Por Maurício Zágari
Está na moda dizer que
“amar é uma decisão”. Todo crente politicamente correto diz isso.
“Afinal”, escuto sempre, “Jesus mandou amar os inimigos e eu não sinto
vontade de amá-los, mas decido amá-los”. Reconheço que essa afirmação
tem mérito, há sim um componente racional no amor. Afinal, muitas vezes é
a razão que nos impulsiona a realizar atos traduzidos por amor (de
ajuda ao próximo, ações de caridade por completos estranhos e atos
similares). Mas olho para a Bíblia e não consigo me convencer de que
seja uma verdade absoluta e fechada, excludente. E olha que já me
esforcei muito para crer nisso. Mas, longe da simpática teoria e dentro
da realidade da vida, não consegui até hoje ser convencido de que o amor
que a Bíblia exalta e que constitui a natureza de Deus se resume a algo
tão frio e estoico como uma pura decisão racional – tal qual a decisão
de que roupa vou vestir hoje à noite ou de que prato vou comer no
almoço.
Pelo que pesquisei, o
conceito de que “o amor é uma decisão e não um sentimento” não tem
origem cristã, mas pagã: parece ter sido originado em um conto chinês
que se tornou amplamente divulgado no mundo ocidental graças à
viralidade da Internet, em especial a partir de fontes espíritas
kardecistas. Você pode ler o conto AQUI,
pois foi reproduzido, inclusive, num livro do padre Marcelo Rossi. Se
você souber de outra fonte, por favor compartilhe nos comentários e
terei prazer de publicar.
À
parte das origens pagãs dessa teoria, comecei a refletir e resolvi
fazer um teste, que teve resultados interessantes. Selecionei alguns
conhecidos meus que defendem com veemência que “amar é uma decisão” (ou
seja, um processo de escolha meramente racional). Sem que percebessem,
em momentos variados lhes perguntei como foi sua história de amor com o
marido/a esposa. Pedi que contassem como chegaram ao ponto de decidir se
casar com o cônjuge. Invariavelmente, ouvi, entre outras afirmações,
coisas do tipo “quando a vi meu coração disparou”, “eu não conseguia
parar de pensar nele”, “eu a achei a mulher mais linda do mundo” e
“quando ele segurou na minha mão foi como se tivesse tomado um choque
elétrico” – todas afirmações bastante ligadas ao emocional (afinal,
ninguém decide disparar o próprio coração, manter um pensamento
constante, considerar alguém belo ou disparar eletricidade pelo corpo
ante o toque de alguém). Logo, sou obrigado a concluir que, na prática,
ninguém ama um marido ou uma esposa exclusivamente porque decidiu amar.
Algo na linha: “Olhei, pensei, raciocinei, ponderei, refleti e tomei a
decisão: vou amar fulano e poderemos nos casar”. Se você for honesto,
verá que não é assim que acontece.
Existem
aqueles que se casam sim por uma decisão. Repare: eu disse “se casam” e
não necessariamente “se amam”. Conheço homens que escolheram a esposa
porque “ela tem um ministério que complementa o meu” e mulheres que
optaram por maridos porque “ele é honesto e trabalhador e me trata com
respeito e carinho”. Tudo isso é importante, entenda que não estou
desmerecendo o aspecto racional da escolha do cônjuge. Ele é
indispensável. Creio, inclusive, que sem um componente racional um
casamento está fadado ao fracasso. Mais ainda: estou convicto de que,
sem a tomada de certas decisões, não há amor conjugal. Mas, quando ouço
comentários reducionistas como “amar é uma decisão”, vejo pessoas que se
casaram pela razão, mas não consigo enxergar nelas pessoas que se
casaram por amor. Pois amor não é só razão. Amor não é só decisão.
Muitos justificam essa
teoria a partir do modelo de casamento – cultural e contextualizado –
adotado nos tempos bíblicos. Naqueles milênios, a escolha do cônjuge era
feita pelos pais. E os adeptos da crença de que “amar é uma decisão”
recorrem a esse fato como um argumento para justificar a ideia de que é
possível se casar sem nenhum sentimento e você “aprenderá a amar” a
pessoa da mesma forma. Mais do que isso: defendem que esse é o padrão
bíblico.
Mas
aí descubro muitas passagens bíblicas que me mostram o contrário. Uma
história extraordinária nesse sentido é a de Jacó. Ele foi obrigado a se
casar com Lia, quando seu coração pulsava, na verdade, por Raquel.
Depois, quando as duas se tornaram suas mulheres, as Escrituras nos
mostram uma Lia eternamente infeliz por não contar com o amor do marido.
Estavam casados, mas não havia o aspecto emocional do amor. Ela era tão
infeliz que chegou ao ponto de tentar despertar no esposo algum
sentimento mediante a gravidez (“O Senhor viu a minha infelicidade.
Agora, certamente o meu marido me amará” – Gn 29.32). Leia com calma
toda a vida de Lia e o que você verá é uma mulher com um enorme vazio no
peito, uma alma oca, que era tão ignorada pelo marido que não a amava
que precisava comprar o direito de se deitar com ele (Gn 30.15-16).
Já com Raquel era
diferente: “Jacó amava a Raquel e disse: Sete anos te servirei por tua
filha mais moça, Raquel. Respondeu Labão: Melhor é que eu ta dê, em vez
de dá-la a outro homem; fica, pois, comigo. Assim, por amor a Raquel,
serviu Jacó sete anos; e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo
muito que a amava” (Gn 29.16-20). Ao ouvir que “amar é uma decisão” fico
pensando então por que Jacó não simplesmente decidiu amar Lia e, assim,
resolver o problema. Ou por que, quando acordou de manhã e viu que
tinha se casado com Lia, não “decidiu amá-la” e, em seguida, “decidiu
não amar” Raquel, o que facilitaria muito sua vida. Porque, convenhamos,
se o negócio era arranjar uma esposa, ele já tinha arranjado. Para que
precisava de Raquel se já tinha Lia? Trabalhar mais sete anos para ter a
segunda esposa seria irracional, bastava Jacó decidir não mais amar
Raquel, tocar a vida com Lia e ser feliz para sempre. Mas não foi o que
aconteceu.
Há
outros exemplos. Analiso o amor de Salomão pela Sulamita no Cântico dos
Cânticos e confesso que sinto um pouco de pena de quem se casava apenas
porque as famílias decidiam. Salomão tinha mil mulheres e concubinas,
mas repare que o Cântico dos Cânticos fala sobre somente uma delas. Ele
se casou com muitas, mas creio que só amou uma. Racionalmente decidiu
unir-se a mil. Mas, emocionalmente, seu coração ligou-se a uma única. E
uma leitura honesta desse lindo poema de amor que é o livro de Cantares
mostra que esse relacionamento estava a anos-luz de ser meramente “uma
decisão”.
O mesmo ocorre, também,
com Ester. Lemos em Ester 2.17 que “O rei amou a Ester mais do que a
todas as mulheres, e ela alcançou perante ele favor e benevolência mais
do que todas as virgens”. Por que o rei não decidiu amar outra? Se era
uma questão de opção racional somente, o que fez aquela mulher se
destacar das demais aos olhos do soberano? Razão, puramente? E mais:
razão… principalmente? O que aquela jovem hebreia tinha de tão especial
que racionalmente teria feito Assuero “decidir” amá-la mais do que a
todas outras mulheres? Era estrangeira, pobre, exilada, órfã, de outra
religião… racionalmente não fazia sentido o rei decidir amá-la em
detrimento das demais? Mas a Bíblia relata que esse amor simplesmente
aconteceu e não porque Assuero optou por isso.
Essa
questão extrapola o amor conjugal. Quando leio João 3.16, vejo que
“Deus amou o mundo” e não que ele “decidiu amar o mundo”. Vejo, em
muitas passagens, Jesus ser movido a atos de amor por compaixão (Mt
9.36; 14.14; 15.32; 20.34; Mc 1.41; 6.34; Lc 7.13). E “compaixão”, pelo
dicionário, significa “Sentimento benévolo que nos inspira a
infelicidade ou o mal alheio”. Ou seja, dizer que compaixão é apenas uma
decisão seria negar a essência de seu significado. Poderíamos ir além: o
termo em grego usado para falar da compaixão de Jesus é splagchnizomai,
que fala explicitamente de uma emoção, algo que se sente. Logo, dizer
que o amor do Senhor pelos carentes de compaixão e misericórdia seria
apenas uma decisão contraria, em todos os aspectos, a exegese bíblica.
Vejo em Romanos 9 o
Senhor dizer “amei Jacó e aborreci Esaú”. Ora, se amor é uma decisão,
por que Deus não decidiu amar Esaú, visto que ele não faz acepção de
pessoas? O Senhor poderia perfeitamente decidir amar ambos. Outra: o
texto bíblico diz, em numerosas ocasiões, que, durante os séculos em que
o reino do Sul, Judá, foi idólatra, Deus reteve o juízo pelo amor dele a
seu servo Davi. Outro exemplo está em 1Samuel 18.1, onde vemos:
“Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se
ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma”. Uma
decisão pura e simples?
Amar pressupõe algo
diferente. Amar faz alguém se destacar da multidão. E, se você
destrincha cuidadosamente os textos bíblicos, vê que, na Escritura, quem
ama não o faz porque olha a multidão, analisa um por um, pondera e
decide: “Vou amar aquele”. Não é assim. O amor bíblico verdadeiro,
universal e despido de um contexto histórico específico aponta para
pessoas que, aos olhos de alguém, brilharam dentre as demais e tocaram
na razão mas, indispensavelmente, também no coração de alguém.
Se
você tem um filho eu te perguntaria se você o ama somente porque
racionalmente ele foi formado a partir de um espermatozóide ou um óvulo
seu. Você foi vendo aquele bebezinho crescer todos os dias até que, numa
certa manhã, disse “bem, a partir de hoje decido amar essa criança”,
foi dessa maneira? Outra pergunta: você não escolheu ter os irmãos que
tem, mas, em geral, nós amamos nossos irmãos. Isso ocorreu racionalmente
ou foi fruto de uma emoção cultivada e desenvolvida diariamente, ao
longo dos anos? E, sobre isso, eu perguntaria: se você teve algum
problema com um parente e cortou relações, se amar é tão somente uma
decisão racional, por que não simplesmente decide voltar a amá-lo?
É fundamental lembrar
que ninguém, nem um único cristão, ama Jesus porque tomou a decisão de
amar. Nós amávamos o mundo, até que, pela graça, contrariando tudo em
que críamos racionalmente até então, o amor de Deus nos alcançou e
passamos a amar Jesus. Eu nunca decidi amá-lo. Estava muito bem,
obrigado, amando minha vida de incrédulo, quando esse amor chegou pelos
sentidos, invadiu meu cérebro, ligou-se a minha alma, incendiou meu
espírito e pronto: quando me dei conta estava amando.
Por
que falar sobre este assunto? Porque há muitos irmãos e irmãs decidindo
somente pela razão a quem “amar” e, por isso, se casando sem amar.
Tornam-se cônjuges de amigos (e não de amores) que decidiram desposar,
mas vivem sem desfrutar do amor pleno que Salomão descreve no Cântico
dos Cânticos (que não é apenas erótico, como muitos defendem, se você
ler com atenção verá duas almas profundamente entrelaçadas
emocionalmente). Esses irmãos tornam-se incompletos e acabam se
divorciando ou se condenando à infelicidade e à frustração até que a
morte os separe. E tudo porque acreditaram na teoria de que “amar é só
uma decisão”. Dizer isso é como falar “o Brasil é o estado do Rio de
Janeiro”. Só que não é, o Rio é uma parte do Brasil. Assim como a razão,
a decisão é uma parte do amor. Ele é composto ainda de ação e emoção.
Advogar um amor ultrarromântico, baseado somente nos sentimentos, é um
erro. Mas descartar o sentimento como se fosse algo antibíblico, na
ultra valorização do racionalismo, é descartar a linda capacidade que
Deus nos deu de sentir.
Eu amaria concordar que
“amar é uma decisão”, pois isso me faria mais politicamente correto
dentro do meio evangélico, onde esse conceito da filosofia oriental
virou moda. Eu amaria, mas o meu amor por essa teoria não depende
somente de uma decisão minha. Eu não decido crer no que creio. O amor é
uma decisão, sim. O amor é razão, sim. Mas vai muito além disso. O amor é
também ação. E, sim, o amor é emoção. Se você se casa com alguém por
quem seu coração não pulsa, casou-se por amizade ou carinho, não por
amor. Seu amado tem de ser seu amigo, mas não pode ser só seu amigo. O
amor é muito mais complexo do que a simples definição “uma decisão”
tenta fazer parecer. Deus é amor. E Deus é razão, ação e emoção.
É por isso que o amor é infinito e o infinito faz meu coração pulsar infinitamente.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
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