Por Tiago Cavaco
Este Papa tem permitido a
este Protestante esclarecimentos interessantes acerca da fé. Os apuros
de Francisco são oportunidades evangélicas. Só assim de repente, disse
com razão que a Igreja não é uma ONG, trouxe um edge não-europeu a uma instituição cheia de pudores ocidentais, montou get-realness nos
excessos ornamentais romanos. Claro que isso também traz desafios. Há
muitas pessoas inclinadas a gostar de Francisco porque em muito ele
aparece como o Papa menos Papa e elogios desses não são condecorações
mas pregos no caixão (e outros há que passaram a ter em Ratzinger o seu
Papa preferido porque na prática ele tornou-se o Papa que deixou de o
ser). Diria que é preciso cuidado com os atalhos que são maneiras de
ganhar a corrida sem a correr. Há muitas maneiras de elogiar este Papa
que são maneiras de odiar a Igreja Romana. Eu, que não sou católico
romano, não me quero meter nesse negócio.
Mas gostaria de me
concentrar em dois episódios recentes. Um bom e outro mau. Pelos vistos o
Papa orou para expulsar o demónio do corpo de um doente que lhe
trouxeram à Praça de São Pedro. Evento perfeito para a época de
fenómenos de Youtube. Independentemente das importantes diferenças entre
católicos romanos e protestantes é bom lembrarmo-nos de vez em quando
que a existência de Satanás não é uma fábula que servia a imaginação
delirante dos cristãos analfabetos dos primeiros séculos (claro que
muitos que reclamam ser cristãos dirão que a existência de Satanás é
impossível de conciliar com a contemporaneidade mas não me sinto chamado
a gastar tempo com essa burguesia religiosa epistemologicamente
instalada). O pior veio quando Francisco parece que quis tirar uma folga
e quando deu por si estava a arranjar no Céu lugar até para os que não
estão interessados nele. Claro que deu raia e a Igreja Católica Romana
teve de explicar que afinal o Inferno existe e que é preciso termos uma
relação com ela para nos safarmos dele.
A partir daí ouvi dos
meus amigos ateus piadas engraçadas acerca de saberem que tipo de roupa
tinham de meter afinal na mala para a travessia Além, ridicularizando
que ainda fosse possível crer na realidade do Inferno. E nessa ocasião
apercebi-me que por bem artilhadas que estejam as punchlines ninguém
se safa de se perder pelo trilho da gargalhada. As pessoas que me
acusam de possuir uma fé ridícula por crer na existência do Inferno têm
de me provar os méritos de ser menos ridículo acreditar que não é
possível que o Inferno exista. Tim Keller citava no seu livro “The
Reason For God” o poeta polaco Czeslaw Milosz que dizia que um
verdadeiro ópio do povo é acreditar que depois da morte não se passa
nada. E que estupendo será pensar que poderemos fazer qualquer coisa
nesta vida sem que nunca tenhamos de prestar contas. Marx estava errado –
é muito mais atraente desprezar um conceito eterno de justiça para que
possamos viver deste lado como bem nos apetece.
Mas com isto não quero
bater nos proto-condenados porque o meu trabalho é em favor deles (como
proto-condenado que também já fui). Mas nos crentes que ao julgarem-se
mais iluminados por desprezarem a existência do Inferno apenas oferecem
aos outros mais trevas. Não é precisa muita metafísica para compreender
que ou o Inferno existe ou as igrejas não servem para nada. Sabemos que
hoje há muitos cristãos (e católicos em particular) que tentam
sobreviver pela via estética. O que é que isto quer dizer? Que defendem a
fé sobretudo a partir da perspectiva que o cristianismo é bonito.
Quando o fazem tentam evitar as discussões difíceis e ingratas acerca do
cristianismo ser verdadeiro. A palavra verdade assusta as pessoas e
muitos destes cristãos são os primeiros a fazer xixi nas calças. Reparem
que mesmo o Ratzinger que admiro quando decide encontrar-se com os
artistas portugueses na visita que nos fez há três anos tomou esta
estratégia – ganhar os estetas com a estética. O problema desta
abordagem não é que ela seja falsa: o cristianismo é efectivamente belo.
O problema desta abordagem é o que o próprio cristianismo diz acerca
dela na primeira Carta aos Coríntios no capítulo quinze: se o
cristianismo não for verdadeiro (neste caso na veracidade do facto da
ressurreição) então os cristãos são os mais miseráveis dos homens. Ou
seja, o Apóstolo Paulo explica que ou a fé é verdadeira ou não serve
para nada e não há beleza que lhe doure a pílula. Não promovo a
desvalorização da beleza, simplesmente não desejo que ela triunfe às
contas da desvalorização da verdade.
A religião que sobrevive
fora da convicção da existência do Inferno vive absorvida nos seus
bonitos olhos azuis. Por alma de quem vale a pena professar a fé em
alguém a quem chamamos Salvador se não há nada do qual precisamos ser
salvos? Por que diabo havemos de gastar tempo em missas e cultos e
desdobrados em boas acções se no final de contas todos recebem o prémio
independentemente do que foram e fizeram? A isto chama-se brincar com
coisas sérias e, sobretudo, um valente desperdício de tempo. Se é para
isto que tantos mártires deram a vida avisem-me que procuro já outra
carreira. Ser Pastor é engraçado mas, acreditem, há profissões mais
divertidas.
Qual a alternativa que sugiro? A que Cristo sugeriu. By the way,
Cristo, ao contrário do que a imagem popular possa sugerir, é quem na
Bíblia mais fala acerca do Inferno. É revelador que tantos gostem de
elogiar Jesus pelo seu progressismo quando as suas palavras são nas
Escrituras as que mais estão cheias de táctica do medo (basta googlar
Jesus e Inferno). A Igreja nunca precisou de as reescrever porque sempre
as levou minimamente a sério. Até chegarmos a este pico de tolerância
que eufemiza terceiras vias entre salvação e condenação. É por termos no
Inferno não uma possibilidade mas a maior probabilidade que gastamos
tempo a falar bem de Jesus: cremos que Ele nos livrou daquilo para o
qual nos estávamos a dirigir. A isto não se chama uma Teologia do medo
mas da graça. Amamos sempre quem nos salva a vida. A religião que mete
toda a gente no Céu é a que o trata sem qualquer critério. Não é uma fé
de igualdade mas de indiferença. Deus nos livre dela.
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