À espera de um milagre
Quadrilhas de pastores ladrões, dívidas
milionárias com as tevês, administração amadora e investimentos
equivocados na construção de grandiosos templos. O que está por trás da
crise financeira da Mundial, uma das mais poderosas igrejas evangélicas
do País.
Rodrigo Cardoso
Confira compilação com cenas do apóstolo Valdemiro Santiago e outros líderes da igreja pedindo contribuições aos seguidores:
Chorar durante a pregação é um dos
traços mais marcantes da performance de Valdemiro Santiago de Oliveira, o
todo-poderoso da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), no púlpito.
Criticado por abusar dessa prática, o autointitulado apóstolo tem
motivos mais terrenos para derramar suas lágrimas atualmente. O império
neopentecostal construído por esse mineiro de 49 anos, nascido em
Cisneiros, distrito de Palma, a 400 quilômetros de Belo Horizonte, vive a
maior crise da sua história. O mais recente indício de que a IMPD está
fragilizada foi a decisão do Grupo Bandeirantes de encerrar, na semana
passada, a parceria que mantinha com Valdemiro, que alugava quase a
totalidade da grade da programação do Canal 21 e ocupava cerca de quatro
horas diárias nas madrugadas da Band. Motivo do fim do acordo: atrasos
no pagamento.
Valdemiro até que tentou impedir o fato.
De microfone em punho, o comedor de angu que cuidava de marrecos na
roça antes de se converter evangélico usou toda a sua empatia com o
povão. No início do mês, pôs o rosto no vídeo, caprichou na voz chorosa e
iniciou uma campanha conclamando seus fiéis a ajudá-lo a arrecadar R$
21 milhões para honrar compromissos com o aluguel de horários na mídia. A
Mundial já devia R$ 8 milhões ao Grupo Bandeirantes referentes a
setembro. No fim deste mês, outro boleto a vencer: R$ 13 milhões. A
emissora paulista não confirma oficialmente, mas a Igreja Universal do
Reino de Deus, de Edir Macedo, concorrente direta da Mundial, teria
entrado na disputa por esses horários e conseguido vencer a briga sobre a
maior concorrente na disputa por almas. “Pegaram a gente em um momento
de fraqueza”, diz uma liderança da IMPD. “Gastamos R$ 300 milhões com
templos ultimamente e vivemos um tempo de estruturação e
amadurecimento.”
“Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados
por bispos e pastores. Por mês, R$ 30 milhões saem pelo ralo”,
por bispos e pastores. Por mês, R$ 30 milhões saem pelo ralo”,
afirma um alto dirigente da IMPD do Rio de Janeiro
Quisera Valdemiro Santiago, porém, que
seus problemas fossem revezes restritos apenas ao campo administrativo
da sua igreja. Em São Paulo, o líder evangélico é alvo de uma
investigação do Ministério Público estadual e da Polícia Civil. Desde
janeiro de 2013, diligências feitas pelo Grupo Especial de Delitos
Econômicos (Gedec) e pela Divisão de Investigações sobre Crimes contra a
Fazenda, da Polícia Civil, apuram um suposto crime de lavagem de
dinheiro e ocultação de bens, direitos ou valores. O dono da Mundial
virou alvo das autoridades quando elas descobriram que a Fazenda Santo
Antonio do Itiquira, localizada em Santo Antônio do Leverger (MT), um
conglomerado de 10.174 hectares de terras ocupado por milhares de
cabeças de gado, foi comprado por R$ 29 milhões à vista pela empresa W.
S. Music, cujos representantes são o apóstolo e sua mulher, a bispa
Franciléia. O caso, que pode configurar uso do dinheiro de fiéis para
enriquecimento pessoal, corre em sigilo.
A
Mundial, fundada em 1998 – antes dela, Valdemiro fora pastor na Igreja
Universal por 18 anos (leia quadro) –, viveu um avanço muito grande em
um curto espaço de tempo. De 500 templos em 2009, hoje a denominação
computa mais de cinco mil unidades, segundo seus membros. Acontece que a
vida de uma igreja não se resume ao púlpito ou aos cultos.
Administrativa e financeiramente falando, a IMPD não evoluiu. “Cerca de
30% dos recursos que arrecadamos são desviados. Por mês, R$ 30 milhões
saem pelo ralo”, afirma um alto dirigente da denominação, lotado no Rio
de Janeiro. De acordo com ele, a devoção em torno dos cultos, espécie de
pronto-socorro espiritual, onde fiéis garantem ter alcançado a cura
divina para alguma enfermidade graças à intercessão de Valdemiro, trouxe
notoriedade à igreja e atraiu quadrilhas de pastores que se infiltraram
em seus templos para se apropriar das doações. “Há dois anos e meio,
por exemplo, o Valdemiro descobriu uma dessas quadrilhas no ABC paulista
liderada pelo bispo e por seus auxiliares e os expulsou.”
Esse mesmo dirigente lembra do dia em
que, ao manobrar seu carro na saída de um culto, uma fiel bateu no vidro
para alertar que pessoas traíam a confiança do líder evangélico:
“Pastor, está vendo esse carnê da Mundial? A conta corrente aqui escrita
não é a da igreja. Estão distribuindo carnês falsos para o povo pagar!
Avisa o apóstolo, por favor!” Ou seja, o dinheiro estava sendo desviado
num esquema paralelo ao de Valdemiro. Professor da pós-graduação de
Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ricardo
Bitun se deparou com essa prática ao ir a campo para a confecção de sua
tese de doutorado. Intitulado “Igreja Mundial do Poder de Deus:
Continuidades e Descontinuidades no Neopentecostalismo Brasileiro”, o
estudo defende que Valdemiro foi o único dissidente da Universal que
conseguiu alcançar sucesso. E assim o fez graças, principalmente, à
remasterização da cura divina, uma prática bastante difundida no Brasil
nos anos 1970. “Um bispo me contou que havia pastores infiltrados em
igrejas e até mesmo bispos cobrando propinas de pastores”, diz Bitun.
Valdemiro é um líder religioso
onipresente no altar e nos programas televisivos e demorou a perceber
que estava sendo traído por pessoas muito próximas a ele – e do alto
escalão da igreja. Havia um grupo próximo a Josivaldo Batista de Souza,
que era considerado o número 2 da Mundial, agindo como lobos em pele de
cordeiro. “Ele se deu conta de que o problema advinha da concentração de
poder em torno dessa turma”, diz um membro da hierarquia paulista da
Mundial. “Era gente pedindo avião para fazer não sei o quê, para ter
programa na televisão não sei onde, para abrir igreja em um grotão aí…”
Segundo esse integrante da IMPD, Valdemiro cometeu erros próprios de
líderes que sobem muito e rapidamente. “Ele se cercou de um estafe
pequeno que blindava o acesso a ele. E, assim, passou a ouvir pouco
outras opiniões. Precisa amadurecer.”
Diante das dívidas, dos calotes e das
traições, o líder da IMPD está tentando conter a sangria da sua igreja
do jeito que pode. Transferiu para Lisboa o pastor Josivaldo, um
ex-membro da Universal que o acompanha desde o começo dos trabalhos da
denominação em Pernambuco, segundo Estado onde ele fincou sua bandeira.
Para substituir Josivaldo, que era responsável pela gestão
administrativa e financeira e cuidava do dia a dia da Mundial, além dos
bispos e pastores, Valdemiro achou por bem recorrer a um familiar.
Empossou o bispo Jorge Pinheiro, marido da irmã da sua esposa
Franciléia. Para tentar se reequilibrar financeiramente, conta um bispo
paulista, ele decidiu se desfazer de duas Cidades Mundiais, como são
chamados os megatemplos da IMPD, em São Paulo e no Paraná. Elas se
encontram fechadas pelos órgãos públicos locais, após pouco tempo de
funcionamento, por não preencherem requisitos para receber o público. Um
claro erro de avaliação que onerou a igreja. “A Cidade Mundial paulista
está fechada desde fevereiro de 2012. Mas Valdemiro, todo mês, tem de
pagar R$ 5 milhões das parcelas da compra dela”, diz o bispo.
Missionário da IMPD, o deputado estadual Rodrigo Moraes (PSC-SP), que
foi designado pela igreja para fazer “a coisa caminhar” junto aos órgãos
públicos, segue na sua empreitada. “Não recebi o comando de parar o
trabalho ainda. Mas a vontade do apóstolo é que fala mais alto”, afirma.
Templos pequenos e mal localizados, que não condiziam com a orientação
de Valdemiro, também deixaram de ser usados. “Cerca de 15% deles tiveram
de ser fechados ou reestruturados”, diz uma liderança da igreja. Pode
ser uma saída para que a fama de caloteiro não suplante a de apóstolo
milagreiro.
NA JUSTIÇA
Faz três meses que a Mundial não paga o aluguel do imóvel (acima),
localizado em Pirituba (SP): ação de despejo e cobrança de R$ 34 mil.
À esq., Cidade Mundial em São Paulo, que será fechada
Faz três meses que a Mundial não paga o aluguel do imóvel (acima),
localizado em Pirituba (SP): ação de despejo e cobrança de R$ 34 mil.
À esq., Cidade Mundial em São Paulo, que será fechada
Não
são poucos os templos ocupados pela IMPD que têm problemas com aluguel
atrasado ou ações de despejo em curso na Justiça. Em Pirituba, por
exemplo, bairro da capital paulista, o proprietário impetrou na justiça
uma ação de despejo contra a igreja por não receber o aluguel de seu
imóvel desde julho. E cobra, ainda, o pagamento de R$ 34.538,64. De
acordo com um de seus representantes legais, essa é terceira vez que a
justiça é acionada desde 2010, quando o local passou a ser ocupado pela
Mundial. “Não entendo a falta de organização da igreja. Não acredito que
ela não tenha caixa para pagar o aluguel”, diz ele, que prefere não se
identificar. “Esses problemas diminuíram 70% nos últimos tempos”,
garante Dênis Munhoz, advogado da Mundial. À frente também do cargo de
vice-presidente da Mundial, Munhoz refuta a ideia de a denominação viver
uma crise, argumentando que a IMPD é a evangélica que mais cresce no
Brasil. Sobre as quadrilhas de pastores, afirma: “Se existe esse
problema, a igreja sempre tomou as providências rapidamente.” Prefere,
no entanto, não comentar a perda dos espaços no Canal 21 e na Band. Quem
falou sobre o assunto foi o presidente da IMPD, o deputado federal José
Olímpio (PP-SP). “Estamos pagando muitas prestações, os valores de
aluguéis aumentaram, temos muitas obras em andamento e acabou atrasando
alguma coisa. Aí, deixa de pagar um mês e vira um problema para a
mensalidade seguinte”, diz.
Para
se ver livre de mais problemas, Valdemiro, que, procurado por ISTOÉ,
não se manifestou, entregou os horários que possuía na Rede TV! e na
CNT. Deixou também de alugar espaço em dezenas de retransmissoras de
diferentes estados e recuou no projeto de ocupar a programação de tevês
da Argentina, Colômbia e do México. “Muitas vezes, é melhor dar um passo
atrás para, depois, dar um maior à frente”, diz o alto dirigente da
Mundial do Rio. “Valdemiro me disse que estava, inclusive, vendendo a
sua fazenda no Mato Grosso.” Essa informação não foi confirmada pelo
presidente nem pelo vice-presidente da IMPD. Mas, na atual situação,
receber R$ 33 milhões, valor estimado da Fazenda Santo Antonio do
Itiquira, seria como um milagre para o líder evangélico.
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