Olá
pessoal, encontrei esta matéria e achei muito pertinente. Não sei se
vocês do Norte ou Sul do país já ouviram falar em uma banda conhecida
por “Garota Safada”. Pois é, aqui no Nordeste ela tem sido uma das
promotoras da prostituição e bebedice através da música. Arrastando
multidões, este grupo que na verdade, enquanto arte, pra mim não passa
de um esterco sonoro foi alvo de uma tese de doutorado que conjectura
sobre a decadência da música popular brasileira. Leia a matéria abaixo:
Tese de doutorado sobre a “degeneração” da música brasileira
A música brasileira está decadente –
sans élégance. Difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido uma frase
como essa. Refine o gênero, e as frases continuarão a fazer sentido
para muitas pessoas. O funk, o sertanejo, o forró, o pop, todas as
músicas consumidas pelas massas não prestam.
Um estudo acadêmico parte do forró
eletrônico, ouvido à exaustão em todo o Nordeste, para investigar o que
muitos chamam de “degeneração” da música popular. O professor Jean
Henrique Costa, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, obteve
o título de doutor em Ciências Sociais com a tese “Indústria Cultural e
Forró Eletrônico no Rio Grande do Norte”, defendida em março de 2012 na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
O pesquisador defende que o gênero
preferido entre os nordestinos faz parte de uma engendrada indústria
cultural, por meio da qual são criadas e sustentadas formas de dominação
na produção e na audição desse tipo de música.
Segundo ele, quando uma banda de forró eletrônico recorre a canções de temática fácil,
na maioria das vezes ligadas à busca de uma felicidade igualmente
fácil, ela está criando mecanismos para a formação de um sistema de
concepção e circulação musical. Nele, nada é feito ou produzido por
acaso. Tudo acaba virando racionalizado, padronizado ou massificado.
O ideal de uma vida festeira, regada de uísque, caminhonete 4×4 e raparigas (mulheres)
é hoje um símbolo de status e prestígio para muitos dos ouvintes.
Ninguém quer ficar de fora da onda de consumo. Numa das partes da
pesquisa, Costa analisou o conteúdo das letras dos cinco primeiros
álbuns da banda Garota Safada e descobriu que 65% das músicas falam de
amor, 36% de sexo e 26% de festas e bebedeiras.
“Parte expressiva das canções de maior sucesso veicula a ideia de que a verdadeira felicidade acontece ‘no meio da putaria’, ou seja, nos momentos de encontros com os amigos nas festas de forró”, escreveu Costa. “Não se produz determinada música acreditando plenamente que se está criando uma pérola de tempos idos, mas sim um produto para agradar em um mercado competitivo muito paradoxal: deve-se ser igual e diferente concomitantemente.” Ou seja, a competitividade do mercado induz à padronização dos hits.
“Parte expressiva das canções de maior sucesso veicula a ideia de que a verdadeira felicidade acontece ‘no meio da putaria’, ou seja, nos momentos de encontros com os amigos nas festas de forró”, escreveu Costa. “Não se produz determinada música acreditando plenamente que se está criando uma pérola de tempos idos, mas sim um produto para agradar em um mercado competitivo muito paradoxal: deve-se ser igual e diferente concomitantemente.” Ou seja, a competitividade do mercado induz à padronização dos hits.
“O que move o cotidiano é isso mesmo:
sexo, amor, prazer, diversão. O forró e quase toda música popular sabem
muito bem usar desse artifício para mover suas engrenagens”, explicou
Costa. “Não é por acaso que as relações sexuais são tão exploradas pelas
canções de maior apelo comercial a ponto de se tornarem coisificadas à
maneira de clichês industriais.”
REFERENCIAL TEÓRICO
Outros gêneros musicais também recorrem a
estratégias semelhantes. O forró eletrônico consegue se diferenciar dos
demais ao dar uma roupagem de “nordestinidade”, criando a identificação
direta com o seu público. Mas o objetivo final de todos é proporcionar
diversão. O problema, segundo Costa, é que “se vende muito pão a quem
tem fome em demasia”.
Costa baseou sua pesquisa no referencial
teórico de Theodor W. Adorno, um dos ideólogos da Escola de Frankfurt. O
pesquisador procurou atualizar o conceito de indústria cultural a
partir da constatação de que as músicas do forró eletrônico são
oferecidas como parte de um sistema (o assédio sistemático de tudo para
todos) e sua produção obedece a critérios com objetivos de controle
sobre os efeitos do receptor (capacidade de prescrição dos desejos).
O pesquisador recorreu ainda a autores
como Richard Hoggart, Raymond Williams e E.P. Thompson para abordar o
gênero musical a partir da leitura dos estudos culturais (a complexa
rede das relações sociais e a importância da comunicação na produção da
cultura), que dialogam com outro conceito anterior, o de hegemonia, de
Antonio Gramsci. Pierre Bourdieu também serve de referencial teórico.
Ao amarrar essas teorias, o pesquisador
argumenta que o público consumidor de músicas acaba fazendo parte de
esquemas de consumo cultural potentes e difíceis de serem contestados.
Neles, até o desejo acaba sendo imposto. Em entrevista a FAROFAFÁ, Costa
exemplifica esse fato com a atual “cobrança” pelo consumo de álcool,
onde a sociabilidade gira em torno de litros de bebidas.
“O que se bebe, quanto se bebe e com
quem se bebe diz muito acerca do indivíduo. O forró não é responsável
por isso, mas reforça.” Para o pesquisador, o consumo de bebidas se
relaciona com a virilidade masculina, que, por sua vez, se vincula à
reprodução do capital.
“Não reconheço grande valor estético (no
forró eletrônico), mas considero um estilo musical que consegue, em
ocasiões específicas, cumprir o papel de entreter”, afirmou. O
pesquisador ouve todo tipo de música (samba-canção, samba-reggae, rock
nacional dos anos 1980 e 1990, bolero, tango, entre outros), mas sua
predileção é por nomes como Nelson Gonçalves e Altemar Dutra.
Para cobrir essa lacuna sobre o gênero
que iria pesquisar, Costa entrevistou nomes como Cavaleiros do Forró,
Calcinha de Menina, Balança Bebê eForró Bagaço. O seu objetivo foi
esquadrinhar desde uma das maiores bandas de forró eletrônico do Rio
Grande do Norte até uma banda do interior que mal consegue fazer quatro
apresentações por mês e cobra em torno de R$ 500 por show.
É dentro desse contexto de consumo de
massa de hits que nascem e morrem, diariamente, pelas rádios e carrinhos
de CDs piratas, que prevalece o forrozão estilo “risca a faca” e
“lapada na rachada”, para uma população semiformada (conceito adorniano
de Halbbildung), explica Costa. Sobra pouco ou nenhum espaço para nomes
consagrados do gênero.Entre os extremos de quem ganha muito e quem mal
consegue sobreviver com o forró, o professor constatou que o sucesso é
um elemento em comum, e algo difícil de ser obtido. Depende de
substanciais investimentos financeiros e também do acaso – ter um hit
pelas redes sociais ajuda. É por isso que Costa afirma que Aviões do
Forró e um forrozeiro tecladista independente estão em lados
completamente opostos, mas ainda têm algo basilar em comum: a indústria
cultural.
Luiz Gonzaga, por exemplo,
embora seja o símbolo maior do gênero e tratado com respeito pela
maioria dos nordestinos, acaba sucumbindo a essa indústria cultural. “A competição é desigualmente assimétrica para o grande Lua. O assum preto gonzagueano, nesse sentido, bateu asas e voou.”
Costa diz não ser um pessimista ou só um
crítico ferrenho do forró eletrônico. Tampouco que tem pouca esperança
de que a música brasileira seja apenas uma eterna engrenagem da
indústria cultural. Ao contrário, é dentro dela própria que ele vê
saídas para o futuro da produção nacional. “Se vejo alguma possibilidade
de mudança pode estar justamente nesses estúdios caseiros de gravação
de CDs, nas bandas de garagem, no funk das periferias, no tecnobrega
paraense. Não afirmo que a via é essa, mas que é um devir, uma
possibilidade que pode não ir para além do sistema, mas minar algumas de
suas bases”, concluiu.
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