Tenho lido e ouvido muitas coisas sobre o amor cristão.
Vozes de todos os lados levantam as mais variadas teorias sobre como deve ser o
amor entre nós, que pertencemos à família de Cristo. Já ouvi de tudo. E já vi de
tudo. Adeptos de diferentes linhas são bem-sucedidos e malsucedidos em suas
vidas amorosas ou afetuosas. Parece não haver a fórmula infalível da felicidade
afetiva, que comprove na prática o que muitos defendem na teoria. Por isso fui
às Escrituras tentar encontrar uma resposta. Não tenho a petulância de dizer "é
assim" ou "é assado", mas podemos seguir pistas bíblicas que dão uma boa base
para responder: afinal, como nós, cristãos, devemos
amar?
O amor é
algo divino. Quando João diz em sua primeira epístola que "Deus é amor, e aquele
que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele", vemos que amor não é
invenção de filmes de Hollywood ou de livros água com açúcar para adolescentes,
é uma verdade bíblica e celestial absoluta. O amor existe. E é algo que
identifica-se diretamente com a essência do Criador. Tanto é assim que 1
Coríntios 13 nos dá o retrato falado do amor ágape, o amor celestial.
Não, não podemos usar esse texto para escrever cartas apaixonadas para nosso
namorado ou nossa esposa, o amor a que Paulo se refere aqui é o de Deus e não o
dos homens: jamais a humanidade pecadora e imperfeita conseguirá amar desse
modo. Na prática é simplesmente um ideal inatingível.
Apesar
disso, podemos e devemos ver no amor de Deus um exemplo a ser seguido no amor
entre os homens. Quando Jesus diz na famosa passagem de João 3.16, "Porque Deus
amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna", uma coisa fica clara: o amor que
agrada Deus é aquele em que quem ama abre mão de si pelo outro. É o famoso "amor
sacrificial". É o mesmo princípio proposto por Paulo em Efésios 5, onde lemos
"Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como
também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós". Logo em seguida, nesse
mesmo capítulo, vemos a mulher sendo conclamada a submeter-se ao marido e o
marido a amar a esposa como Cristo amou a Igreja. Em tudo aqui o que fica claro
é o interesse da pessoa amada sendo posto acima do próprio
interesse.
Isso traz
implicações de proporções inimagináveis. Se você ama alguém vai fazer o que for
preciso para que o outro seja feliz. Vai abrir mão do próprio bem-estar pelo do
outro. Nem que para isso tenha de destruir sua própria imagem e abrir mão,
literalmente, do amor-próprio para que quem se ama trilhe um caminho que será
melhor para ele. Se o melhor para quem você ama exige que desconstrua o que
ele/ela admira em você, meu irmão, minha irmã, faça. Desglorifique aos olhos do
outro o que ele mais admira na sua pessoa. É preciso que quem você ama esteja
por cima e você, por baixo, se preciso for. Não foi o que João Batista fez por
amor ao seu primo - que ele sabia que era o Verbo? "Convém que ele cresça e que
eu diminua" é uma regra sólida do amor bíblico. Por amor à humanidade Filipenses
2.7 mostra que Jesus esvaziou-se de sua glória. Dispa-se da sua também, se é
necessário para que quem você ama fique bem.
O amor
verdadeiro exigirá grande sacrifício e abnegação. Deus manda Abraão sacrificar o
próprio filho, "a quem ama" (Gn 22.2), para provar seu amor ainda maior pelo
Senhor. Se Pedro ama Cristo precisa deixar tudo de si para cuidar das ovelhas do
Mestre. Enquanto todos fugiram para cuidar da própria segurança, João, o
discípulo amado, correu o risco de ser morto mas não abriu mão de ficar junto ao
seu amigo durante toda a crucificação. Abrir mão de si pelo outro.
Sacrificar-se. Desglorificar-se. Humilhar-se. Perdoar. Diminuir-se, se preciso
for. Caso contrário não é amor bíblico.
O
amor cristão necessariamente existe para a glória de Deus. Amar a Deus sobre
todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é uma regra elementar dentro dessa
visão. Dizer que se ama Deus é fácil, difícil é fazer com que o amor ao próximo
como a si mesmo seja fato perceptível. É impossível glorificar o Senhor se você
não exerce o amor pelo próximo em atitudes práticas. Aquele que diz que
glorifica Deus e ama o próximo, mas põe os próprios interesses acima dos das
outras pessoas, não glorifica Deus nem ama o próximo. Quem desampara o próximo
não glorifica Deus nem ama o próximo. É por isso que o egocêntrico não glorifica
Deus nem ama o próximo: ama o próprio ventre. Crê que o outro existe em função
de si. Esquece que Romanos 12.10 afirma: "Amai-vos cordialmente uns aos outros
com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros". E é muito fácil
identificar quem não põe o outro acima de si e, portanto, não ama o próximo nem
a Deus - e assim não o glorifica: o tal agirá sempre em seu próprio
favor.
O
amor bíblico também é belo. Cantares de Salomão nos mostra com clareza que Deus
não nos propõe um amor de casamentos arranjados pelos pais ou desprovidos de um
sentimento de profundo encantamento pela pessoa amada. Salomão era completamente
embevecido pela amada e vice-versa. Amo a Deus não só porque racionalmente há
razões para isso: eu o amo também porque Ele me deslumbra. Porque não há um dia
sequer em que Ele deixe de atravessar meu coração. Nos períodos de minha vida em
que razões variadas me fizeram cego a Cristo em meu coração e o mantiveram
apenas na minha razão foi quando cometi os pecados mais torpes e vergonhosos de
minha existência.
Não é
porque o amor da ficção é romântico que isso desmereça o romantismo do amor
verdadeiro. Amor não é uma decisão. Isso soa bacana e espiritual para os
ouvidos, mas é um descompasso com a vida real e mesmo com o amor bíblico. Não
fosse assim, como explicar declarações de amor como "Beija-me com os beijos de
tua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho" (Ct 1.2); "Eis que és
formosa, ó querida minha, eis que és formosa; os teus olhos são como os das
pombas. Como és formoso, amado meu, como és amável!" (Ct 1.15,16); e
"Sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, pois desfaleço de amor. A sua
mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a direita me abrace" (Ct
2.5,6)?
Marcos
10.21 nos mostra o encontro de Jesus com o homem que preferiu as riquezas do que
dar seus bens aos pobres e seguir o Mestre. Racionalmente o Senhor tinha tudo
para chamar aquele rapaz de "hipócrita" para baixo. Mas o sentimento de Cristo
por Ele foi empático, compassivo, pulsante. Diz a Palavra: "Jesus, fitando-o, o
amou". Sim, amor bíblico também é um magnífico sentimento. No episódio da
ressurreição de Lázaro, Jesus chora de compaixão diante do sofrimento daquelas a
quem amava, embora racionalmente Ele soubesse que iria ressuscitar o amigo e que
o sofrimento cessaria. Mas o Cristo que despiu-se de sua glória não conseguia
despir-se do coração derramado pelos seus irmãos. Deus amou Jacó e aborreceu
Esaú (Rm 9.12) - explique-me esse amor pela razão, sendo que Jacó era um
detestável trambiqueiro, mentiroso e enganador. Você é pai ou mãe? Tente
convencer alguém de que seu amor por seu filho é apenas racional ou "uma
decisão". Boa sorte com isso. Conheço pais de filhos nada amáveis que fazem tudo
por eles - e certamente não o fazem porque é o certo a ser feito, mas porque são
unidos por um sentimento profundo. Por que entre marido e esposa o sentimento
também não deve ser considerado no ponto de partida? Por que o amor entre homem
e mulher seria um mero ato que tem sua gênese no racional? E por que amar o
próximo deveria desconsiderar afetos? Repare com atenção e perceberá que, em
geral, pessoas mais cerebrais fazem muito menos pelos outros do que pessoas
afetuosas. Por tudo isso, não vejo base bíblica para a teoria de que amor é,
primordialmente e originalmente, apenas uma decisão.
Haveria
muito mais a se dizer sobre o amor bíblico. Mas o resumo é que sou obrigado a
concluir que, para que possamos dizer que alguém ama como Deus deseja, é preciso
que seu amor seja formado pela tríade razão + ação + emoção. O amor
bíblico é razão porque exige critérios no trato com o ser amado, como a
opção racional de pô-lo em primeiro plano. O amor bíblico é ação porque
exige atitudes práticas que demonstrem esse amor, como a negação e a diminuição
de si mesmo em prol do outro. E o amor bíblico é emoção porque se
quisermos amar como Deus precisamos sentir em nós o pulsar do sentimento
magnífico que o Pai demonstrou ter pelas suas criaturas, o Filho por aqueles por
quem morreu e o Espírito Santo por aqueles a quem estende sua maravilhosa
graça.
Ame com
esse amor. Pois embora nenhum homem seja capaz de amar com o amor ideal, buscar
essa meta o aproximará mais daquele que é a fonte, a expressão máxima e a mais
pura essência do perfeito amor.
Paz a
todos vocês que estão em Cristo,
Maurício.
Maurício.
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