Por John Piper
A
parábola conta a história de um rei cujo servo lhe devia a quantia
espantosa de 10 mil talentos (18.24). "Para compreender a exorbitância
dessa quantia, basta dizer que o rei Herodes tinha uma renda anual de
cerca de 900 talentos, e que a Galileia e a Peréia [a 'terra além do
Jordão'], no ano 4 a.C, pagaram 200 talentos em impostos."
Aparentemente, a quantia foi exagerada de propósito (assim como dizemos
"zilhões" de dólares) ou o servo era um oficial de alta patente que
conseguiu apropriar-se de quantias enormes do tesouro do rei ao longo
dos anos. Seja como for, Jesus descreve essa dívida como praticamente
incalculável.
O
rei ameaçou vender o servo e sua família. Mas "o servo prostrou-se
diante dele e lhe implorou: 'Tem paciência comigo, e eu te pagarei
tudo' [uma promessa aparentemente impossível de ser cumprida, em vista
da quantia]. O senhor daquele servo teve compaixão dele, cancelou a
dívida e o deixou ir" (v. 26,27). Esse perdão é tão grandioso quanto o
tamanho da dívida, e esse é o ponto principal. Jesus quer incutir em
nossa mente que o pecado é uma dívida incalculável para com Deus.
Jamais poderemos saldá-la. Jamais teremos condições de acertar as
contas com Deus. Não há penitência, boas obras ou justificativas
capazes de pagar a dívida da desonra que lançamos sobre Deus com
nossos pecados.
O
servo, porém, não recebeu aquele perdão pelo que este representava:
magnífico, imerecido, destinado aos humildes de coração ou a quem
suscita misericórdia. Jesus não relata nenhuma palavra de gratidão ou
de admiração daquele servo. Incrível! Simplesmente relata
acontecimentos incompreensíveis logo após o perdão.
Mas
quando aquele servo saiu, encontrou um de seus conservos, que lhe
devia cem denários. Agarrou-o e começou a sufocá-lo, dizendo: "Pague-me
o que me deve!" Então o seu conservo caiu de joelhos e implorou-lhe:
"Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei". Mas ele não quis. Antes,
saiu e mandou lançá-lo na prisão, até que pagasse a dívida, (v. 28-30)
O "perdão" recebido por aquele homem não lhe abrandou a ira. Ele agarrou o conservo e começou a sufocá-lo.
O
rei tomou conhecimento do caso e ficou (legitimamente) ira¬do (v.
34). Disse ao servo: " 'Servo mau, cancelei toda a sua dívida porque
você me implorou. Você não devia ter tido misericórdia do seu conservo
como eu tive de você?' Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores,
até que pagasse tudo o que devia" (v. 32-34). A conclusão da parábola
atinge em cheio a questão da ira e do perdão. Jesus diz: "Assim
também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de
coração a seu irmão" (v. 35).
A
mensagem principal da parábola é que Deus não tem obrigação de salvar
quem diz ser seu discípulo, se esse pretenso discípulo não tiver
recebido a dádiva do perdão pelo que ele realmente representa —
infinitamente precioso, estupendo, imerecido, destinado aos humildes de
coração e a quem suscita misericórdia. Se dissermos que fomos
perdoados por Jesus, mas não houver em nosso coração nenhuma brandura
para perdoar os outros, não receberemos o perdão de Deus (v. Mateus
6.14,15; Marcos 11.25).
Lembre-se,
a parábola foi contada para ajudar Pedro a entender o mandamento de
Jesus de perdoar setenta vezes sete (Mateus 18.22). Isto é, foi contada
para ajudar-nos a lidar com a ira que surge naturalmente em nosso
coração quando alguém nos ofende centenas de vezes. A solução, diz
Jesus, é viver com plena consciência desta maravilhosa dádiva: fomos
perdoados de uma dívida muito maior que todos os erros cometidos contra
nós. Explicando melhor: devemos viver com plena consciência de que a
ira de Deus contra nós foi eliminada, apesar de termos pecado contra
ele muito mais que setenta vezes sete. Esse modo de viver produzirá um
coração quebrantado, contrito, alegre e terno, que governará nossa
ira. A única ira benéfica é a ira moldada por um coração humilde.
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