Por Maurício Zágari
Felicidade
é um conceito bíblico? Depende. Como assim, “depende”? Numa época em
que a heresia neopentecostal transformou o lema mentiroso do “pare de
sofrer” num dogma com base na Teologia da Prosperidade, a reação dos
defensores da sã doutrina é jogar o pêndulo com toda força para o outro
lado. Mas devemos ir com calma. O mesmo Deus que diz “quem quiser vir
após mim tome a sua cruz e siga-me” também diz “qual é o filho que
pedindo ao pai pão ele lhe dará pedra ou pedindo peixe lhe dará uma
serpente?”. Então o que as Escrituras nos mostram é que o Evangelho é
um caminho pedregoso, sem garantia de felicidade: você pode ser um bom
cristão e ainda assim ser infeliz até o fim de seus dias. Mas, por
outro lado, o coração amoroso do Pai pode criar muitos momentos de
felicidade durante essa caminhada pedregosa e aliviar por sua graça as
dores dos pés que fazem a jornada.
O
anseio de todo ser humano é ser feliz. Isso é instintivo. Queremos
viver longe de dores, frustrações, desilusões, desamores, problemas. A
meta de cada um de nós é acordar de manhã sorrindo, se espreguiçar e
passar o dia com um sorriso no rosto. Ah, a vida é bela!, anelamos dizer
a cada por-do-sol lindo no horizonte, com um livro de Fernando Pessoa
nas mãos, uma música gostosa no fone e a cabeça da pessoa amada no
colo, com um cafuné que tem sabor de repouso, descanso e felicidade.
Fale a verdade: você não gostaria de viver isso? Mas aí chega Jesus e
estraga tudo.
Isso mesmo. Sabe
aqueles filmes em que, de repente, tem um som de vitrola arranhando e o
personagem cai do sonho e se vê numa situação de dureza? Pois no
Evangelho é exatamente assim. Você está lá, no Arpoador, curtindo o
entardecer, sentindo a brisa do mar, quando, sem aviso, o som que vem é
o da agulha arranhando o long play. É quando Jesus te sacode pelos
ombros e diz: “Tome a sua cruz e siga-me”. Pra quem só quer uma vida de
alegria perene isso é o fim da picada.
Não,
meu irmão, minha irmã, viver não é um parque de diversões. Viver
segundo os preceitos bíblicos, então, é para os fortes. E,
paradoxalmente, só se torna forte quem se põe fraco aos pés do Mestre.
Pois a alternativa a tomar a cruz e seguir a Cristo é o inferno. Mas a
boa noticia é que o Senhor nos diz, em paráfrase: “Tome a sua cruz e
siga-me… mas não desanime nem fique ansioso, pois você pode lançar os
seus fardos sobre mim: eu tenho cuidado de você”. Sim, o Evangelho é
para os fortes, e a nossa força tem nome: impotência. E é aí que entra a
possibilidade da felicidade.
Como assim?
Mas
o que impotência tem a ver com felicidade? Isso, na verdade, aprendi
com minha filha. Tenho uma filhinha com 11 meses de idade. Ela é
impotente. Ainda não consegue andar sozinha, nem se alimentar. Não se
veste sem ajuda e se sente dor depende que o papai pare tudo para lhe
dar um pouco de analgésico. Para ela, eu e a mãe somos Deus. Quando ela
leva um tombo, a tomo no colo, com ela aos berros, faço carinho,
sussurro palavrinhas de amor, esfrego o dodói e ela… sorri.
E
um sorriso, quando não é fingido, é o maior sintoma de felicidade. Se
você quer medir seu nível de felicidade, basta ver com que frequência
você sorri quando ninguém está olhando.
Quando
bate a fome ela começa a gemer e apontar para a comida. Não raro
chora. Aí chega papai ou mamãe, aqueles seres divinos que porão o papá
na sua boquinha e farão a sensação de fome sumir. E, quando a primeira
colherada chega a sua boca ela… sorri. Sede? Papai dá suquinho na
mamadeira e o choro vira… sorrisos. Sono? Uma boa embalada e a
ranzinzice vira olhinhos fechados e uma noite de sonhos tranquilos (e
acredita que ela dorme… sorrindo?) Carência? Uma engatinhada até meus
pés, uma escalada nas minhas pernas e um pedido de colo com aquela
carinha de Gato de Botas do Shrek e bracinhos estendidos derrete o
coração do paizão, que pega aqueles oito quilos de amor no colo e…
sorrisos.
Mas isso tudo só acontece
por uma razão: porque ela entrega suas infelicidades aos cuidados de
quem pode transformar sua impotência em…. sorrisos de felicidade.
O
Evangelho não nos promete felicidade. A mensagem da graça é dura.
Exige renúncia das nossas vontades. Quem não deixar pai e mãe por amor
a Cristo não é digno dele. Ou seja: quem não abrir mão do que mais ama
não é digno do Salvador. “Venda tudo, dê aos pobres e vambora pra
Cruz”, foi a resposta de Jesus para o “mancebo de qualidade”. Dureza.
Renúncia. Dificuldade. Choro. Impotência.
Sinto-me
constantemente impotente na estrada pedregosa. Mas aí eu engatinho até
os pés do Pai, escalo suas pernas, estendo os bracinhos e faço cara de
Gato de Botas do Shrek. Aí, se por sua graça papai me pegar no colo,
eu sei que vou sorrir de felicidade.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
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