domingo, 27 de outubro de 2013

A Vontade Soberana de Deus


John Gill – (1697 - 1771)
1. Provo que há uma vontade em Deus; à razão de que em todos os seres inteligentes há uma vontade, como também uma compreensão; como em anjos e homens, assim é com Deus; como Ele tem uma compreensão do que é infinito e imperscrutável, assim ele tem uma vontade; fazer a vontade dEle é o mais apropriado. As influências de Sua compreensão guiam a sua vontade, e a Sua vontade determina todas as suas ações; e a Sua vontade sendo dirigida assim, sabiamente, é chamada de "o conselho da sua vontade" (Ef. 1:11). A vontade freqüentemente é atribuída à Deus na Bíblia; “Faça-se a vontade do Senhor.” (Atos 21:14). “Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?” (Rm. 9:19). “Descobrindo-nos o mistério da sua vontade,” (Ef. 1:9) e em muitos outros lugares; a vontade de Deus não é de nenhum modo diferente de Sua própria propensão; é essencial a Ele; é a Sua natureza e essência; não é separada, ou considerada como distinta, ou como uma parte de um todo; o que seria contrário ao claro senso de Deus; ou para ser um simples espírito desapiedado que fora estabelecido. A vontade é atribuída a cada uma das pessoas divinas; para o Pai, (Jo 6:39, 40) para o Filho, como uma pessoa divina, (Jo 5:21, 17:24) e quem também, como homem, teve uma vontade distinta dessa, entretanto sujeitou-se, (Jo 6:38; Lc 22:42) e para o Espírito que é dito que restringe e não sofre algumas coisas que são feitas; quer dizer, não os permite; e não permitir é um ato da vontade, como também decidir, (Atos 16:6, 7) é dito que ele reparte os seus dons aos homens “como quer” (1 Cor. 12:11). E estes três, como eles são um Deus, concordam em um, em uma mente e vontade.
2. Mostrarei agora no que consiste a vontade de Deus: há apenas uma vontade em Deus; mas para nossa melhor compreensão, pode-se distinguir isso. Eu não aborrecerei o leitor com todas as distinções feitas pelos homens; algumas são falsas e outras vãs e inúteis; como absoluto e condicional, antecedente e conseqüente, eficaz e ineficaz, etc. A distinção de "secreta" e "revelada" vontade de Deus é obtida entre as perfeições divinas; a primeira é propriamente a vontade de Deus, a segunda somente a sua manifestação.
Qualquer que seja a resolução de Deus em Si mesmo, quer para Si ou para outros, ou permitir ocorrer, enquanto está em seu íntimo, não se faz saber por qualquer evento da providência, ou pela profecia, que é a Sua vontade secreta; assim são as profundezas de Deus, os pensamentos de Seu coração, os conselhos e determinações de Sua mente; que são impenetráveis a outros; mas quando se abrem pelos eventos da providência ou pela profecia então eles se tornam a revelada vontade de Deus. A secreta vontade de Deus torna-se revelada pelos eventos da providência, é considerada geral ou especial; a providência geral de Deus com respeito ao mundo e a Igreja não é outra coisa do que a sua execução, e assim a manifestação da Sua secreta vontade, com respeito a ambos: o mundo e suas obras, a origem das nações, o estabelecimento delas nas várias partes do mundo, o surgimento de estados e reinos e particularmente das quatro monarquias e a sua sucessão: para a Igreja, na linha de Sete, de Adão e na linha de Sem, de Noé e no povo de Israel, de Abraão, para a vinda de Cristo e o livro de Apocalipse é a manifestação da vontade secreta de Deus com respeito a ambos, da vinda de Cristo ao fim do mundo, grande parte do qual já foi cumprida e o restante será cumprido como a destruição do anticristo e do estado anticristão, a conversão dos judeus e a vinda da plenitude dos gentios e o reino espiritual e pessoal de Cristo. Essas são agora reveladas, ainda que o tempo em que elas tomarão lugar esteja na vontade secreta de Deus.A providência de Deus pode ser considerada como especial com respeito a pessoas em particular; há um propósito ou secreta vontade de Deus com respeito a cada homem; e há um tempo fixado para todo propósito; um tempo para nascer e um tempo para morrer, e para tudo o que vier a acontecer ao homem entre o seu nascimento e morte: tudo o que em seu devido tempo se abriu, pela providência e que era secreto veio a ser revelado: dessa maneira sabemos para que nascemos, que nossos país no tempo e circunstâncias de nosso nascimento como relatado a nós, viemos a saber que acontece a nós, se em adverso ou próspero caminho; Deus tem executado o que foi determinado para nós, como Jó diz de si mesmo; mas então como ele observa: “muitas coisas como estas ainda tem consigo”, em Sua vontade secreta. Não sabemos o que sucederá conosco e embora saibamos que um dia iremos morrer, isso é revelado, mas quando e onde, de que maneira e circunstância, não sabemos, o que resta na secreta vontade de Deus. Algumas coisas que pertencem a secreta vontade de Deus vem a ser reveladas pelas profecias, assim foi feito saber a Abraão, que a sua semente de acordo com a secreta vontade de Deus, deveria ser em uma terra, não sua, quatrocentos anos e ser afligida e vir a se tornar uma grande nação; Deus não ocultou a Abraão o que Ele secretamente tinha em mente, em destruir Sodoma e Gomorra e de fato isso foi usual pelo Senhor para fazer nada mas do que a revelação para seus servos os profetas; particularmente todas as coisas relativas a Cristo, Sua encarnação, ofícios, obediência, sofrimentos, morte e a glória que deveria suceder, seria todo o significado anteriormente, para os profetas, pelo Espírito de Cristo neles.
A vontade de Deus, que Ele tem feito pelo homem, é revelada na lei, que é chamada “sua vontade” (Rm 2:18). Isto foi feito a saber a Adão, pela inscrição no seu coração, portanto, ele sabia o que era a obediência a Deus, para ser executada por ele, isto, ainda que fracamente obliterada pelo pecado, ainda aqui é alguma coisa restante nos gentios, que fez pela natureza as coisas contidas nela, que mostra a obra da lei escrita em seus corações: uma nova edição desta lei foi entregue para os Israelitas, escritas em tábuas de pedra, pelo dedo de Deus; em conformidade com o que eles a si mesmo procediam e tomar a possessão de Canaã e gozar os privilégios disto: e na regeneração a lei de Deus é posta no íntimo e escrita nos corações do povo de Deus; que sendo transformado pela renovação das mentes vem a saber qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus (Rm 12:2). Isto é em relação a obediência a ambos para Deus e o homem.
Esta é a revelada vontade de Deus no Evangelho; em relação aos tipos de intenções, e graciosas considerações de Deus ao homem, e revelar o que antes era Sua secreta vontade em relação a ele; como Ele tinha escolhido alguns para a vida eterna, e os designou para a salvação por Cristo e nomeado a Cristo para ser o Salvador; e Cristo fazendo a vontade de Deus veio do céu a terra para tal, e isto é a vontade de Deus, que esses deveriam ser regenerados e santificados; e “nunca hão de perecer, mas tem a vida a vida (Ef 1:4,5; Jo 6:38; I Ts 4:3; Jo 6:39,40; Mt 18:14). Mas por conseguinte, tudo isto é a revelada vontade de Deus, no Evangelho, contudo, quanto a pessoas neste ponto, esta é em grande medida, uma secreta eleição de Deus, e dessa maneira o restante, pode ser conhecido pelo Evangelho vindo com poder ao coração e pela obra da graça sobre ele, e o conhecimento deveria ser depois buscado; porém não é alcançado senão por quem é favorecido com uma plena convicção de fé; e quanto a outros, ainda que possam, em um julgamento de obras, pela razão de suas declaradas experiências, seus discursos agradáveis e proceder piedoso, deduzir que são eleitos de Deus.
Porém isto não pode certamente ser conhecido, mas pela divina revelação, como foi pelo apóstolo Paulo, que Clemente e outros de seus companheiros cooperadores, tinham seus nomes escritos no livro da vida (Fl 4:3). Esta é a revelada vontade de Deus, que deve haver uma ressurreição da morte, dos justos e injustos; e que todos devem comparecer no julgamento diante do trono de Cristo; que depois da morte deve vir tal julgamento; e ainda que seja revelado, que há um dia fixado, bem como uma pessoa designada para julgar o mundo com justiça; porém, o dia e a hora ninguém sabe, nem os anjos; mas Deus somente. Assim, que sobre tudo, ainda há algum fundamento para esta distinção da secreta e revelada vontade de Deus, porém isto não é completamente claro; há uma mistura, parte da vontade de Deus é ainda secreta e parte é revelada, em relação ao mesmo propósito, como tem sido observado e plenamente mostrado.
A mais acurada distinção da vontade de Deus está no seu propósito e prescrição; ou as ordens e decretos da Sua vontade.
As ordens de Deus, ou seus mandamentos são os que estão declarados nas Escrituras, que devem ser conhecidos pelo homem e é desejável que ele possa ter conhecimento e estar inteirado disso (Mt 7:21, 12:50; Cl. 1:9, 4:12).
Esta é a regra da obediência humana; o qual consiste do temor a Deus e da guarda de seus mandamentos; isto é feito, mas por alguns apenas, e não de forma perfeita; todo pecado é a transgressão disto; quando essas coisas são feitas corretamente pela fé, provindo do amor e para a glória de Deus, todo homem regenerado deseja fazer da melhor maneira e se puder, perfeitamente; mesmo é feito pelos anjos no céu. Deus, pela declaração de Sua vontade, mostra Sua aprovação, que é aceitável a Ele, quando feito corretamente e torna o homem que não faz inescusável, e resulta na aparição da justiça divina em infligir punição a tais pessoas.
Os decretos da vontade de Deus são propriamente falando, Sua vontade; a outra é a Sua Palavra; esta é a regra de Suas próprias ações, Ele fez todas as coisas nos céus e terra em conseqüência dessa Sua vontade, o conselho dela; e esta vontade é sempre feita, não pode ser resistida, frustrada e cancelada; Ele faz tudo o que desejar; “seus conselhos permanecem e os pensamentos de Seu coração são para todas as gerações”; e isto é as vezes cumprido por esses que não tem consideração pela Sua vontade de propósito, e não tem conhecimento disto, mesmo quando a estão fazendo; como Herodes e Pilatos, os judeus e gentios, que estavam contra Cristo (At 4:27-28) e os dez reis, cujos corações Deus pôs a Sua vontade, para dar seus reinos a besta (Ap 17:17) e esta vontade de Deus deve estar na mente de tudo que intencionarmos fazer; dizendo: “Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo.” (I Co 4:19, Tg 4:13-15), e isto deve ser de nosso conhecimento e submissão a todo estado e condição de vida, se de prosperidade ou adversidade, ou qualquer coisa que venha a nos acometer, ou a nossos amigos e conhecidos (At 21:14) e isto, propriamente falando, é somente e a única vontade de Deus.
3. Quais são os objetos:
Primeiro, o próprio Deus, não Sua natureza e modo de subsistir; como a paternidade do Pai; a geração do Filho; e a presença do Espírito naturalmente e necessariamente existem e não dependem da vontade de Deus: mas de Sua própria glória; “O SENHOR fez todas as coisas”, que são para Sua própria glória (Pv 16:4). Ele deseja a Sua própria glória em tudo o que faz; como “todas as coisas são feitas por Ele”, como a causa eficiente; e “através dEle”, como sabiamente os distribui; assim é “para ele”, para Sua glória, como a causa final e o derradeiro fim de tudo; e isto Ele necessariamente deseja; Ele não pode mas Sua própria glória; como “Ele não dará Sua glória a outro”; Ele não pode desejar a outro; o que seria negar a Si mesmo.
Segundo, todas as coisas aparte de Deus, se boas ou más, são os objetos de Sua vontade, ou que Sua vontade é de algum modo ou outro interessada em diferenciar, de fato, entre os objetos do conhecimento e poder de Deus e os objetos de Sua vontade; entretanto Ele conhece todas as coisas, em Seu entendimento, e Seu poder alcança tudo o que é possível; porém Ele não quer todas as coisas transmitidas, se a palavra pode ser permitida, ou que possa ter volição, razão do qual, Amesius [1] observa, ainda que Deus seja onisciente e onipotente, não é onivolente (todo-vontade).
Terceiro, todas as coisas boas.
Todas as coisas na natureza; todas as coisas foram feitas por Ele e tudo que foi originalmente bom foi feito por Ele, mesmo “muito bom” e tudo foi feito de acordo com Sua vontade; “tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4:11), mesmo os céus, terra e mar,e tudo o que neles há.
Todas as coisas em Deus.
O Reino de Deus regula a providência sobre tudo, e se estende a todas as criaturas, anjos e homens e tudo o mais e todos os eventos que sucedem a eles; nenhum pardal cai ao chão sem que seja pela vontade de Deus; “e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu”; na celestial habitação dos anjos; “e os moradores da terra” (Dn 4:35) não há nada que venha suceder que Deus não tenha determinado, ordenado e designado. “Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande?” (Lm 3:37).Todas as coisas na graça estão de acordo com a vontade de Deus, todas as bençãos espirituais em Cristo, todas as graças dadas aos eleitos em Cristo, antes da fundação do mundo; a escolha deles em Cristo; predestinação para adoção por Ele; redenção pelo Seu sangue; regeneração, santificação e eterna herança; tudo está de acordo com o beneplácito de Sua vontade (2 Tm. 1:9; Ef. 1:3-5, 7, 9, 11; Tg1:18; 1 Ts. 4:3).
Segundo, todas as coisas más são objetos da vontade de Deus; sendo de dois tipos.A maldade das aflições; quer seja um modo de correção ou de punição: se um modo de correção, como ao povo de Deus, ele está de acordo com a vontade de Deus; não surgiu da terra, nem vem por acaso, mas pela vontade, ordem e desígnio de Deus; em qualidade, quantidade, duração, fins e usos, (Jó 23:14, Mic 6:9, 1Ts 3:3) o qual é consistente com a justiça, santidade, sabedoria, amor e bondade de Deus. Se ele é um meio de punição, é para os homens ímpios e incrédulos; não há razão para queixar-se deles, visto que eles são inferiores ao que realmente mereceriam pelos seus pecados; e não é injusto o que um Deus íntegro infligirá neles (Lm 3:39) todos os julgamentos, calamidades e desastres que vem sobre reinos, nações, cidades e sobre pessoas em particular, são todas de Deus, e estão de acordo com o conselho de Sua vontade (Amós 3:6). Não que Deus faça essas coisas por causa deles; ou que tenha prazer nas aflições ou misérias de Suas criaturas, (Lm 3:33, Ez 18:32) mas com a finalidade de algo superior: as aflições de Seu povo são para o seu bem espiritual, bem como para a Sua própria glória: e a punição dos ímpios é para a glorificação de Sua justiça.
Há o mal da falha e da responsabilidade (ou culpa), que é pecado: sobre isto há alguma dificuldade de como a vontade de Deus é participante, consistente com Sua pureza e santidade: que a vontade de Deus é de algum modo ou de outro ocupada com isto é certamente correto; porque Ele determina ou não os acontecimentos: o último não pode ser, em razão de nada suceder sem a permissão dEle (Lm 3:37) ou Ele nem determina, nem permite, quer dizer, que Ele não tem cuidado com isso, nem interesse; e assim os fatos estão fora de Sua área de jurisdição e não estão ao alcance de Sua providência; o que não pode ser admitido e que nenhum cristão dirá, mas os que são inclinados ao ateísmo, sim (veja Ez 9:9, Sf 1:12). Além disso, Beza [2],e outros argumentam que Deus fez uma exceção voluntária em permitir a existência do pecado, não podendo ser mostrado, nem de Sua justiça punitiva, nem de Sua misericórdia: pelo qual pode ser acrescentado, que a presciência de Deus sobre o pecado deva plenamente provar Sua vontade nisso; que a presciência de Deus previra a existência do pecado, é correto; como a queda de Adão, desde que ele fez uma provisão, em Cristo, para a salvação do homem revelado nEle, antes deveria; e assim outros pecados (2 Sm. 12:11, 16:22). Agora certo e imutável pré-conhecimento, tal como o pré-conhecimento de Deus, é criado sobre um certo e imutável motivo; que não pode ser outro do que a vontade divina; a presciência de Deus, certamente, é que tais coisas seriam assim; em razão que Ele determinou em Sua vontade o que deveria de ser.
Para estabelecer esta relação em uma luz melhor, é adequado considerar, o que é o pecado, e o que é relativo a ele: há o ato do pecado, e há a culpa pelo pecado, que é o dever de punir, e a punir própria. Relativo a dois últimos tipos não há dificuldade; que Deus deva querer que o homem por causa do pecado torne-se culpado; seja considerado, julgado, e tratado como tal; ou minta sobre sob a obrigação em punir e punir propriamente; nem que Ele deva puni-lo designando-o e o predestinando para isto (Pv 16;4; Jd 1:4).
A única dificuldade é sobre o ato do pecado; em poder considerá-lo natural ou moral; ou o ato, desordem, irregularidade e viciosidade dele: como em ação, considerando de forma aberta, é de Deus e de acordo com a Sua vontade; sem o qual o discurso de Sua providência, nada pode ser executado; Ele é a fonte e origem de ação e moção; nEle está toda a vida e movimento onde temos a existência (At 17:28) mas então a viciosidade e irregularidade disto, como é uma aberração da lei de Deus e uma transgressão disto, é do homem somente; e não se pode dizer que isso seja a vontade de Deus; Ele proíbe isso, Ele abomina e detesta; Ele não tem prazer nisso; Ele tem olhos puros para até mesmo contemplar isso com aprovação e prazer. Deus não pode se inclinar para o pecado, ou por causa de si mesmo; mas por causa de algum bem que seja provocado por isso; como a queda de Adão, para a glorificação de Sua justiça e misericórdia, em punir em grande extensão a sua posteridade, e salvando outros: o pecado dos irmãos de José, vendendo-o ao Egito, para o bem dele e de seu pai Jacó, e outros; e o pecado dos judeus, em crucificar a Cristo, para a redenção e salvação dos homens. E, além disso, Deus pode permitir um pecado como uma punição para outros; como certamente Ele tem no caso dos Israelitas (Os 4:9, 10,13) dos filósofos pagãos (Rm 1:28) e dos papistas (II Ts 2:9-12). Uma vez mais, ainda que de Deus possa ser dito em tal sentido, desejar o pecado, ainda Ele quer isto em um modo diferente que Ele quer que o seu fim seja bom; Ele não fará isso por si mesmo, nem por outros; mas permite ser feito; e qual não é uma permissão aberta, mas uma permissão voluntária; e é expressada por Deus “dando” ao homem para seu próprio coração luxuriante, e por “sofrimento” ele vai em seu próprio caminho pecaminoso (Sl. 81:12; At 14:16) Ele não deseja isso pela Sua vontade efetiva, mas pela Sua vontade permissiva; e portanto não pode ser imputado como o autor do pecado; desde aqui há uma grande diferença entre Ele fazer e o ser feito por outros, ou ordenar ser feito, somente pode fazê-lo o autor do pecado; e voluntariamente permitindo ou sofrendo isto ao ser feito por outros.
4. A natureza e propriedades da vontade de Deus.
Primeiro, é natural e essencial a Ele; é a Sua verdadeira natureza e essência; Sua vontade é a Sua própria inclinação; e por essa razão pode haver apenas uma vontade em Deus; visto que há um único Deus, de quem a natureza e essência é um; ainda que haja três pessoas na trindade, há apenas uma natureza não dividida, comum a todos os três, e a mesma vontade única: Ele é um, e concorda em um; Deus é um em mente, ou vontade, ainda que possa haver distinções de Sua vontade, e diferentes propósitos dela, e diversos meios no qual Ele concorda, não obstante, é por um único ato eterno da vontade que Ele determina todas as coisas. Conseqüentemente também Sua vontade é incomunicável para uma criatura; a vontade de Deus não pode ser diferente em uma criatura, mas afim de que ela a confirme, concorde e se submeta a ela, foi incomunicável até mesmo para a natureza humana de Cristo, ainda que tendo união com a pessoa do Filho de Deus; porém Sua vontade divina e humana são distintas uma da outra, ainda que uma seja sujeita a outra (Jo 6:38; Lc 22:42).
Segundo, a vontade de Deus é “eterna”, como podemos concluir do atributo de “eternidade”; para Deus ser eterno, como certamente é, mesmo de eternidade a eternidade, então Sua vontade deve ser eterna, desde sua natureza e essência e de Sua “imutabilidade”; que não muda, e em que não há sombra de mudança; mas se qualquer nova vontade surge em Deus, o que não foi na eternidade, haveria uma mudança nEle; Ele não seria o mesmo que foi na eternidade; considerando que Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre e da Sua “presciência”, o qual é eterna; “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras.”, ou desde a eternidade (Atos 15:18) e como a presciência de Deus surge de Sua vontade, Ele sabe de antemão o que deseja, como tem sido observado, em razão de Ele ter determinado, em Sua vontade o que deveria de ser; assim, se o Seu conhecimento é eterno, Sua vontade deve ser eterna. Do mesmo modo, isto pode ser ilustrado pelo decreto da “eleição”; que foi, certamente, antes do homem ter feito tanto o bem quanto o mal; foi desde o princípio, ou desde a eternidade, mesmo até antes da fundação do mundo (Ef. 1:4) e como o decreto e determinação da vontade de Deus foi assim, o mesmo pode ser concluído de tudo o mais; adicionado a tudo que a vontade de Deus é participante, em “todas as coisas” que tem sido “desde o princípio” do mundo, agora é, ou deve ser para o fim disto; e, portanto, deve ser antes da existência do mundo e se é antes dele, então é antes do tempo; e se é antes do tempo, deve ser eterna; porque nada sabemos antes do tempo, mas o que é eterno.
Terceiro, a vontade de Deus é “imutável”: imutabilidade é expressamente atribuída ao conselho de Deus; que é para a vontade e propósito de Deus (Hb. 6:17) e pode ser estabelecida a partir do atributo de “imutabilidade”; se Deus é imutavelmente o mesmo, e como Ele é, então Sua vontade deve ser a mesma, desde a Sua natureza e essência se uma mudança é feita na vontade de uma criatura, ou por começar a querer o que antes não queria, ou pela interrupção do que tinha propensão agora causa o começo de uma nova vontade; ou desejando o que não queria, supõe prévia ignorância do que agora começou a querer; nem conhecendo a sua aptidão e propriedades, sendo ignorante de sua natureza, excelência e utilidade; por desconhecer algo que não pode desejar e concordar: mas tal como uma mudança de vontade nunca pode ter lugar em Deus, como um fundamento; desde que isso não somente é contrário a Sua eternidade e imutabilidade, mas ao Seu conhecimento, cujo entendimento é infinito: ou uma criatura muda a sua vontade, quando esse querer cessa; o qual é tampouco por escolha, ou por obrigação; de escolher, quando alguma coisa imprevista acontece, qualquer causa pode mudar esta vontade e tomar outro curso. Mas nada deste tipo pode suceder a Deus, antes, em quem todas as coisas estão uma vez juntas, expostas e abertas; mesmo antes da eternidade ou senão pela força, sendo compelida, porque não pode executar esta vontade, e, portanto, a renuncia e toma outro curso: “Mas quem tem resistido a Sua vontade?”, a vontade de Deus, assim como Ele causa a cessação e a interrupção? Se Deus muda Sua vontade, deve ser tampouco para melhor ou para pior; e de qualquer modo isto mostraria imperfeições nEle e carência de sabedoria; Deus pode aparentemente mudar Seus desígnios das coisas, mas Ele nunca muda Sua vontade: arrependimento atribuído a Ele não é prova disto, “Ele é um em mente e quem pode voltar-se para Ele? Sua vontade não pode ser alterada nem mudada, nem pelas orações de Seu povo.
Quarto, a vontade de Deus é sempre eficaz; não há desejos imaginários ou graus ineficazes de volição em Deus; Sua vontade é sempre efetuada, nunca pode ser anulada ou cancelada; Ele faz tudo o que lhe agrada, ou quer, Seu conselho permanece para sempre e Ele sempre faz o que for de Seu interesse, de outro modo Ele não seria onipotente, como Ele é: ela deve ser pela necessidade de Seu poder, se Sua vontade não é cumprida, o que não pode ser dito; como Ele é onipotente, assim é Sua vontade; Austin [3] assim a chama de máxima onipotente vontade: se não foi este o caso, seria até certo grau, ou algo “superior” a Ele; ao passo que Ele é Deus sobre tudo, o Altíssimo, e nunca pode ser contradito por quem quer que seja: e se Sua vontade foi ineficiente Ele seria “frustrado” e desapontado em Seu propósito: mas como nada vai além do que o homem diz, e do que o Senhor não ordena; assim, tudo o que o Senhor diz, quer e ordena deve certamente vir a ocorrer; “O SENHOR dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará.”; “Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?” (Is. 14:24, 27). Além disso, se Sua vontade não foi eficiente, ou falhou no seu cumprimento, Ele não seria feliz: quando a vontade de um homem é ineficiente e não pode ser cumprir algo, isso causa inquietação, o faz infeliz; mas isso nunca pode ser dito de Deus, que é bem-aventurado, o bem-aventurado Deus, bem-aventurado para todo o sempre.
Quinto, a vontade de Deus não tem causa fora de si mesma; por conseguinte seria anterior a Ele e maior e mais excelente do que Ele; como toda causa é antes de seu efeito e mais excelente que essa; e Sua vontade estaria dependente de outra, e assim ela não seria independente: nem poderia ter qualquer impulso ou causa a mover Sua vontade; em razão que nEle não há poder passivo para atuar sobre ela; é puramente um ato, como puro, ativo espírito: se Ele consiste de ato e poder, Ele não seria simples e desapiedado espírito; para ser impulsionado ou movido por qualquer causa, seria contrário a Sua simplicidade, anteriormente estabelecida, Ele pode de fato dizer uma coisa por outra; mas neste caso o que Ele quer para outros não é a causa que move a Sua vontade; essa pode ter a natureza da causa e efeito entre eles mesmos; mas nenhum deles são a causa da vontade de Deus; nem há nisso qualquer causa final do que ele quer e faz, mas a Sua própria glória; e seria loucura buscar uma causa para Sua vontade: e desta propriedade da vontade de Deus, pode ser discernido claramente, que prevendo fé, santidade, e boas obras, não pode ser a causa da vontade Deus na eleição de alguns para vida eterna; e assim o contrário, nenhuma causa de Sua vontade na rejeição de outros.
Sexto, A vontade de Deus, por esta mesma razão, não é condicional; para estar dependente de uma condição a ser executada; e não a vontade de Deus, mas o desempenho da condição é quem seria o princípio e chefe na realização de determinado fim. E, para não dizer mais, se, por exemplo, Deus tivesse o desejo de salvar todos os homens condicionalmente; quer dizer, na condição de fé e arrependimento; e os condenar se estas condições fossem insuficientes; quem não vê que esta vontade condicional, salvar e destruir, são iguais? Destruição é igualmente volitiva como salvação; e onde está o assim tão falado amor geral de Deus ao homem? Não há nada disso indistintamente para todo e qualquer homem.
Sétimo, a vontade de Deus é livre e soberana; Da criação do mundo e de todas as coisas, alguns tem defendido que o mundo é eterno; que foi feito assim e as Escrituras asseveram (Ap 4:11) como tempo e ordem, e as coisas que estão contidas nele, são devidas a soberania de Deus; além de ser atribuída a Sua soberania: que Ele não fez outros mundos além desse, e não poderia, se quisesse, ter feito outros milhares de mundos? Ou que Ele deveria ter feito este mundo nesse tempo e não antes, quando poderia ter feito milhões de anos atrás, embora não o fizesse? Ou que Ele fez o mundo em seis dias e todas as coisas nele, quando poderia ter feito tudo em um momento, embora isso o satisfizesse? Ou que Ele não fez este mundo mais extenso, e com mais tipos e espécies de criaturas do que tem e esses Ele não poderia fazer mais numerosos do que são? Nenhuma outra razão pode ser apontada, senão Sua soberana vontade e satisfação.
A vontade soberana de Deus aparece na providência e em seus vários eventos; como nos nascimentos e mortes dos homens, o qual nenhum deles ocorre pela vontade deles, mas pela vontade de Deus; e há para ambos um tempo fixado pela Sua vontade; e no qual Sua soberania pode ser vista; o que senão poderia ser atribuído a que tal e tal homem deva nascer e vir ao mundo em tal época e não antes? E que eles deveriam sair do mundo no tempo, modo e circunstâncias que lhes conviessem? E que deveria haver diferenças entre os homens, em seus estados, condições e circunstâncias de vida; que alguns deveriam ser ricos e outros pobres?
Riqueza e pobreza são ambas disposições de Deus, como as palavras de Agur demonstram (Pv 30); e Deus é quem faz a ambos, o rico e o pobre, não somente como homem, mas como um estado de rico e pobre homem: e para quem pode esta diferença ser atribuída, senão para a soberana vontade de Deus? Alguns tem surgido para grande honra e dignidade; outros vivem em muito precárias condições, em estado miserável;Mas mudança de estado não vem nem do leste, nem do oeste, nem do sul; mas Deus derruba uns e levanta outros, como Ele quiser; e essas diferenças e mudanças podem ser observadas nas mesmas pessoas, como em Jó, que foi por muitos anos o homem mais rico da Terra, e de súbito, foi desprovido de todas as suas riquezas, honra e glória; e então, depois de um tempo, restaurou em dobro a saúde e riquezas que antes possuía.Assim foi com Nabucodonosor, o grande monarca de sua época, quando em sua mais notável e elevada situação de poder foi destituído de sua dignidade, como homem e monarca, e levado a viver entre os animais, vivendo como um deles; e, depois de tudo, restaurado a sua razão, e ao seu trono e sua primeira grandeza; o que forçou dele tal reconhecimento da soberana vontade de Deus como em nenhuma outra parte talvez seja mais fortemente expressa: “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?” (Dn 4:35).
Alguns são livres de enfermidades e doenças em todos os dias de sua vida; seu vigor é firme e não há moléstia nem na hora da morte, mas morre em seu vigor. Enquanto outros levam uma vida carregada de enfermidades e problemas até ao túmulo; e esta é a figura do homem: para quem pode ser imputado isso senão para a soberana vontade de Deus? E como de outra maneira pode ser considerado os muitos abortos, fracassos, nascimentos precoces, infantes que nunca viram a luz; e outros, que tão logo seus olhos se abriram a este mundo são fechados de novo; enquanto que outros não somente atravessam os estágios da infância, adolescência e juventude, mas alcançam a plenitude da existência e vão à cova como uma pilha de espigas de milho? E uma multidão de outras coisas podem ser observadas na providência; que embora Deus tenha sábios motivos para eles, são inexplicáveis para nós, mas somos obrigados a recorrer a Sua soberana vontade e satisfação, que não deu nenhuma consideração de seus empreendimentos para os filhos dos homens.
A soberana vontade de Deus aparece nas coisas santas, espirituais e religiosas, com respeito tanto a anjos como homens. Que alguns dos anjos foram eleitos e confirmados pela graça de Cristo, no estado em que foram criados e preservados da apostasia, enquanto um grande número deles tornaram-se rebeldes contra Deus e caíram de seu estado original; pelo qual foram lançados fora do céu para o inferno e permanecem até hoje em cadeias nas trevas, aguardando o julgamento daquele grande dia, e não haverá misericórdia para qualquer um deles; como será com muitos da apóstata raça de Adão. Que outra razão poderíamos dar para tudo isso senão à soberana vontade de Deus? Entre os homens, alguns amam a Deus e muitos o odeiam; e isso antes de qualquer bem ou mal feitos por eles; alguns Ele escolhe para eterna bem-aventurança e outros Ele abandona e rejeita; Ele tem misericórdia de alguns e endurece a (muitos) outros; tal como Ele é assim é a Sua soberania, vontade e deleite: alguns são redimidos de entre os homens, por Cristo, mesmo sendo de toda família, língua, povo e nação, quem Ele quiser e decide salvar; enquanto outros são deixados a perecer em seus pecados. O qual não há outra causa a ser admitida do que a soberana vontade e satisfação de Deus. Em conformidade pelo qual também dispensa dons aos homens e esses de diferentes tipos; alguns próprios para serviço público, como para os ministros do evangelho e a outros Ele concede quando lhe apraz e destes, diferentes dons; para alguns grandes, para outros pequenos, para alguns um talento e para outros cinco, dividindo para todos individualmente como lhe apraz, de acordo com Sua soberana vontade: o expediente da graça, o ministério da Palavra e ordenanças, em todas as épocas, tendo se disposto a isto, tal como pareceu bom a Sua vista; por muitas centenas de anos, Deus deu Sua palavra a Jacó e Seus estatutos a Israel, e outras nações não o souberam; e eles foram espalhados entre os gentios, as vezes em um lugar, as vezes em outro; e como é notória a soberania de Deus em favor de nossas ilhas britânicas, essas ilhas foram longe com o evangelho e ordenanças, embora grande parte do mundo o recusou, estando coberto com as trevas do paganismo, catolicismo e islamismo. E ainda é mais manifesto o que isso representa para alguns, “cheiro de morte para morte”, mas para outros, “cheiro de vida para vida”. Os dons especiais da graça de Deus são entregues aos homens de acordo com a soberana vontade de Deus; de Sua própria vontade de regenerar alguns e não outros; chamando-os pela graça, quem Ele deseja, quando e por quais recursos, de acordo com Seu propósito; revelado no evangelho e nas grandes coisas que nele estão, para quem Ele o fez saber; e os ocultou dos sábios e entendidos; “Sim, ó Pai,”, disse Cristo, “porque assim te aprouve.”; nem deu Ele a qualquer outro a razão para tal conduta. A graça do Espírito de Deus é dada a alguns e não a outros; como por exemplo, arrependimento, o qual é uma concessão de Deus, um dom de Cristo, foi entregue a Pedro, que negou o seu Senhor; e negado a Judas, que O traiu. Fé, que é um dom de Deus, nem todo homem a tem; a alguns somente é dado, enquanto que outros tem um espírito de sono, olhos que não podem ver e ouvidos que não ouvem. Em resumo, vida eterna, que é um livre dom de Deus, através de Cristo, é dado somente por Ele, tanto como o Pai tem dado a Ele, e para estes semelhantemente; o dinheiro, que parece significar a felicidade eterna, na parábola, é dado para os que foram chamados para trabalhar na vinha na hora undécima a mesma quantia para os que ficaram no labor durante todo o dia: alguns devem servir a Cristo e outros muito pouco, e ainda todos recebem a mesma porção de glória. O que pode ser determinado disso senão a soberana vontade de Deus? Que diz: “Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?” (Mt 20:15). Mas ainda que a vontade de Deus seja soberana, sempre age sabiamente? Alguns soberanos pensam precipitada e tolamente; mas a vontade de Deus nunca é contrária a Sua perfeição de sabedoria, justiça, santidade, etc, e Sua vontade é portanto chamada de “conselho” e “conselho de Sua vontade” (Is. 25:1, 46:10; Ef. 1:11).

Existem duas vontades em Deus?


Por Sam Storms
O que a Bíblia quer dizer quando fala da vontade de Deus? Deus sempre impõe sua vontade? Pode a vontade de Deus ser resistida ou frustrada? Considere os seguintes textos:
Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. (Jó 42:2).
Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? (Dn. 4:35)
No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada. (Sl 115:3; cf Ef. 1:11).
Todavia, dizemos que a vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos; (I Tm 2:4) que todos cheguem ao arrependimento (2 Pe 3:9). Como podemos reconciliar essas duas declarações aparentemente contraditórias? Uma reposta é encontrada na distinção entre a vontade preceptiva de Deus e sua vontade decretiva.
Considere Ex. 4:21-23 e a dureza do coração de faraó. Deus, através de Moisés, ordenará que Faraó deixe o povo ir. Esta é a vontade preceptiva de Deus, isto é, sua vontade de preceito ou ordem. Ela é o que Deus diz que deveria acontecer. Outros fazem referência a isso como a vontade revelada de Deus ou sua vontade moral. Mas Deus também diz que endurecerá o coração de Faraó, de sorte que Faraó recusará a ordem de deixar o povo ir. Esta é a vontade decretiva de Deus, ou seja, sua vontade de decreto ou propósito. O que Deus tem ordenado acontecerá. Ela é também conhecida como sua vontade oculta, ou vontade soberana ou vontade eficiente. “Assim, o que vemos [em Êxodo] é que Deus ordena que Faraó faça algo que a vontade do próprio Deus não permite. A boa coisa que Deus ordena ele impede. E aquilo que ele traz envolve pecado” (John Piper, “Are There Two Wills in God?”, 114).
Assim, a vontade decretiva de Deus refere-se ao secreto, tudo que engloba seu divino propósito de acordo com o que ele predestinou, seja o que for que venha a acontecer. Sua vontade preceptiva refere-se às ordens e proibições nas Escrituras. Alguém necessita contar com o fato de que Deus pode decretar aquilo que ele tem proibido. Ou seja, a sua vontade preceptiva pode ter ordenado que o evento X deve ocorrer, ao passo que nas Escrituras, a vontade preceptiva de Deus, ordena que o evento X não deva ocorrer.John Frame coloca isto da seguinte forma:
A vontade de Deus é às vezes frustrada porque ele assim o quer, pois ele tem dado a um dos seus desejos precedência sobre outro. (No Other God, 113)
Deus não planeja causar tudo o que ele valoriza, mas ele nunca falha em causar tudo o que ele planejou. (113)

Ou novamente: Deus está frequentemente satisfeito em ordenar sua própria insatisfação.
1. Talvez o melhor exemplo seja encontrado em Atos 2:22-23 e 4:27-28. Aqui nós encontramos em certo sentido Deus “desejoso” de entregar seu próprio Filho, enquanto em outro sentido “não desejoso” porque era algo pecaminoso para seus executores cumprirem isto. Como Piper explica, “O desprezo de Herodes por Jesus (Lucas 23:11), a conveniência da covardia de Pilatos (Lucas 23:24), o 'Crucifica-o! Crucifica-o!' dos judeus (Lucas 23:21), e a zombaria dos soldados gentios (Lucas 23:36), também foram atitudes e atos pecaminosos. Ainda em Atos 4:27-28 Lucas expressa seu entendimento da soberania de Deus nestes atos, registrando a oração dos santos de Jerusalém: “porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios as pessoas de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito (boule) predeterminaram”! Herodes, Pilatos, os soldados, e o grupo de judeus levantaram suas mãos para se rebelar contra o Altíssimo somente para provar que a rebelião deles era um serviço inconsciente (pecaminoso) nos inescrutáveis planos de Deus... Portanto, sabemos que não era a “vontade de Deus” que Judas, Pilatos, Herodes, os soldados gentios e os judeus desobedecessem a lei moral, pecando ao entregar Jesus para ser crucificado. Assim, sabemos que Deus, em certo sentido, permite sua vontade e que não permite em outro sentido. (111-112).
O que Deus tem eternamente decretado que acontecerá pode ser o oposto do que ele, nas Escrituras, diz que deve ou não deve acontecer. É importante manter em mente que nossa responsabilidade é obedecer à vontade de Deus revelada, e não especular sobre o que está oculto. Somente raramente, como no caso da profecia preceptiva, Deus nos revela a sua vontade decretiva. Exemplos da vontade preceptiva ou revelada incluem: Ezequiel 18:3; Mateus 6:10; 7:21; Efésios 5:17; e I Tess. 4:3. Algumas também seriam colocadas nesta categoria: I Tm 2:4 e II Pe 3:9. Exemplos da vontade decretiva ou escondida de Deus incluem: Tiago 4:15; I Co 4:19 e Mat 11:25-26.
(2) Outro exemplo é encontrado em Ap 17:16-17. Claramente “empreender guerra contra o Cordeiro é pecado e pecado contrário à vontade de Deus. Contudo o anjo diz (literalmente), “Porque em seu coração incutiu Deus [os dez reis] que realizem o seu pensamento, o executem a uma e dêem à besta o reino que possuem, até que se cumpram às palavras de Deus” (v.17). Portanto Deus desejou (em um sentido) influenciar os corações dos dez reis de maneira que eles fariam o que era contra sua vontade (em outro sentido)”. (Piper, 112; minha ênfase).
(3) Em Dt 2:26-27, lemos o pedido de Moisés para que os israelitas pudessem passar através da terra de Seom, rei de Hesbom. Teria sido uma “boa” coisa que aquele rei tivesse permitido. Porém, ele não permitiu porque o Senhor “endureceu seu espírito e obstinou seu coração” (Dt 2:30). Assim, “foi a vontade de Deus (em um sentido) que Seom agisse de uma forma que fosse contrária à vontade de Deus (em outro sentido), ou seja, que Israel fosse abençoado, e não amaldiçoado” (115).
(4) Muito do mesmo é encontrado em Josué 11:19-20, onde somos informados que o Senhor “endureceu os corações” de todos aqueles em Canaã para resistir à Israel, de maneira que ele, o Senhor, pudesse destruí-los assim como disse que o faria.
(5) De acordo com I Rs 22:19-23 (II Cr 18:18-22) Acabe estava procurando formar uma aliança com Josafá, rei de Judá, de forma que juntos pudessem atacar Ramote-Gileade, a qual estava sob o controle da Síria. Josafá insistiu para que primeiro eles consultassem o profeta para ver a perspectiva de Deus. Acabe, de outro lado, ajuntou 400 dos seus profetas e disse a eles para atacar Ramote-Gileade e que seriam vitoriosos. Josafá consultou o profeta Micaías, o qual lhe contou a visão que teria tido quando viu o Senhor assentado no seu trono, e todo o exército do céu estava junto a ele. Nesta visão, Deus perguntou quem enganaria a Acabe, para que suba e caia em Ramote-Gileade? Um “espírito” (anjo?) se apresentou para ser o “espírito mentiroso na boca de todos os profetas de Acabe” (v.22). Deus concordou. O espírito foi e assim o fez; Acabe ouviu a voz dos profetas, e foi para a batalha, onde veio a morrer.
Alguns argumentam que o “espírito” era de fato o diabo, todavia, não há indicação disto no texto. O espírito é retratado simplesmente com um em meio aos outros. Não há evidências de que ele tinha uma posição superior ou especial. Seria um anjo caído, um demônio? Provavelmente. Realizou uma função má: incitou os profetas de Acabe a mentir. Apesar do espírito não ser o diabo em si, existem inegáveis paralelos entre este texto e o de Jó 1. Também, a passagem parece atrair uma distinção entre o espírito que inspira os profetas de Acabe e o que inspira Micaías (v. 24). “A implicação é que Micaías e os profetas de Acabe poderiam não ter recebido as mensagens da mesma fonte. Existe, naturalmente, duas fontes distintas, mas é Micaías quem tem a fonte correta. Afinal de contas, é a sua profecia que vem e acontece” (página 79).
Observe que mesmo este espírito demoníaco está absolutamente sujeito à vontade de Deus. É o comando de Deus. Está claro para Micaías que era Deus quem “pôs o espírito mentiroso na boca de todos estes teus profetas; e o Senhor falou o que é mau contra ti” (v.23). Assim Deus pode e frequentemente usa espíritos demoníacos para satisfazer seus propósitos. Novamente, vemos que a pergunta, “Quem fez isto, Deus ou o Diabo?” pode ser respondida, “Sim”. Porém Deus é sempre último. [Um paralelo próximo a essa passagem é encontrado em Juízes 9:23, onde Deus suscitou um espírito de aversão entre Abimeleque e os cidadãos de Siquém.]
O que é importante para o nosso propósito é o fato óbvio de que Deus ordena que suas criaturas não mintam ou enganem. Mentir ou enganar é, portanto, contrário à vontade de Deus. Todas as criaturas de Deus são moralmente obrigadas a dizer a verdade. Todavia, aqui temos um exemplo no qual Deus coloca um espírito enganador nos lábios daqueles homens. Neste sentido, pareceria que as palavras que eles falaram foram de acordo com a vontade de Deus, ao mesmo tempo que, em outro sentido, as palavras que eles falaram foram contra a vontade de Deus.
(6) Outras citações são encontradas em Rm 11:7-9, 31-32 e Mc 4:11-12. No primeiro texto vemos que “embora seja a ordem de Deus que seu povo veja, ouça e responda em fé” (Is 42:18), contudo, Deus tem suas razões para enviar de vez em quando um espírito de estupor de maneira que sua vontade não seja obedecida” (115). Igualmente, “o ponto em Rm 11:31...é que o endurecimento de Israel por Deus não é um fim em si mesmo, mas é parte de um propósito salvador que abraçará todas as nações. Mas, durante um pouco de tempo, temos que dizer que ele deseja uma condição (endurecimento do coração) que ele ordena que as pessoas lutem contra (Não endureçais vossos corações [Hb 3:8,15; 4:7])” (116). No texto de Marcos, “Deus deseja que uma condição prevaleça sobre uma outra que ele considera repreensível. Sua vontade é que eles se arrependam e creiam no Evangelho (Mc 1:15), mas ele age de forma a restringir a realização dessa vontade” (115).
(7) Em I Sm 2:22-25 lemos sobre a maldade dos filhos de Eli; a maldade era claramente contra a “vontade” de Deus. A “vontade” revelada de Deus era para que eles ouvissem a voz de seu pai e parassem de pecar. Aprendemos ainda que a razão pela qual eles não obedeciam a Eli (e Deus) era porque “o Senhor os queria matar.” Como Piper nota, “isto faz sentido somente se o Senhor tivesse o direito e o poder para parar a desobediência deles. Um direito e poder que ele desejou não usar. Assim, devemos dizer num sentido que Deus desejou que os filhos de Eli fossem fazer o que ele não ordenou que fizessem; não honrar seu pai e cometer imoralidade sexual” (117).
(8) Outros exemplos similares ao de I Sm 2 são II Sm 17:14; I Rs 12:9-15; Jz 14:4 e Dt 29:2-4. Estes são todos incidentes, dentre vários outros que poderiam ser citados, onde Deus escolhe (“deseja”) que certos comporamentes aconteçam, os quais ele não ordenou (“não deseja ”) que acontecesse.
(9) Ainda outro exemplo é encontrado em Gn 50:20. Aqui José diz a seus irmãos, “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida”. Diz Grudem: “Aqui, a vontade revelada de Deus para os irmãos de José era que os mesmos deveriam amá-lo e não roubá-lo ou vendê-lo como escravo ou intentar plano de matá-lo. Mas a vontade secreta de Deus era que na desobediência dos irmãos de José uma grande coisa seria feita quando José, tendo sido vendido como escravo no Egito, ganhasse autoridade sobre toda a terra e fosse capaz de salvar sua família” (Systematic Theology, 215).
Os Arminianos tem tradicionalmente objetado contra esta distinção entre “duas vontades em Deus” quando diz respeito à questão da salvação individual. Estou pensando em particular na declaração de I Tm 2:4 e II Pe 3:9. Mas “no final os Arminianos também devem dizer que Deus deseja algo mais fortemente do que ele deseja a salvação de todas as pessoas, pois de fato nem todos são salvos”. Os Arminianos afirmam que a razão pela qual nem todos são salvos é que Deus deseja preservar o livre arbítrio dos homens mais do que ele deseja salvar alguém. Mas isto não está fazendo uma distinção entre dois aspectos da vontade de Deus? Por outro lado, a vontade de Deus é que todos sejam salvos (I Tm 2:5-6; II Pe 3:9). Mas também em outro sentido sua vontade é de absolutamente preservar o livre arbítrio. De fato, ele deseja a segunda mais do que a primeira. Portanto, isto significa que os Arminianos também necessitam concordar que em I Tm 2:5-6 e II Pe 3:9 Deus não diz que ele deseja a salvação de todos de uma maneira absoluta e não qualificada – eles também necessitam concordar que os versículos fazem referência a um tipo ou a um aspecto da vontade de Deus (684).
Tanto Calvinistas como Arminianos, portanto, devem concordar que existe algo mais que Deus considera como mais importante que a salvação de todos: “Teólogos reformados dizem que Deus julga sua própria glória mais importante do que a salvação de todos, e que (de acordo com Rm 9) a glória de Deus é também promovida pelo fato de que nem todos são salvos. Os teólogos Arminianos também dizem que algo é mais importante para Deus do que a salvação de todos os homens, a saber, a preservação do livre arbítrio dos homens. De maneira que no sistema reformado o mais alto valor para Deus é sua própria glória, e no sistema Arminiano, o mais alto valor para Deus é o livre arbítrio do homem”. (684).
Observações de Edwards
É importante tomar nota da explanação de Jonathan Edwards sobre este ponto:
Quando a distinção é feita entre a vontade revelada de Deus e sua vontade secreta, ou seu desejo de comando ou decreto, a vontade é certamente tomada em dois sentidos: Sua vontade de decreto não é a sua vontade no mesmo sentido que sua vontade de comando. Portanto, não difícil de forma alguma supor, que uma pode ser o contrário da outra: sua vontade em ambos os sentidos é sua inclinação. Mas quando dizemos que ele deseja virtude, ou ama a virtude, ou a felicidade de sua criatura, então através disso, é pretendido que a virtude, ou a felicidade da criatura, absoluta ou simplesmente considerada, está de acordo com a inclinação da sua natureza. Sua vontade de decreto é sua inclinação para uma coisa, não tal para coisa absoluta e simplesmente, mas com respeito à universalidade das coisas que foram, são ou serão. Assim, Deus, embora odeie uma coisa como ela é simplesmente, poder inclinar-se para ela com referência à universalidade das coisas. Embora ele odeie o pecado em si, todavia, ele pode permiti-lo, para a maior promoção de sua santidade nessa universalidade, incluindo todas as coisas, em todos os tempos. Assim, embora ele não tenha nenhuma inclinação para a miséria da criatura, considerada absolutamente, todavia, ele pode desejá-la, para a maior promoção de felicidade nessa universalidade. Deus se inclina para excelência, que é harmonia, mas, todavia, ele pode se inclinar para o sofrimento que não é harmonioso em si, para promoção da harmonia universal, ou para a promoção da harmonia que há na universalidade, e fazê-la brilhar com mais intensidade (Misc., 527-28).
Novamente, ele insiste que:
Não há inconsistência ou contrariedade entre a vontade decretiva e preceptiva de Deus. É bastante consistente supor que Deus possa odiar a coisa em si, e, todavia, desejar que ela aconteça. Sim, eu não receio em afirmar que a coisa em si possa ser contrária à vontade de Deus, e ainda que possa ser agradável que sua vontade venha a acontecer em outro caso. Supor que Deus tem vontades contrárias para com o mesmo objeto, é uma contradição; mas não o é quando se supõe que ele tenha vontades contrárias sobre diferentes objetos. A coisa em si, e que a coisa que deva acontecer, são diferentes, como é evidente; porque é possível que uma possa ser boa e o outra possa ser má. A coisa em si pode ser má, e ainda pode ser bom que ela aconteça. Pode ser bom que uma coisa má aconteça; e frequentemente, muito certamente e inegavelmente, é isso o que acontece, e provado está. (Misc., 542-43)

PRESENTE DE DEUS OU PROPRIEDADE DE DEUS?

Por Isaltino Gomes Coelho Filho
Um dia desses vi uma pintura num veículo: “Foi Deus quem deu!”. Entendi a mensagem que o proprietário queria transmitir. Ele reconhecia que Deus lhe proporcionara uma bênção material. No caso, aquele carro.

Mais tarde pus-me a meditar no caso. Respeitosamente, não me soa o reconhecimento correto. Na realidade, há mais de mundano que de espiritual na frase.  Ela não expressa apenas o reconhecimento de que foi uma bênção, mas traz certo ufanismo. Afinal, conheço bem o movimento evangélico de hoje e sei da ênfase que ele coloca em bens materiais como sinal da aprovação divina. Quem é suficientemente bom aos olhos de Deus recebe bênçãos materiais. A doutrina da graça tem sido varrida para longe pelo neopentecostalismo. É um tal de “declarar”, “exigir seus direitos”, “reivindicar” que se vê uma total ignorância do que seja graça. Consequentemente, do que seja o evangelho. Quando alguém diz “Foi Deus quem me deu” pode muito bem estar dizendo: “Viu? Fui um bom menino, e Papai do Céu me deu de presente!”. Vejo tanto ufanismo com bens materiais! Muitos evangélicos parecem mais ligados em Mamom, o pseudo-deus das riquezas, que em Jesus Cristo.

O correto não é “Foi Deus quem deu!”. Porque se somos mesmo cristãos, nada é nosso, e tudo é dele. As coisas que nos vêm às nossas mãos, na realidade não são nossas, mas dele. Estão conosco para nosso uso, mas prestaremos contas delas, porque não somos proprietários, mas servos e mordomos (Lc 12.37 e 42) e despenseiros (1Pe 4.10). Alguns acham que são donos e assim dão migalhas dos bens, do tempo, das emoções e dos afetos para Deus. Amam os bens e dizem que Deus lhes deu.

Se você realmente é uma pessoa que entregou a vida (e não apenas o louvor) a Jesus, nada do que você tem é seu, mas é dele. As pessoas se lembram do Salmo 24.1 quando querem reivindicar coisas como “filhas do Rei”. Se tudo é dele, somos dele e nossas coisas são dele.

Sua vida é dele? Então seu carro não foi presente dele, mas é dele. Sua casa é dele. Seus filhos são dele. Sua carreira é dele. Se ainda não entendeu isso, cante o hino 422 do Hinário Para o Culto Cristão: “Tudo o que sou e o que vier a ser eu ofereço a Deus”. Em um ato de culto ofereça a Deus o que é dele por direito. Que seja de fato.

Nada seu é seu. Tudo seu é dele. Reconheça isso e viva isso antes que ele, insatisfeito com sua visão, dê a outro: “Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez talentos” (Mt 25.28). Lembra-se desta história? Aconteceu quando o senhor chegou e chamou os servos à prestação de contas (Mt 25.19). Demorou, mas veio. Você é apenas servo, e não senhor. Quando ele vier, que não chame você de “servo inútil”.

“Chico Xavier foi um homem de Deus”.


Bispo José Moreno

Dia 19 de setembro de 2000, na TV Rede Super, no antigo Programão, eu e um padre muito conhecido em Belo Horizonte estávamos sentados em frente a dois espíritas e defendíamos a posição do cristianismo contrária ao espiritismo. O tema do programa era a mediunidade.

Um dos participantes, apresentado como “psicógrafo”, fizera uma encenação de psicografia e queria convencer-nos e aos telespectadores de que aquilo era uma manifestação genuína da espiritualidade. Acostumado com manifestações espirituais, discerni a farsa e a denunciei. Imediatamente, uma pessoa telefonou para o programa indagando sobre Chico Xavier, se nós considerávamos também encenação suas psicografias ou se ele seria um esquizofrênico. Como resposta, o padre fez a afirmação que dá título a este artigo.

Sem poder concordar, ao me ser dada a palavra disse e repeti enfaticamente: “Não considero Chico Xavier um homem de Deus!” [ele ainda vivia]. E disse mais: ele é um homem necessitado de Deus, como qualquer outro. Na verdade, ele é representante de uma doutrina maligna, altamente prejudicial ao ser humano. Cerca de setenta a oitenta por cento das internações em unidades psiquiátricas são de pessoas que têm algum tipo de ligação com o espiritismo. Deixei isto bem claro, orando intimamente para que algum telespectador fosse tocado pelo Espírito Santo e livrado de tal maldição.

Durante o programa, muitos textos bíblicos foram citados e interpretados erroneamente – e tendenciosamente – para justificar o espiritismo. Não tive tempo para refutá-los todos. Talvez seja conveniente escrever agora uma ou outra palavra sobre este assunto. Pode ser que o meu leitor queira utilizar-se deste material para melhorar sua compreensão ou até mesmo usar tais argumentos para evangelizar seus amigos espíritas.

Allan Kardec definiu o espiritismo como sendo uma “ciência de observação, uma ciência prática e experimental, mas, ao mesmo tempo, uma filosofia, que compreende todas as consequências morais que decorrem das relações que se podem estabelecer com os espíritos” (O Que é O Espiritismo). O espiritismo moderno tem suas origens nas experiências das irmãs Fox, nos idos de 1848, em Nova Iorque, EUA. Elas teriam se comunicado com um vendedor de Bíblias que havia sido assassinado e que estava enterrado debaixo do assoalho da casa em que viviam. Escavando-se o local indicado, foram encontrados ossos e cabelos, o que deu ao fato repercussão tal, que menos de trinta anos depois já se estimava em cerca de oito a onze milhões os adeptos da nova “ciência”.

Do ponto de vista bíblico, tais comunicações com espíritos de pessoas falecidas são na verdade contato com espíritos malignos, aos quais o Senhor Jesus chama de demônios, que se apresentam disfarçados, às vezes imitando voz e trejeitos de algum morto. Pessoalmente, já mantive vários desses contatos e tive a fortuna de desmascará-los todos. É bem oportuno ler agora alguns trechos da Sagrada Escritura:

“Não se achará no meio de ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem quem consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz estas coisas é abominável ao Senhor, e é por causa destas abominações que o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti. Perfeito serás para com o Senhor teu Deus. Porque estas nações, que hás de possuir, ouvem os prognosticadores e os adivinhadores; porém, quanto a ti, o Senhor teu Deus não te permitiu tal coisa” (Dt 18.10-14).

“Não vos voltareis para os que consultam os mortos nem para os feiticeiros; não os busqueis para não ficardes contaminados por eles. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 19.31).

E nada pode ser mais claro do que Isaías 8.19-20:

“Quando vos disserem: Consultai os que têm espíritos familiares e os feiticeiros, que chilreiam e murmuram, respondei: Acaso não consultará um povo a seu Deus? acaso a favor dos vivos consultará os mortos? A Lei e ao Testemunho! se eles não falarem segundo esta palavra, nunca lhes raiará a alva”.

Certa vez, fui confrontado por uma senhora espírita com o argumento de que a comunicação com os mortos é autorizada pela experiência que Jesus teve na Transfiguração, quando se comunicou com Elias e Moisés (Mc 9.4). Retruquei, dizendo que ela terá razão quando alguém puder transfigurar-se como o fez Jesus. Ela deu a conversa por encerrada.

A divergência fundamental que o cristianismo tem com o espiritismo diz respeito à divindade do Senhor Jesus, “o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1 Jo 5.20). Em Espiritismo para Crianças em Dez Lições, uma espécie de catecismo, de autoria de Jozsef Diamantstein, revisto por Edna Nobuco Oeda, publicado em São Paulo por Artes Gráficas Santa Filomena, em 1983, à página 20, 9a Lição, podemos ler as perguntas 44 a 46 e suas respectivas respostas: “Jesus é Deus? Não, Jesus é filho de Deus”; “Jesus é nosso Pai? Não, Jesus é nosso Irmão porque nosso Pai é Deus”; “Jesus é o Criador? Não, Jesus não é o Criador, porque o Criador é Deus”.

Qualquer doutrina que negue a divindade de Jesus é uma praga. O espiritismo é uma praga que precisa ser erradicada dos corações – e, como vemos, já na infância. O Diabo tem todo o interesse de diminuir a glória do Senhor Jesus. Eu, ao contrário, tenho todo o interesse de engrandecer a glória do Senhor Jesus.

Como o espiritismo prega a prática do bem e da caridade, muitas pessoas acreditam que por isso não é possível que venha de Satanás. Digo a essas pessoas que não se deixem enganar, ”porquanto o próprio Satanás se disfarça em anjo de luz. Não é muito, pois, que também os seus ministros se disfarcem em ministros da justiça; o fim dos quais será conforme as suas obras” (2 Co 11.14).

Se você é espírita, torne-se cristão; se já é cristão e conhece um espírita, evangelize-o e livre-o do engano, pois aquele que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado (Tg 4.17).

Deus o abençoe rica e abundantemente!