Por Maurício Zágari
Minha filha ganhou de presente de aniversário um item de segunda necessidade e resolvi trocar na loja por um sapato, algo mais importante neste momento. A vendedora chegou dizendo que tinha o must da hora. Imaginei que fosse algo como uma sola especial, um formato ergonômico, qualidades realmente importantes, um avanço de fato significativo. Mas, para meu espanto, a grande novidade é que o sapatinho, além de ser cheio de lantejoulas e acender luzes a cada pisada, também muda de cor. Hm. Tá. Pisquei algumas vezes, olhei para a sorridente vendedora com olhar entre o estoico e o incrédulo e optei por outro modelo, que fosse apenas confortável e que estivesse uns dois números acima do que calça minha filha, para durar por mais tempo. Algo de fato útil. E não o que não acrescenta nada. Sapato que pisca? Que muda de cor? Para quê? Pensando nisso, me dei conta de que essa valorização de coisas desimportantes em detrimento das fundamentais não ocorre só na indústria dos calçados. No nosso meio vivemos o mesmo fenômeno.
Vamos pensar. Em primeira análise, um sapato serve para proteger
nossos pés dos pedregulhos da caminhada, para evitar que uma topada
quebre uma unha, para resguardar nossos frágeis pés dos danos que longos
passeios lhes causariam. Só que o que está sendo valorizado neles são
características que não têm a ver com nada disso. A Bíblia nos ensina
que o cerne da nossa fé é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a nós mesmos. Mas o que tem estado sob os holofotes são aspectos
secundários, que não mereceriam muito de nosso tempo.
Nos três anos em que passou ensinando, Cristo falou muito sobre arrependimento e perdão. Interessante é que nunca vi uma conferência teológica sobre o tema – mas já vi sobre questões como Missão Integral, sobre “a Igreja relevante” (precisa de uma conferência para saber que a Igreja relevante é aquela que ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo?!) e outros temas do gênero. E, enquanto ficamos num interminável disse-me-disse sobre se embarcamos ou não em novidades, a Igreja segue em grande parte incompetente quando o assunto é perdoar e amar. E, entenda: quando falo “Igreja” não estou me referindo a uma quimera maligna e institucional à qual devemos nos opor como Quixotes contra moinhos de vento, tampouco a meia dúzia de líderes malignos e corruptos.
Ao me referir a “Igreja”, estou falando sobre eu e você. Pessoas.
A Igreja tem estado fora de foco. No Cristianismo, a teologia é
fundamental e o sobrenatural é indispensável, mas muitos de nós estão
perdidos entre teologismos sem vida e misticismos exagerados. Decoramos
livros de duas mil páginas sobre se o Evangelho deve mudar de cor mas
esquecemos de atentar para coisas simples, como se ele tem uma sola que
proteja nossos pés na caminhada da vida. Ou perdemos tempo cobrando que o
povo fique gritando “glória” na hora da pregação em vez de dirigir
nossa atenção para se temos agido conforme a lâmpada para nossos pés.
Só que meu sonho mudou. Pois parei. Suspirei. Respirei fundo. Pequei.
Apanhei. Fui moído sob muitos aspectos. Travei longas conversas com o
Senhor. E, com tudo isso, refleti. E cheguei à conclusão de que essa é
uma guerra que, na sociedade pluralista e descentralizada em que
vivemos, nunca terá fim. É tentar segurar o vento. Ou deter as águas de
um tsunami com as mãos. Em outras palavras: é perda de tempo. Não somos
mais a Igreja de 1.700 anos atrás, que resolvia suas disputas num
concílio e decidia no voto se algo era heresia ou ortodoxia: o monstro
de nossos dias tem muito mais tentáculos e, para se dobrar à verdade
bíblica, depende muito menos de blá blá blá pseudoapologético e muito
mais de oração. Muito menos de cansativos debates e muito mais de
contrição. Muito menos de agressões e polêmicos manifestos on-line e muito mais da manifestação prática do fruto do Espírito nos relacionamentos.
A Igreja está com uma boca do tamanho do mundo para falar, mas com um coração do tamanho de uma formiga para amar.
Nos esquecemos que só Deus muda as coisas, mas, por vaidade, queremos
nos tornar os paladinos do Evangelho. Triste Igreja nos tornamos,
inchada em seu ego mas a léguas de distância daquilo que de fato muda o
mundo. Hoje, concentro minhas energias no mais elementar do Evangelho:
amor ao próximo. Vida de santidade. Perdão dos pecados. Ajuda aos
necessitados. Jesus de Nazaré.
A vaidade humana impera entre nossas lideranças. A arrogância
teológica impera entre nossos acadêmicos. O ambição por poder e dinheiro
impera por trás das paredes de muitas igrejas. O amor ao próximo e a
preocupação com os outros mais do que conosco mesmo desapareceu
enormemente da cristandade. Amamos o próximo quando e conforme nos
convém. Valorizamos o outro quando nos interessa. Estendemos a mão para
quem tem algo a nos oferecer. Essa é a igreja falida.
Só o que peço a Deus é que nunca deixe morrer em meu coração esse
amor. Amor por Cristo, expresso em amor pelo próximo. Glória ao Pai,
expressa em amor pelo próximo. Louvor ao Espirito Santo, expresso em
amor pelo próximo. Quero um sapato simples. Pode ser de tiras de couro
bruto, solado rígido e sem tingimento. Os sapatinhos com lantejoulas e
luzes brilhantes deixo para os vaidosos e aqueles que querem ver seus
nomes em letras de neon e suas fotos em banners e cartazes. Para os
arrogantes donos da verdade. Aqueles que glorificam os holofotes
enquanto dizem “Soli Deo Gloria” da boca para fora. Que fazem o que
criticam. Que não agem como pregam. Que tomam todas as decisões pensando
somente em si. Que são a expressão do século 21 dos fariseus da época
de Jesus. E falo com conhecimento de causa, porque eu já fui assim. Já
corri atrás do vento, vivi de forma hipócrita e me preocupei com o que
não é pão. Basta.
Amor. E que Deus nos livre de tudo o mais.
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