quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A heresia da heresia



Quinzenalmente, participo de um encontro chamado Confiteri*. Este é um grupo formado por oito estudantes de teologia que oriento, e que se reúnem para trocar ideias, compartilhar a fé, estudar as Escrituras, tomar café, degustar bons vinhos e, principalmente, discutir temas da teologia.

Com o passar do tempo, percebi que nenhum deles tinha uma definição sólida do conceito de heresia. Resultado: Todo pensamento que não estivesse de acordo com a visão teológica majoritária do grupo era imediatamente rotulado como “heresia”. Não foram poucas as vezes que ouvi expressões como “fulano é um arminiano herege”, “siclano é pós-milenista, não defende uma escatologia ortodoxa”, “aquele beltrano, pastor daquela igreja pentecostal famosa em São Paulo, só prega heresia”.

Aquilo que observei neste grupo de orientandos, não é nada diferente do cenário geral. É fácil encontrar aqueles que chamo de “Tertulianos de Facebook”, “Covers de John Piper”, “Reforma-bitolados”, “Dispen-sensacionalistas”, chamando as pessoas por aí de hereges, perturbadores de Israel, inimigos da fé, e etc, sem ter a menor ideia do que o conceito de “heresia” significa de fato.

Segundo o célebre The Oxford Dictionary of the Christian Church (editado por F. L. Cross e E. A. Livingstone), heresia é a negação de qualquer dogma essencial da fé cristã universal. Tendo isso em vista, a pergunta que se levanta é: Se heresia é negar os dogmas essenciais do cristianismo, então, quais são estes dogmas? A resposta é simples: São os dogmas afirmados nos credos históricos (Credo Apostólico, Credo Niceno-constantinopolitano e Credo de Atanásio). McGrath nos diz que os credos históricos são as declarações de fé que sintetizam os principais pontos da fé cristã – os elementos doutrinários que são compartilhados por todos os cristãos (Alister McGrath, Teologia Sistemática, História e Filosófica, p. 54-63).

É exatamente por isso que afirmamos que na teologia cristã há doutrinas essenciais e doutrinas periféricas. As doutrinas essenciais são aquelas que caracterizam o cristianismo. Ou seja, só é cristão quem afirma esses dogmas. Já as doutrinas periféricas, como o próprio nome sugere, não são essenciais, negá-las não nos faz anti-cristãos, hereges.
Assim, a doutrina da salvação monergística, a inerrância, a teologia do pacto, o batismo por imersão, a incondicionalidade da aliança abraâmica e demais doutrinas não pertencem ao corpo de doutrinas essenciais do cristianismo. Desta forma, questioná-las e até negá-las não é uma heresia.

Teologicamente, o cessacionista não tem o direito de dizer que aquele teólogo pentecostal é herege, simplesmente porque afirma a doutrina da segunda bênção ou a realidade dos dons espirituais na presente era. O calvinista não tem o direito de dizer que o arminiano é um herege. O amilenista não tem razão ou base teológica alguma para dizer que o pré-milenismo é heresia. Todas essas doutrinas são periféricas.

Portanto, o herege é o que nega a doutrina da trindade, o nascimento virginal, a deidade e retorno de Cristo, e os demais dogmas afirmados e sintetizados nos credos. Usar o termo “herege” ou “heresia” para qualquer outro caso, especialmente no caso de divergência quanto às doutrinas periféricas da teologia cristã, demonstra uma completa falta de maturidade teológica. É a heresia da heresia.

* Confiteri é o verbo latino que quer dizer “confessar”.

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