Por Helder Nozima
Quando eu era criança, acreditava que o mundo era facilmente dividido em "bem" e "mal", preto e branco, "certo" e "errado". Imaginava que era sempre fácil distinguir as fronteiras, como em uma ciência exata. Critérios claros e fáceis me ajudariam a discernir com clareza o certo do errado.
Cresci
e quando jovem me venderam uma outra ideia. Não existe "bem" ou "mal",
esses conceitos são relativos, dependendo da época, do lugar e até
simplesmente da conveniência pessoal de cada um. Tentar definir uma
fronteira entre certo e errado era algo inútil. Tudo, tudo mesmo podia
ser relativizado, de modo que até o infanticídio pode ser certo ou errado dependendo do seu ponto de vista.
Tornei-me
adulto e percebi que esses dois pontos de vista são errados. Há sim
"bem" e "mal", mas nem sempre é fácil distinguir a linha que divide uma
coisa da outra. Constatei que os absolutos existem e são necessários
para a construção do conhecimento. Mas também vi que a fronteira é
elástica em vários pontos, dependendo sim da cultura, da época e do bom
senso das pessoas.
Para
complicar: algumas vezes a defesa do "bem" pode ser maligna. Em certos
casos, a defesa do "mal" é o certo a se fazer. E isso se aplica
perfeitamente em duas situações que relacionam Estado e
homossexualismo.
Uganda e a pena de morte
Como
pastor, creio que a Bíblia é um livro de origem sagrada e infalível em
suas afirmações. Desta maneira, entendo que o homossexualismo é um
pecado:
Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. (1 Coríntios 6:9-10)
Por
definição, o pecado é uma coisa ruim, algo que devemos combater.
Contudo, este combate é espiritual. O homossexualismo deve ser
confrontado pela Igreja através da pregação da Palavra, das orações e do
aconselhamento bíblico. Sei que alguns podem rir e achar isso uma
estratégia ridícula. Todavia, há missões como a Exodus e a The Pink Cross (atores e atrizes pornô têm relações bissexuais) que atuam desta maneira e têm testemunhos a contar.
Infelizmente,
nem todos pensam assim. Há uma corrente dentro do cristianismo
(inclusive no católico) que quer a ajuda do Estado na luta contra o
pecado. Como isso aconteceria? Com a criminalização do pecado. É o que
acontece em Uganda.
Lá,
o homossexualismo já é um crime que pode ser punido com a prisão
perpétua. Já considero um absurdo o Estado impor essas punições, mas há
quem queira aprovar uma lei para aplicar a pena de morte nesses casos. Duas tentativas já foram feitas neste sentido.
Não
nego que no Antigo Testamento o homossexualismo, o adultério, o
incesto, o estupro e outros pecados sexuais eram punidos com a morte.
Isso acontecia em um contexto de teocracia (presente em todos os países
daquela época), onde o reino de Israel era um símbolo do futuro reino
de Deus, que será implementado plenamente quando Jesus voltar. Mas no
Novo Testamento o próprio Jesus separa as duas esferas:
Disse-lhes, então, Jesus: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. E muito se admiraram dele. (Marcos 12:17)
Isso
não significa que o Estado deva se calar e liberar todo tipo de
conduta. Há pecados que devem sim ser refreados pelas autoridades.
Tratei dos limites dessa ação estatal no post O Estado e o direito de pecar.
Uganda
é pois um erro extremo. Neste caso, o dever de todo cristão é defender
o direito dos homossexuais pecarem sem que sejam mortos por isso. A
forma errada de combater o "mal" pode ser mais maligna do que o "mal"
que se quer derrotar.
O Brasil e a lei anti-homofobia
A
atitude de alguns parlamentares ugandenses ilustra bem como ser
homossexual é algo perigoso no mundo de hoje, mais do que ser um
adúltero. Se há quem queira matá-los, não é de se espantar que eles
sejam alvos de piadas, desrespeitos, xingamentos e agressões. Pior:
muitas vezes os agressores não veem culpa em seus atos. A discriminação é
um fato e não uma ilusão criada por ativistas.
Certamente
essa discriminação é maligna. E, neste caso, o Estado deve sim
interferir e garantir a proteção dos homossexuais. Quanto a isso, não
há a menor dúvida. Na verdade, essa garantia é tão importante que está
registrada na Constituição do Brasil:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Por
outro lado, o Estado também precisa garantir as liberdades
fundamentais, inclusive a religiosa, a de opinião e a de pensamento:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (Art. 5º da Constituição Federal)
E
isso inclui o direito de pensar o que se quiser do homossexualismo, do
cristianismo e de tudo o mais, mesmo que a crença ou a opinião sejam
horríveis. Eu não gosto, por exemplo, quando ouço que "a religião é a
fonte de todo o mal do mundo" ou que "evangélicos são burros ignorantes,
pessoas sem instrução", como já ouvi mais de uma vez. Mas é meu dever
(e do Estado) assegurar que as pessoas tenham a liberdade de pensar o
que quiserem de mim...e de expressarem isso, dentro de certos limites
(injúria, calúnia e difamação não pode).
Ao
meu ver, isso já é garantido pelas leis atuais. Não há a necessidade
de se criar uma lei específica para proteção dos homossexuais, que é o
que se pretende com o PL 122,
em discussão no Congresso Nacional. Em princípio, já é crime demitir,
prejudicar em seleções profissionais e educacionais, restringir a
entrada ou mesmo a afetividade de qualquer cidadão (se um casal hetero
pode, o homo também pode). A redundância não é necessária.
Entretanto, o PL 122 tem algumas áreas cinzentas que trazem preocupação aos cristãos. Por exemplo, quando o projeto diz que:
O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;
Eu
pergunto: e se alguém achar este post uma ação constrangedora ou
intimidatória? Talvez algum homossexual comece a considerar a sua
orientação um pecado e divida isso com algum ativista, e ele entre com
uma ação na Justiça contra mim alegando que cometi uma ação psicológica
intimidadora. O mesmo pode ser dito de piadas, por exemplo. Afinal, se
hoje há humorista que faz piada com estupro, com o PLC 122 aprovado, Rafinha Bastos poderia fazer o mesmo com homossexuais?
A raiz dos dois erros
O
que há em comum entre estes dois extremos? Uma convicção política
errada: a de que o Estado é a solução para corrigir o caráter da
sociedade e que ele deve regular assuntos da esfera íntima.
Não
é com o apoio do Estado que os cristãos vão convencer todos os
homossexuais do mundo a abandonarem o homossexualismo. Não é a falta de
reconhecimento estatal que impedirá as pessoas de estabelecerem uniões
homoafetivas. De nada adianta criar barreiras legais para impedir as
pessoas de pecarem se a sociedade não for transformada pela pregação e
ensino bíblicos.
De
igual modo, não é com uma lei que os homossexuais vão impedir os atos
violentos e discriminatórios cometidos contra eles. É por meio da
educação e do debate que a consciência social pode ser modificada, não
com leis em um país que não segue a legislação vigente.
Mais
do que isso: um Estado menor interessa a todos. Os homossexuais não
querem que se repita aqui o que acontece em lugares como Uganda ou o
Irã. Não querem que a Igreja use o Estado para definir com quem você
dorme ou deixa de dormir. Os cristãos também não querem que nenhum
grupo use o Estado para interferir no que é pregado nos púlpitos.
De igual modo, não é papel do Estado orientar a sexualidade de crianças e adolescentes por meio de vídeos
ou dar aulas de Ensino Religioso. Existem assuntos que são da esfera
íntima de cada família ou indivíduo. E todos lucram quando o Estado não
se intromete nestes assuntos.
Faça a sua parte
Por
fim, peço que você aja como um cidadão consciente. Você pode assinar
um abaixo-assinado virtual contra a aprovação da pena de morte para
homossexuais em Uganda. É só clicar aqui.
E
você também pode protestar contra a aprovação do PLC 122. Uma sugestão
é enviar uma carta aos senadores. Saiba como fazer isso clicando aqui.
Ressalto
que linkar os sites não significa concordar com 100% do que está
escrito neles. Aceito que você pense de mim o que quiser. Só peço que
você me julgue pelo que, de fato, escrevi.
Graça e paz do Senhor,
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