso, mas, somente como exemplo,
pense na hipertensão. Alguém que tenha “pressão alta” pode
frequentemente sentir dor de cabeça e o analgésico será um simples
paliativo, servindo para mascarar o verdadeiro problema, pois, se não
há dores não há o que se verificar e o problema continuará lá até o
momento de se manifestar de forma mais grave, como um AVC.
Conquanto
os princípios bíblicos citados pelo pastor Enoque sejam verdadeiros,
para que a mudança de comportamento honre ao Senhor ela deve ir além
de regras cumpridas por medo da punição. Não é simplesmente parar de
xingar, mas fazer isso por causa de uma motivação correta. Como então
proceder de forma bíblica a fim de que a mudança seja duradoura e
honre ao Senhor?
3. Um caminho bíblico: tratando o problema na raiz
A
perspectiva bíblica quanto à mudança de comportamento está ligada à
santificação. Como afirma Booth: “A Santificação é um processo
contínuo pelo qual Deus, por sua misericórdia, muda os hábitos e o
comportamento do crente, levando-o a praticar obras piedosas”.[1]
Sabendo que “a Palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do
que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir
alma e espírito, juntas e medulas, e é apta par discernir os
pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12), precisamos recorrer a
ela para entender não só como agimos, mas por que agimos como agimos.
É
muito importante entender que, na dinâmica da igreja, somos
responsáveis por “admoestar uns aos outros” (cf. Rm 15.14). Como
indica o excelente livro do Dr. Paul Tripp, somos “Instrumentos nas
mãos do Redentor – pessoas que precisam ser transformadas ajudando
pessoas que precisam de transformação”.[2] Para isso precisamos entender três princípios:
1. O homem é governado pelo coração –
Ao advertir os discípulos que não procurassem ajuntar tesouros na
terra, mas no céu, Jesus afirmou: “porque, onde está o teu tesouro, aí
estará também o teu coração” (Mt 6.19-21). O ensino aqui é evidente.
Buscamos aquilo ao qual damos maior valor em nosso coração. Se os
discípulos tivessem como “tesouro” os bens, era isso que governaria
seus corações e motivaria as suas ações, mas se o “tesouro” fosse o
Reino de Deus e sua justiça, agiriam em conformidade com a justiça do
Senhor. Foi também o Senhor Jesus quem afirmou que do coração procedem
os maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, falsos
testemunhos, blasfêmias (Mt 15.19) e que a boca fala do que está cheio
o coração (Mt 12.34).
Por
causa de tudo isso é que o livro de Provérbios orienta: “Sobre tudo o
que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes
da vida” (Pv 4.23).
Se
o pastor Enoque tivesse esse entendimento conseguiria verificar que o
problema do seu filho e do diácono não era simplesmente o linguajar
torpe, mas aquilo que estava governando seus corações em lugar do
Senhor. No caso do filho o desejo de ser aceito no novo grupo de
amigos, no caso do diácono, o desejo de ser ouvido e respeitado.
Mas como o pastor Enoque chegaria a essa conclusão? Observando o próximo princípio.
2. Pessoas e circunstâncias revelam o nosso coração –
De um modo geral a tendência do homem, ao pecar, é colocar a culpa em
outras pessoas ou nas circunstâncias. Porém, diante da verdade
bíblica de que somos dirigidos pelo nosso coração, devemos entender
que pessoas e circunstâncias simplesmente revelam o que está em nosso
coração, elas servem como a antiga pomada de basilicão, usada em
pessoas com furúnculos. Ao ser aplicada a pomada “trazia para fora” o
carnegão[3] e, é lógico, isso só acontecia porque ele já estava lá. A pomada não produzia o carnegão, simplesmente o revelava.
Ao
analisar os casos sob essa ótica, o pastor veria que a razão de o seu
filho estar xingando constantemente era o medo de ser rejeitado pelo
novo grupo de amigos. Ser aceito era tão “importante e necessário”
que, nessa ânsia, ele deixava de lado todos os princípios bíblicos
aprendidos outrora demonstrando, ao contrário da atitude dos
discípulos em Atos 5.29, que importava obedecer aos homens que a Deus.
No
caso do diácono, o pastor Enoque perceberia que o xingamento era a
forma de “punir” aqueles que não o respeitavam como ele achava que
merecia. Como diácono da igreja, entendia que não podia ser contestado
e como chefe do lar, nunca questionado. Seu desejo por respeito
passou a ser uma “necessidade” que ele agora exigia e qualquer um que o
privasse daquilo que ele tanto queria logo era julgado e punido, no
caso, com xingamentos.
Ao
observar o princípio de que as pessoas e circunstâncias revelam o
coração, o pastor Enoque teria condições de avaliar também a postura
da esposa do diácono. Ao ameaçar deixá-lo, o que ela tentava fazer era
manipulá-lo para que ele a tratasse melhor. Ela também, por causa do
seu desejo, tentava mudar o comportamento do marido infligindo medo.
Mais
ainda, o pastor poderia avaliar seu próprio coração e descobrir que
sua motivação para corrigir o filho não estava sendo a glória de Deus,
mas a vergonha a que ele estava sendo submetido por causa do seu mau
comportamento.
Pessoas
e circunstâncias são usadas por Deus para revelar o que controla o
nosso coração e, com os desejos do coração expostos, podemos, com o
auxílio do Espírito do Senhor, abandonar a nossa vontade e nos
submeter à vontade do Senhor. Isso nos leva ao terceiro princípio.
3. Os ídolos do coração devem ser abandonados –
No primeiro mandamento o Senhor ordena: “Não terás outros deuses
diante de mim” (Êx 20.3). Costumamos pensar em idolatria somente no que
diz respeito a imagens de escultura, mas a Bíblia nos adverte contra
os “ídolos do coração” (Ez 14.1-9). Incorremos em idolatria todas as
vezes que buscamos alegria, prazer, satisfação e realização fora do
Senhor. Se pecamos para conseguir o que desejamos, ou pecamos quando
não conseguimos o que desejamos, é porque esse desejo já se tornou um
ídolo, um falso deus que faz promessas vãs acerca daquilo que achamos
que nos trará satisfação.
O
caminho bíblico é o de identificar a idolatria, arrepender-se por
confiar em falsos deuses e voltar-se de todo o coração ao Senhor (Ez
14.6) buscando de coração fazer a sua vontade.
O
adolescente Thiago deve rejeitar o ídolo da “aprovação dos homens” e
entender que a alegria não é encontrada num grupo de amigos, mas no
Senhor e, por isso, é a ele que precisamos agradar. O diácono Jair tem
de abandonar o ídolo do “respeito” e entender que o pecado de outros
ao não respeitá-lo não autoriza o seu pecado ao revidar as afrontas.
Ao invés de revidar ele deve entregar tudo àquele que julga retamente
(1Pe 2.23). De igual modo a sua esposa deveria abandonar o ídolo do
“controle” e, ao invés de tentar mudar o marido manipulando-o pelo
medo, deveria ganhá-lo sem palavra alguma, por meio de um honesto
comportamento (sobre isso, veja o post do Samuel “A Reforma começa em casa II”).
Por último, o Pastor Enoque deveria entender que a motivação para
corrigir o filho deveria ser exclusivamente a glória de Deus,
abandonando o ídolo da “reputação”.
Conclusão
Entender
os motivos do coração é essencial para uma mudança de comportamento
que seja duradoura. Qualquer mudança externa, que não leve em conta a
raiz do problema, será mero paliativo e servirá unicamente para
produzir fariseus que não se preocupam com a glória do Senhor, mas com
seus próprios desejos.
É
bom salientar que os desejos não são maus em si mesmos. Pensando nos
casos citados, não há mal em querer ser aprovado, ser respeitado ou
ter uma boa reputação. O problema é quando essas coisas tomam uma
importância tão grande que passam a governar o coração e nos levam a
pecar.
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