Por
Maurício Zágari
Para que
o Verbo se fez carne? A Bíblia diz, entre outras coisas, que o Cristo veio para
perdoar pecadores, resgatar almas, curar os doentes, dar esperança ao
desesperançado, conceder paz ao aflito, compartilhar sua graça, buscar a ovelha
desgarrada, cuidar dos desesperados, zelar por Sua noiva. Só que, infelizmente,
em grande parte nós, seus embaixadores na terra, parece que nos esquecemos
disso. Estou escrevendo este texto ainda sob o impacto de um documentário a que
assisti, chamado “O Julgamento de Ted Haggard” – que, admito, emocionou-me
profundamente. Pela inequívoca constatação de que uma grande parcela da Igreja
evangélica está pecando gravemente na missão que Jesus nos confiou: a de cuidar,
tratar e restaurar pecadores. Não afundá-los ainda mais na lama, mas conduzi-los
ao Pai em reconciliação. Felizmente, a Igreja como um todo não é assim, é
misericordiosa e amorosa. Mas, ao ver esse filme, o que se descortinou ante meus
olhos foi uma parcela feia da igreja: uma igreja impiedosa, egoísta e deficiente
em seus propósitos. Uma igreja descartável e sem nenhuma semelhança com o Reino
de Deus. Em outras palavras: uma igreja que não serve para
nada.
Confesso
que o nome Ted Haggard me era familiar, mas eu não sabia nada da história desse
pastor. Em resumo, ele era um famoso pregador nos Estados Unidos, do tipo que dá
entrevistas na televisão, é recebido na Casa Branca e enche estádios com suas
cruzadas. Fundou a New Life Church, em Colorado Springs, no estado do Colorado,
uma congregação com mais de 14 mil membros. Até o dia em que veio a público a
notícia explosiva: Pr. Haggard, um homem casado e pai de dois filhos
adolescentes, teve um encontro homossexual com um garoto de programa, que, para
piorar, lhe vendeu drogas.
O que me
deixou de queixo caído foi o que fizeram com ele. O homem foi excomungado
(expulso) da igreja que fundou e os demais líderes da igreja simplesmente o
proibiram de continuar vivendo no estado do Colorado. Isso mesmo: a igreja o
baniu não só da congregação, mas do estado! Não ficou claro para mim como o fez,
mas fez.
Isso me
chocou porque sempre achei que, horizontalmente, uma igreja serve para tratar
pecadores. Para acompanhá-los, acolhê-los, exortá-los, ministrar o Evangelho a
eles e, como decorrência do seu amor cristão, pôr o caído novamente de pé – e,
assim, conduzi-lo a Cristo. É o que as três parábolas de Lucas 15, por exemplo,
me ensinam. A atitude correta e bíblica que a liderança da igreja deveria ter
tido com Pr. Haggard? O afastado do cargo, tratado de sua alma como se faz com
qualquer ovelha ferida, acompanhado e amparado sua família, mantido o suporte
para não piorar sua situação e, quando ele estivesse restaurado e totalmente
recuperado de seu pecado, o reinstituído na obra do Senhor. Mas o que a
liderança da New Life Church fez com Haggard me lembrou muito mais a ditadura
bolchevique de Stálin, que exilava seus desafetos na Sibéria para definhar e
morrer por lá sem criar problemas.
A
propósito, quantos pecados eu e você cometemos mesmo desde nossa conversão?
Atiremos, pois, a primeira pedra. Mas nessas horas ninguém se lembra
disso…
Voltando
ao caso Haggard, o documentário mostra como o pastor, sua magnífica mulher (que
manteve-se ao seu lado, o apoiando, apesar de tudo) e seus filhos tiveram de
sair do estado em que moravam com uma mão na frente e outra atrás, totalmente
desamparados pela igreja, para viver em casas emprestadas e hotéis de beira de
estrada. Não houve um mínimo de cuidado com sua vida, se não por amor e
misericórdia cristãos, pelo menos por reconhecimento a seus muitos anos
colaborando para o crescimento da congregação (que fundou, lembre-se). Anos e
anos de dedicação de repente foram apagados do mapa devido a um pecado. E nenhum
de seus ex-colegas de ministério lhe deu sequer um mísero telefonema para saber
como ele estava. Simplesmente lhe viraram as costas.
Chamou
minha atenção que em todo momento Haggard reconhece seu pecado. Ele não culpa
ninguém. Não ataca quem o expulsou. Não atribui dolo a seus colegas de
ministério ou aos “amigos” que sumiram. Sempre assume sua posição como aquele
que cometeu o erro. Mas em um momento de profunda depressão ele deixa escapar
como se deu sua saída da New Life Church: “Me disseram para ir pro inferno e
decidiram me exilar”.
Desamparado, para tentar dar um pouco de dignidade a
sua família Haggard começou a buscar empregos seculares, até mesmo como
motorista de ônibus. Após 6 meses de exílio, ele continuava desempregado.
Decidiu, então, ingressar numa faculdade de Psicologia. Quando indagado pela
entrevistadora sobre a razão de escolher esse caminho, ele diz: “A igreja não
fez nada por mim após minha queda, mas os terapeutas fizeram. Por isso resolvi
estudar psicologia”. O peso dessas palavras me arrebentou: “A igreja não fez
nada por mim”. Jesus no céu deve estar orgulhoso dessa igreja, que larga a
ovelha doente e ferida para morrer no degredo. Meu Deus… meu
Deus…
Um ano
depois de o pecador ter sido expulso, conseguiu seu primeiro emprego: começou a
vender seguros de vida de porta em porta. E confessou: “Quando estou sozinho eu
choro. Neste momento de minha vida sou um perdedor de primeira classe”. E aí
comparo esse sentimento com o que deve ter sentido a mulher flagrada em
adultério ao ouvir de Jesus: “Nem eu te condeno, vai e
não peque mais”. Que diferença é quando Jesus trata o pecador e quando o
homem trata o pecador…
O filme
intercala cenas de pregações que ele fez na época de ouro de seu ministério com
imagens atuais de sua vida após ter sido enxotado da igreja. Curiosamente, as
cenas do documentário que mostram imagens de arquivo de sermões de Haggard são
sempre voltadas ao perdão, à restauração de pecadores, nunca propõem execuções
sumárias. O homem que pregava que o papel de cada cristão é pegar o caído e
botá-lo de pé teve seu crânio esmagado quando chegou sua vez de cair. Que triste
ironia. Ah, se os líderes da New Life estivessem lá quando ele pregou aquelas
mensagens… bem, provavelmente estavam.
Nada
mais, nada menos do que proibi-lo de pisar na igreja. Vou repetir: ele foi
proibido de pisar na igreja.
Richard
Foster escreveu que “a maldição de nossos tempos” é a superficialidade. Com todo
respeito e deferência que tenho por esse brilhante escritor e pensador, acredito
que ele está errado. A grande maldição do século 21 é o descumprimento do Grande
Mandamento. Muitos não amam de fato o próximo como a si mesmos. Todo o resto é
consequência disso. A Igreja de Cristo é maravilhosa, essencial, benigna,
amorosa e compassiva. Só que uma parcela gigantesca dela transborda de belos
discursos mas não tem feito ao próximo o que gostaria que fizessem a si. Não
trata o pecador da forma que gostaria de ser tratada. E as multidões de feridos,
desiludidos, desigrejados e deprimidos como consequência desse desamor aumentam
enormemente a cada dia. É por isso que só podemos depender mesmo da graça do
Deus que se fez homem para nos reconciliar com o Pai. A maravilhosa graça da
cruz, que pega pecadores como Ted Haggard, eu e você, nos purifica, nos
restaura, veste-nos de branco e escreve nosso nome no livro da
vida.
Em
silêncio,
Maurício
Maurício
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