Por Maurício Zágari
Alegria é uma das
virtudes que somos capazes de vivenciar quando o Espírito Santo
manifesta em nós o seu fruto (Gl 5.22-23). A princípio, quando tomamos
conhecimento desse fato, temos a sensação de que seguir Cristo
significa, naturalmente, ser constantemente alegre. Só que tem um porém:
Jesus jamais prometeu que seríamos. Não seremos, e, se alguém lhe
garante uma alegria interminável nesta vida, pode ter certeza: é uma
promessa que não se cumprirá. Abraçar o evangelho implica em negar a si
mesmo, tomar a sua cruz diariamente e seguir Cristo (Lc 9.23). Isso fala
de dificuldades, de esforço, de sofrimento. Todos os salvos sofrerão.
Todos os salvos terão momentos de agonia, lamento, dor, luto… tristeza.
Isso é líquido e certo. É um fato bíblico e um fato da vida. Bem, diante
disso, é possível explicar essa aparente contradição? Temos o Espírito
de Deus em nós, ele manifesta seu fruto em nossa vida, seu fruto inclui
alegria, mas, estranhamente… vivemos muitos momentos de profunda
tristeza. Isso tem explicação? Creio que sim, e te convido a pensar
junto comigo.
Jesus não foi alegre o
tempo todo. Pedro não foi alegre o tempo todo. João não foi alegre o
tempo todo. Paulo não foi alegre o tempo todo. Nenhum dos apóstolos foi
alegre o tempo todo. Os mártires da Igreja primitiva não foram alegres o
tempo todo. Agostinho não foi alegre o tempo todo. Lutero não foi
alegre o tempo todo. Calvino não foi alegre o tempo todo. Eu não sou
alegre o tempo todo. Você não é alegre o tempo todo. Ninguém é alegre o
tempo todo. Bem, o que tudo isso tem em comum?
“O tempo todo”.
Esse é o xis da questão.
O fruto do Espírito inclui virtudes como paz, paciência e domínio
próprio, por exemplo, mas ninguém tem paz o tempo todo, nem é paciente o
tempo todo, tampouco domina-se o tempo todo. Assim, o grande problema é
associar a crença em Jesus à manifestação constante e ininterrupta
dessas virtudes. Elas se manifestarão, mas não… o tempo todo.
Só
que nós vivemos em uma sociedade hedonista, que prega que nossa vida
tem obrigatoriamente de ser uma felicidade que não acaba. Basta olhar as
redes sociais - ou qualquer outra forma de exposição da pseudovida
privada – dos seus amigos. Você não tem a impressão, por aquilo que eles
dizem e, principalmente, pelas fotos que postam, de que todos vivem uma
existência espetacular, recheada de beleza, emoções, viagens,
aventuras, celebrações, alegrias inacabáveis? Acredite: não vivem. Mas,
inconscientemente, sentem-se obrigados socialmente a expor ao mundo como
são alegres o tempo inteiro, caso contrário seriam considerados
fracassados, incompetentes, amaldiçoados ou qualquer coisa do gênero.
Não quero que ninguém descubra que eu não vivo uma vida espetacularmente
alegre, logo, a forma que tenho de fazer isso é postar onde todos
possam ver meu sorriso constante, inapagável, feliz e contente. E,
muitas vezes, artificial. Fazemos isso praticamente sem pensar, sem
maldade, no automático, simplesmente porque nos ensinaram a vida inteira
que viver é estar 24 horas por dia encharcado de endorfinas,
desfrutando cada segundo numa ascendente de emoção, realização, euforia,
gozo, júbilo. Assim, uma vida bem vivida seria como estar de domingo a
domingo em um parque de diversões: exultante, feliz, alegre!
Só que não é assim que acontece.
Toda e qualquer pessoa
vive em altos e baixos. Tem picos de humor. Momentos de tristeza. Quedas
nos níveis de adrenalina. Problemas. Tribulações. Falta de alegria.
Isso é normal. Não é agradável, mas é normal e previsível. Só que todos
nos dizem que temos de estar sempre, sempre e sempre alegres! Não tem
como não entrar numa crise existencial diante disso. “Todos dizem que
uma vida plena é marcada por uma alegria sem fim, mas isso não acontece
comigo; logo, minha vida é uma droga e minha fé, um fracasso”.
Errado.
Se você vive uma vida
marcada pela alternância de momentos alegres e tristes, parabéns: você é
humano como qualquer outro. E é aí que entra a alegria que é fruto do
Espírito.
Pense
bem. Você acha de fato que a alegria que Paulo descreve como resultado
de uma vida de intimidade com o Espírito Santo é aquela que se manifesta
numa montanha russa, numa festa, numa viagem a um local paradisíaco,
num jantar com amigos recheado de piadas, ao assistir a um filme de
comédia? Essa é a alegria natural, inerente ao ser humano. Tanto que
qualquer indivíduo, cristão ou não cristão, sente esse tipo de alegria.
Seria como dizer que a paz que sentimos deitados numa rede, pegando um
ventinho e tomando água de coco é sobrenatural. Não é. É natural e
humana. Creio que o fruto do Espírito se manifesta sobrenaturalmente
quando precisamos de uma injeção de algo que vai além de nossas forças. É
quando não tenho domínio próprio e estou quase caindo em tentação que
Deus me dá uma temperança que parece ir além do que eu conseguiria. É
quando estou atribulado que sinto a paz espiritual, fruto da presença
divina. É quando quero matar meu inimigo aos chutes e pontapés que o
Espírito manifesta em mim amor e, só com essa infusão sobrenatural,
consigo fazer-lhe o bem.
Assim, creio que a
alegria que é fruto do Espírito é aquela que vem quando temos tudo para
estar tristes. É sobrenatural. Como isso é possível? Porque ela brota da
certeza de que no mundo teremos aflições mas Jesus venceu o mundo (Jo
16.33). De saber que ele está conosco todos os dias, mesmo nos mais
terríveis, até a consumação do século (Mt 28.20), e que não está alheio a
absolutamente nada do que estamos passando. De ter a certeza de que “Se
subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo,
lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins
dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me
susterá” (Sl 139.8-10). É alegrar-se como resultado de sermos galhos
enxertados na videira verdadeira. A certeza da presença de Cristo em
nós, junto com a certeza de que ele jamais remove seus olhos de nossa
vida… eis a razão de nossa alegria. E alegria eterna, que independe das
circunstâncias da vida.
Por
isso, mesmo nos momentos de mais desesperante tristeza, essa alegria
que flui do Espírito de Deus para nós estará presente. Parece
contraditório? Acredite, não é. É uma alegria não eufórica, mas
pacífica. Calma. Amena. É uma brisa, não um vendaval. Não é sair
saltando de júbilo como qualquer pessoa numa balada, aos gritos de
euforia, é… um suave sorriso. Aquela alegria que nos faz suspirar em
meio às lágrimas. A alegria humana é inerente ao homem e se manifesta
naturalmente quando é óbvio que estaremos alegres. A alegria espiritual é
inerente ao Espírito e se manifesta sobrenaturalmente em momentos
inesperados.
E, acima de tudo, a
alegria que é fruto do Espírito é aquela que vem de saber que, como
estamos em Cristo, temos a vida eterna. Ouça as palavras dos lábios de
Jesus: “Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos
submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus” (Lc 10.20).
Está sofrendo? Alegre-se, você tem a vida eterna. Está com dor?
Alegre-se, você tem a vida eterna. Está triste? Alegre-se, você tem a
vida eterna. Tá tudo ruim? Alegre-se, você tem a vida eterna! É uma
alegria que existe em meio à tristeza, como uma flor que brota no solo
seco do sertão.
A vida na terra é
difícil, muito difícil. Numerosos momentos ruins estão pela frente.
Situações de enorme aflição virão. Nessas horas você ficará triste. Mas,
olha… tenha bom ânimo. Jesus venceu. E a vitória dele te dá a vida
eterna. Aí vem o Espírito Santo e manifesta o fruto dele na tua vida. É
quando você se lembra que Jesus está com os olhos postos em ti e que ele
tem morada preparada no céu, com teu nome na porta. Seria isso motivo
de alegria?
Não
busque a alegria segundo o mundo, essa é vaidade e correr atrás do
vento. Alegria segundo o mundo é aquela que demonstramos em fotografias
posadas e com sorrisos ensaiados. A alegria que é fruto do Espírito é
aquela que não fotografamos, pois ela é muito maior do que uma lente
pode captar. E, em geral, se manifesta nas horas em que não estamos
acostumados a fotografar: no hospital, no orfanato, no desemprego, no
susto, na dor, na crise matrimonial, no velório, na casa de recuperação,
na depressão, no sofrimento. Pois é nas horas mais terríveis que Jesus
sussurra em nosso ouvido: “Alegrai-vos na medida em que sois
co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na
revelação de sua glória, vos alegreis exultando” (1Pe 4.13).
Você ainda terá muita
alegria. Mas não o tempo todo. A tristeza dará as caras com frequência.
Mas o Espírito Santo te alegrará muitas vezes, frutificando em tua
lembrança que Jesus é contigo e te dá a vida eterna. Afinal, “a nossa
leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória,
acima de toda comparação” (2Co 4.17).
A alegria humana passa. A
alegria divina dura para sempre. E ela está ao teu alcance – basta
viver dia após dia aos pés de Jesus.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
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