segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Maria, cheia de graça. E os outros, como ficam?

Por Lucas Banzoli 
 Há uma discussão muito grande no meio apologético, se Maria era “cheia de graça” ou “agraciada”. Sei que entrar na discussão sobre o original grego de Lucas 1:28 é pura perda de tempo. Ambos os lados estão armados até os dentes com argumentos que tem por base o original grego, mais especificamente com relação a uma palavrinha quase mágica, chamada “kecharitomene”. Bem, eu vou dizer aqui neste site anticatólico uma coisa que pode apavorar muitos crentes: -Sim, eu creio que Maria é “cheia de graça”! “Nossa, Lucas, agora você foi radical, pegou pesado, virou mariano!”, você poderia dizer. Calma. Antes que você discorde do que escrevi e me crucifique, é importante que você entenda exatamente o que estou querendo dizer: -Eu creio que todos os cristãos (não apenas Maria) que alcançam o favor divino são cheios da graça de Deus! Isso mesmo. Às vezes eu fico abismado em ver o bate-boca que se resume se Maria é o ou não “cheia de graça”, quando, na verdade, o ponto principal não tem nada a ver com isso, mas sim se os demais cristãos são desprovidos dessa plenitude da graça, que seria um atributo único e exclusivo de Maria. Portanto, o que deveríamos tentar fazer é ver se, biblicamente, os demais cristãos são cheios de graça ou se tem uma “graça pela metade”, ao invés de discutirmos se Maria era ou não era cheia de graça, o que é uma discussão secundária, importante somente para os devotos marianos fanáticos. A verdade bíblica é que todos aqueles que são preenchidos com a graça de Deus são “cheios de graça”. Não existe ninguém com uma “graça pela metade”. Deus não olha para um ser e diz: “Puxa vida, eu não fui muito com a tua cara. Vou te dar uma ‘meia-graça’, e é bom que fique contente com isso”! Aí ele olha pra outro e diz: “Você é mais simpático, vou te dar 80% de graça. E se você for muito bonzinho, fizer boas obras, pagar penitência e subir as escadarias da catedral de joelhos, vai ganhar uma promoção e terá 90% de graça! Daqui a pouco você chega lá”! Não, não, não... Essa teologia de “muita graça” e “pouca graça” é totalmente falida, antibíblica e cheia de engano. Deus não dá uma graça “meia-boca” ou “pela metade”. Ele sempre a dá sem limitações: “Porque aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus; pois não lhe dá Deus o Espírito por medida” (João 3:34) A Nova Versão Internacional traduz este verso da seguinte maneira: “Pois aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, porque ele dá o Espírito sem limitações” (João 3:34) Portanto, Deus não dá do Seu Espírito “por medida”. Ele não o dá “limitado” a alguém, que fica “somente com uma parte”. Não. Ele dá o Seu Espírito completamente. É por isso que a Bíblia sempre diz que somos cheios do Espírito Santo (At.4:8; 7:55; 13:9; 9:17; Lc.1:55; 1:67), e não incompletos do Espírito Santo, tendo apenas uma parte dEle em nós. Acontece que com a graça divina é a mesma coisa que ocorre. Se Deus concede a nós o Seu Espírito de forma completa, de tal modo que ficamos “cheios” dele, então ele também não dá uma graça “incompleta”, pois o Espírito Santo é tão ou mais importante do que a própria graça de Deus. O Espírito Santo é uma pessoa, a graça não. O Espírito Santo é o próprio Deus, a graça é somente um favor de Deus. E, se a graça é um favor divino, o Espírito Santo é muito mais (Lc.11:13). Sendo assim, ser “cheio do Espírito Santo” é algo tão ou mais forte e significativo do que ser “cheio de graça”. Negar isso é inferiorizar o valor e importância do Espírito Santo na vida do cristão. E o que nós vemos é que todos os cristãos são “cheios do Espírito Santo”, e não apenas Maria: “Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: Autoridades e líderes do povo...” (Atos 4:8) “Seu pai, Zacarias, foi cheio do Espírito Santo e profetizou” (Lucas 1:67) “Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus de pé, à direita de Deus” (Atos 7:55) “Então Saulo, também chamado Paulo, cheio do Espírito Santo, olhou firmemente para Elimas e disse” (Atos 13:9) “Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor” (Atos 11:24) “Ele nunca tomará vinho nem bebida fermentada, e será cheio do Espírito Santo desde antes do seu nascimento” (Lucas 1:55) “Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que lhe apareceu no caminho por onde você vinha, enviou-me para que você volte a ver e seja cheio do Espírito Santo” (Atos 9:17) Em outras palavras, vemos que: 1º O Espírito Santo é um favor divino tão grande quanto a graça ou até maior. 2º Todos os verdadeiros cristãos são cheios do Espírito Santo, pois Deus não dá o Seu Espírito por medida, limitamente. 3º Sendo assim, a graça de Deus (que é outro favor divino) deve seguir este mesmo caminho: ela é dada liberalmente, e não por medida! Ora, se ser cheio do Espírito Santo é algo tão ou mais profundo do que ser cheio de graça, então este último não implica em ser imaculado ou sem pecado, pois todos aqueles que foram cheios do Espírito Santo, inclusive desde antes do nascimento (como é o caso de João Batista – Lc.1:55), pecaram. Vemos, portanto, que o argumento católico em favor da imaculada conceição de Maria tendo como única base bíblica o polêmico texto de Lucas 1:28 é no mínimo falaciosa. Se João Batista era cheio do Espírito Santo desde antes do seu nascimento e isso não o impediu de pecar, por que Maria deveria ser imaculada pelo simples fato de que (segundo os católicos) ela teria sido cheia de graça desde antes do nascimento? Não faz sentido, a não ser que o valor do Espírito Santo seja menor do que a graça. O que vemos é que o argumento católico é totalmente falacioso e sem sentido. Ser cheio de graça não é ser livre de pecado, mas ser cheio de favor divino. Graça é isso: favor imerecido. Ser cheio de graça implica, não em não poder mais pecar para o resto da vida, mas sim que Deus está em seu favor, ajudando-o. Mesmo Deus sendo totalmente a favor de todos os grandes homens do povo de Deus no passado, todos eles pecaram ao mínimo uma vez na vida. Por que com Maria deveria ser diferente? Além disso, biblicamente Maria não é a única pessoa a ser considerada “cheia de graça” por Deus. A Sagrada Escritura dá o seguinte testemunho acerca de Estêvão: “Estêvão, homem cheio da graça e do poder de Deus, realizava grandes maravilhas e sinais entre o povo” (Atos 6:8) Aqui vemos que Estêvão também era “cheio de graça”; portanto, tal coisa não era nem nunca foi “exclusividade” de Maria. A expressão usada aqui para Estêvão é no original grego χαριτος [charitos], que é exatamente a mesma de onde provém a palavra grega “kecharitomene”, que foi dirigida a Maria. Ambas são do verbo “charitoô”, e significam “favorecer” ou “encher de favores”. Portanto, Estêvão também era “cheio de graça” [charitos] tanto quando Maria era “cheia de graça” [charitos]. Alguns católicos argumentam que o tempo verbal para Maria em Lucas 1:28 é diferente do tempo verbal para Estêvão em Atos 6:8. Que grande descoberta! Que diferença faz? Os católicos argumentam que o tempo no particípio perfeito significa que Maria sempre foi cheia de graça, diferentemente de Estêvão, que teria recebido graça a partir daquele momento. Mas eu continuo repetindo: Eeee... daí? Isso não muda nada. Será que depois de Atos 6:8 Estêvão passou a ser “imaculado”? É claro que não. Então, tal palavra não tem nada a ver com cometer ou não cometer pecados. Se ela foi aplicada a Estêvão e nem por isso Estêvão deixou de ser pecador nem por um instante, então mesmo se a interpretação católica estivesse correta e implicasse que Maria sempre foi cheia de graça, isso igualmente não implicaria que Maria não era pecadora. Além disso, o verbo se encontra no particípio presente porque o anjo quis corroborar com as palavras de Isaías em Isaías 7:14, que profetizou, há muito tempo antes, que uma virgem conceberia. Portanto, a razão do verbo no particípio presente não tem nada a ver com Maria nunca ter pecado (pois já vimos que charitos jamais implicou em não ter pecados), mas sim para indicar que a graça recebida por Maria já era algo esperado e anunciado desde há muito tempo (antes do nascimento da própria Maria), pois o próprio Deus já havia predito, muitos séculos antes, que uma virgem seria escolhida para dar a luz ao Salvador do mundo. Prova disso é que logo em seguida, no verso 30, o mesmo verbo é aplicado no tempo presente (o mesmo que foi aplicado para Estêvão e para os demais), e não mais no particípio perfeito: “Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça [χαριν [charin] Acus. Sing] diante de Deus” (Lc.1:30). Além disso, vemos, biblicamente, que todos os cristãos são cheios de graça (não apenas Maria e Estêvão), pois Paulo se referiu a todos os cristãos quando disse: “para o louvor da glória da sua graça, com a qual nos encheu de favores (ou “nos encheu de graça”, echaritôsen) no Amado” (Ef.1:6). Essa passagem de Efésios nos diz que Deus nos “encheu de graça”, e Paulo usa precisamente o mesmo verbo charitoô, apenas mudando o tempo verbal, o que obviamente não muda o significado do verbo. Vemos também o apóstolo Paulo dizendo com respeito a todos os cristãos o seguinte: “E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda a boa obra” (2ª Coríntios 9:8)

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